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Edição 103

Menos imposto, mais consumo

Redução do IPI pode baratear preços e estimular consumo

Wagner Kotsura
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Toda vez que um carro novo é vendido, entram em cena três personagens principais no roteiro do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): a empresa fabricante, que recolhe o tributo, já embutido no preço; o governo federal, que recebe esse dinheiro; e o comprador, que paga a fatura.

Quando o IPI é reduzido, como ocorreu em 25 de fevereiro, criam-se condições para repassar esse benefício ao consumidor, que, teoricamente, deveria encontrar seu veículo mais barato na loja. As alíquotas do IPI caíram 25% para a maioria dos produtos. E, de acordo com as políticas de incentivo vigentes, as alíquotas para alguns automóveis serão reduzidas em 18,5%.

Mas nem tudo é tão automático, seja para automóveis, seja para outros produtos industrializados, como fogão, geladeira, freezer, máquina de lavar e tudo o mais que entra numa linha de produção, ou que chegue ao Brasil via importação.

Isso porque, na montagem de cada um desses produtos, existem muitos componentes e peças fabricados por outras empresas (ou importados e pagos em dólar). Cada um deles com sua própria matéria-prima, sujeita às variações de mercado, como o plástico, derivado do petróleo, hoje refém da crise Rússia-Ucrânia. E vários outros custos variáveis, desde a energia até os chips e semicondutores. Nada disso se beneficia da redução do IPI, só o produto final.

No setor automotivo, os preços devem cair entre 1% e 4%, conforme o tipo do motor. Os primeiros cálculos revelam que um carro zero-quilômetro de R$ 60 mil baixaria para R$ 59 mil. Depois da retração na produção e nas vendas em fevereiro, surge a expectativa de recuperação.

Incentivo à indústria

Feita a ressalva, vamos aos fatos. Mantidas as condições de pressão e temperatura, parece razoável supor que a redução do IPI signifique um elemento de estímulo ao consumo, na medida em que provocará alguma baixa nos preços.

Ao assinar o decreto, o presidente Jair Bolsonaro declarou que a vigência é imediata; e que as alterações de alíquota de tributos como o IPI, que servem à regulação do mercado, objetivam incentivar a indústria nacional e o comércio, reaquecer a economia e gerar empregos. O decreto não tem prazo de validade, ou seja, a redução do IPI será mantida enquanto não for revogada a medida legal.

A mudança no IPI faz parte de um conjunto de medidas que visa à retomada do crescimento econômico

O ministro da Economia, Paulo Guedes, negociou pacientemente com os empresários, até chegar à fórmula final. Segundo ele, a redução do IPI é “o marco do início da reindustrialização brasileira, após quatro décadas de desindustrialização.” Ainda que a esperada baixa de preços ajude a combater a inflação, Guedes ressaltou que o objetivo principal da medida é fortalecer a indústria. 

Retomada do crescimento

A elevação da arrecadação de tributos federais no ano passado permitiu maior segurança em relação à dívida pública e ao equilíbrio na contabilidade do governo. E, agora em janeiro de 2022, mais um dado positivo: entraram R$ 235 bilhões, um aumento de 18% em relação ao mesmo mês do ano passado, já descontada a inflação. 

Segundo Júlio César Vieira Gomes, secretário da Receita Federal, o aumento da arrecadação em 2021 foi consequência de um “aumento expressivo em tributos sobre os lucros e os rendimentos das empresas e também no Imposto de Renda de pessoas físicas”. Outros fatores foram a diminuição dos diferimentos (adiamentos de pagamentos de tributos), que vigorou em 2020, e o aumento das alíquotas do IOF. Segundo o governo, portanto, dados demonstram que há espaço fiscal suficiente para viabilizar a redução do tributo.

A mudança no IPI, é importante destacar, faz parte de um conjunto de medidas que visa à retomada do crescimento econômico. Menos imposto vai representar menos recursos nos cofres públicos. A previsão da Receita Federal sobre a diminuição da carga tributária é a seguinte: perda de R$ 19 bilhões em 2022, R$ 20 bilhões em 2023 e R$ 22 bilhões em 2024. 

Essa conta vai ser dividida: 40% pagos pelo governo federal e 60% pagos por Estados e municípios, que recebem repasses do IPI arrecadado por meio de fundos especiais. Como era previsível, muitos criticaram a medida.

Os secretários estaduais da Fazenda logo divulgaram uma nota de protesto. Segundo eles, a redução do IPI deverá aumentar a margem de lucro das empresas, sem garantia de maior produtividade ou de queda dos preços para o consumidor, uma vez que o decreto não estipula ou obriga as montadoras a fazerem o repasse integral de IPI ao valor final do produto. 

Além disso, apontaram o impacto sobre as contas públicas e a pressão sobre a Zona Franca de Manaus, que tem isenção total de impostos. Ou seja, baixando os preços Brasil afora, a diferença em relação à Zona Franca também vai diminuir, e a atual vantagem competitiva de Manaus será reduzida.

Do lado dos setores favorecidos, só aplausos. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse que o corte do IPI é muito positivo para a economia brasileira, em especial para a indústria e para o comércio, que revende os produtos industriais. Com três benefícios: redução da carga tributária no setor, diminuição dos preços e aumento da demanda. E a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores afirmou que “a redução do Custo Brasil é benéfica não só para o setor industrial, mas também para a geração de empregos, para os consumidores e para a sociedade como um todo”.

Economia fortalecida

Adolfo Sachsida, chefe da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos do Ministério da Economia, reforça os argumentos oficiais sobre os objetivos da medida. “A redução do IPI é linear, geral e permanente, atingindo todos os setores da economia”, afirmou. “A redução de 25% devolve parte do excesso de arrecadação à sociedade, reduzindo a carga tributária.” Quer dizer: o governo tem dinheiro para bancar esse “presente” aos consumidores.

Dessa maneira, explica Sachsida, “espera-se uma redução do peso morto dos tributos (recursos arrecadados que não são aplicados em benefício da sociedade), um incremento da produtividade total dos fatores (conjunto de insumos utilizados para chegar ao produto final na indústria, como mão de obra, matéria-prima e tecnologia) e uma melhor alocação do capital na economia”. Em resumo, o objetivo é fortalecer o setor pelo lado da oferta, garantindo o crescimento sustentável de longo prazo da economia brasileira.

Alan Ghani, economista-chefe da Sarainvest e professor do Insper, também elogiou a medida, por estimular a atividade econômica. Segundo ele, a perda temporária de arrecadação não chega a ser um problema, porque a situação fiscal está relativamente controlada. “O déficit primário (resultado negativo nas contas do governo, desconsiderando os juros da dívida pública) passou de 10% do PIB em dezembro de 2020 para 0,4% do PIB em dezembro de 2021.”

Além disso, observa Ghani, a redução do IPI poderá trazer até aumento da arrecadação, caso ocorra estímulo da atividade econômica. “Com maior crescimento da economia, a renda aumenta, o que eleva a arrecadação tributária, mais do que compensando a redução do tributo.”

A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado, recebeu com restrições a medida, dizendo que ainda precisam ser feitos mais estudos sobre os efeitos macroeconômicos. “Sabe-se que medidas de redução de impostos podem estimular os setores beneficiados”, informou o órgão. “Há ainda que ponderar efeitos negativos, do ponto de vista da atividade econômica, em razão da mudança de preços relativos gerada pela desoneração à indústria, apenas, e não ao setor de serviços, por exemplo.”

Os políticos sempre encontram um jeitinho de nos lembrar que nem sempre seus interesses coincidem com os interesses do Brasil

Segundo a IFI, a ausência de medidas compensatórias para a perda de arrecadação vai afetar o déficit e a dívida pública, “prejudicando o próprio efeito positivo eventualmente produzido pelo estímulo decorrente da medida do IPI sobre a atividade econômica”.

No entanto, o governo federal não precisará compensar os recursos perdidos com a redução do IPI, porque a Lei de Responsabilidade Fiscal não prevê essa hipótese. E a medida, por ser um decreto, não precisa passar pelo Congresso Nacional, o que certamente provocaria intenso debate, já que deputados federais e senadores estariam pressionados pelas bancadas estaduais. 

Mas os políticos sempre encontram um jeitinho de nos lembrar que nem sempre seus interesses coincidem com os interesses do Brasil. Depois de uma reunião arranjada às pressas, na quarta-feira 9, no Palácio do Planalto, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), cercado de uma comitiva de notáveis do Estado, saiu todo feliz. Ele estava preocupado que a redução do IPI tornaria os preços dos produtos em todo Brasil similares aos da Zona Franca, reduzindo a atratividade dos benefícios fiscais das empresas instaladas na região. Lima disse que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, se comprometeram a reeditar o decreto de redução do IPI, deixando de fora os produtos que a Zona Franca de Manaus fabrica com isenção e, no restante do país, são taxados normalmente. 

Que milagre foi esse? A resposta está no Congresso Nacional, onde o decreto do IPI não precisa ser votado, mas o projeto sobre combustíveis, sim — que propõe alinhar a cobrança do ICMS nos Estados, reduzindo a guerra fiscal e obtendo maior controle sobre a política de preços. Na mesma quarta-feira 9, ele foi adiado pela segunda vez, porque os senadores descobriram que têm na mão, mais uma vez, o poder de barganha contra o Executivo. Naquele mesmo dia, Paulo Guedes ouviu os argumentos do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que defendeu a reedição do decreto do IPI tal e qual querem a Zona Franca de Manaus e seus aliados.

Com variações, uma antiga lição ensina que, em economia, é difícil prever até mesmo o passado, quanto mais o futuro. O que está sendo feito agora no Brasil vai dar certo? Ninguém sabe. Mas há um ingrediente fundamental nisso tudo, a confiança. Se nossos governantes conseguirem injetar fortes doses de esperança na população, o caminho estará pelo menos delineado. 

Leia também “O campeão nacional do calote” 

6 comentários
  1. MTM
    MTM

    Menos impostos significa mais consumo. Mais consumo significa mais empregos e mais impostos para o caixa do governo. É uma lei que sempre funcionou em países de primeiro mundo. Mas aqui, sustentamos um monstro insaciável: a maquina estatal brasileira, onde não há dinheiro que chegue.

  2. Luiz gonzaga alves diniz
    Luiz gonzaga alves diniz

    Sr Victor, a redução do IR está lá no senado nas mãos do ÂNGELO CORONEL e mais, taxando em 15% os lucros dos bilionários, q hoje não pagam nada

  3. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    O establisment preocupado com os recursos para as suas mordomias.

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Muito bom o texto. Parabéns. Pena que pra variar, os políticos sempre estragam ou tentam estragar tudo.

  5. VICTOR GUEDES LIMA OTAVIO
    VICTOR GUEDES LIMA OTAVIO

    Kkkkk. Só mesmo o sr. ministro da economia e o sr presidente para acreditar numa falacia desta. Tem havido reducao de impostos para as empresas há 02 decadas no Brasil (lula e dilma) sem que tenha havido a desejada reducao de preco para o consumidor. As industrias apenas aumentam suas margens de lucro. Por falar nisso, qual é mesmo a margem de lucro das empresas brasileiras? Alguem sabe? Alguem ja pesquisou?
    Enfim, os precos continuar@o como antes, na terra de abrantes.
    Quer deixar mais dinheiro no bolso do consumidor sr presidente? Reduza o imposto de renda.
    Simples assim.

    1. Renato Perim
      Renato Perim

      Errado, caro Victor. Se quer deixar mais dinheiro no bolso do consumidor, antes de reduzir qualquer imposto, REDUZA A DESPESA DO GOVERNO. Mas isso é mais difícil do que ganhar na mega sena sozinho 3 vezes seguidas.

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