Na semana da morte do filósofo Olavo de Carvalho, publiquei um artigo aqui em Oeste contando um pouco do meu encontro com a obra do professor. Como relatei, fui apresentada a sua obra lendo artigos sobre a política norte-americana de uma forma nada óbvia. Diante da histeria coletiva e dos efusivos aplausos a Barack Obama, Olavo me tirava do lugar-comum, apresentando personagens enigmáticos que espalhavam ainda mais as peças de um enorme quebra-cabeça político, social, cultural e econômico do cenário norte-americano na minha mente. Enquanto todos falavam das criaturas, Olavo apontava para os criadores. Não havia como explicar quem era e o que queria Barack Obama sem falar de Saul Alinsky. E o mesmo ele fez com Vladmir Putin, o nome mais falado da atualidade.
Enquanto o mundo insiste em debater sobre quem pode ser, na verdade, o líder russo e os caminhos que ele pode seguir diante da bárbara invasão da Ucrânia, a obra de Olavo de Carvalho mostra mais uma vez como seu poder de observação estava à frente de seu tempo. Seu legado pavimentou um extenso caminho de conhecimento e pesquisa para qualquer um que queira sair da zona de conforto e do debate óbvio, e mergulhar um pouco mais nas entranhas de ideologias, ideias e nas mentes de personagens que mudaram e mudam o mundo. Assim como Obama e Alinsky, Olavo nos mostra que é impossível falar de Vladmir Putin sem Alexander Duguin (ou Dugin).
Em 2011, o professor encontrou-se com o eminente pensador e estrategista russo em um longo debate pela internet, que se prolongou de março a julho daquele ano e cujo material acabou se transformando em um livro essencial para entendermos o contexto atual Rússia, da Ucrânia e dos Estados Unidos. Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um Debate entre Alexandre Dugin e Olavo de Carvalho (Vide Editorial, 2012) mostra que, na época do debate, já estava claro que o eurasianismo era a estratégia do governo russo, e de que sem o conhecimento aprofundado do pensamento de Duguin seria impossível compreender as ações de Vladmir Putin. Em um texto publicado por Olavo em 2014, ele escreveu: “Existe alguém, nos meios jornalísticos e acadêmicos deste país, que conheça todas essas áreas do pensamento pelo menos o suficiente para entender do que o prof. Duguin está falando? Não existia em 2003, não existia em 2011 e não existe agora. (…) O eurasianismo apresentou-se para mim, portanto, com uma inteligibilidade imediata que era absolutamente inacessível à classe intelectual brasileira. Esta só podia reagir à novidade estranha e indigerível de duas maneiras: fingindo desprezo, como a raposa da fábula, ou prosternando-se em adoração hipnótica ante a força do incompreensível. O público a quem chega alguma informação sobre o duguinismo divide-se, pois, em despeitados e deslumbrados”.
Num mundo onde etiquetas preconcebidas de “esquerda” e “direita” são colocadas de maneira superficial, Olavo expurga nossos pareceres para fora da zona de conforto
Recomendo vivamente o livro, que mostra em detalhes um dos debates mais ricos e esclarecedores a que já assisti, embora seja difícil não adjetivar da mesma maneira outros tantos trabalhos de Olavo de Carvalho. Diante do cenário geopolítico intrigante em que vivemos, com análises rasas e maniqueístas por toda parte, decidi nesta semana pedir ajuda ao professor, que, mesmo não estando mais entre nós, segue nos ensinando, instigando, entregando.
Para a minha coluna desta semana, reproduzo o artigo de Olavo de Carvalho que abriu minha mente para outro criador. Olavo nos mostra de forma didática e excepcional neste rápido artigo publicado em maio de 2011 que é preciso analisar Vladmir Putin mergulhando na ótica e na perspectiva de Alexandre Duguin. Em um mundo onde etiquetas preconcebidas de “esquerda” e “direita” são colocadas de maneira superficial e irresponsável, Olavo faz o que fez de maneira única e certeira na vida: expurgar nossos pareceres para fora da zona de conforto e nos fazer pensar de maneira mais completa.
Mais uma vez, obrigada, mestre.
O futuro que a Rússia nos promete
Olavo de Carvalho
(Diário do Comércio, 23 de maio de 2011)
O prof. Alexandre Duguin, à testa da elite intelectual russa que hoje molda a política internacional do governo Putin, diz que o grande plano da sua nação é restaurar o sentido hierárquico dos valores espirituais que a modernidade soterrou. Para pessoas de mentalidade religiosa, chocadas com a vulgaridade brutal da vida moderna, a proposta pode soar bem atraente. Só que a realização da ideia passa por duas etapas. Primeiro é preciso destruir o Ocidente, pai de todos os males, mediante uma guerra mundial, fatalmente mais devastadora que as duas anteriores. Depois será instaurado o Império Mundial Eurasiano sob a liderança da Santa Mãe Rússia.
Quanto ao primeiro tópico: a “salvação pela destruição” é um dos chavões mais constantes do discurso revolucionário. A Revolução Francesa prometeu salvar a França pela destruição do Antigo Regime: trouxe-a de queda em queda até à condição de potência de segunda classe. A Revolução Mexicana prometeu salvar o México pela destruição da Igreja Católica: transformou-o num fornecedor de drogas para o mundo e de miseráveis para a assistência social americana. A Revolução Russa prometeu salvar a Rússia pela destruição do capitalismo: transformou-a num cemitério. A Revolução Chinesa prometeu salvar a China pela destruição da cultura burguesa: transformou-a num matadouro. A Revolução Cubana prometeu salvar Cuba pela destruição dos usurpadores imperialistas: transformou-a numa prisão de mendigos. Os positivistas brasileiros prometeram salvar o Brasil mediante a destruição da monarquia: acabaram com a única democracia que havia no continente e jogaram o país numa sucessão de golpes e ditaduras que só acabou em 1988 para dar lugar a uma ditadura modernizada com outro nome.
Agora o prof. Duguin promete salvar o mundo pela destruição do Ocidente. Sinceramente, prefiro não saber o que vem depois. A mentalidade revolucionária, com suas promessas auto-adiáveis, tão prontas a se transformar nas suas contrárias com a cara mais inocente do mundo, é o maior flagelo que já se abateu sobre a humanidade. Suas vítimas, de 1789 até hoje, não estão abaixo de trezentos milhões de pessoas — mais que todas as epidemias, catástrofes naturais e guerras entre nações mataram desde o início dos tempos. A essência do seu discurso, como creio já ter demonstrado, é a inversão do sentido do tempo: inventar um futuro e reinterpretar à luz dele, como se fosse premissa certa e arquiprovada, o presente e o passado. Inverter o processo normal do conhecimento, passando a entender o conhecido pelo desconhecido, o certo pelo duvidoso, o categórico pelo hipotético. É a falsificação estrutural, sistemática, obsediante, hipnótica. O prof. Duguin propõe o Império Eurasiano e reconstrói toda a história do mundo como se fosse a longa preparação para o advento dessa coisa linda. É um revolucionário como outro qualquer. Apenas, imensamente mais pretensioso.
Quanto ao Império Mundial Eurasiano, com um polo oriental sustentado nos países islâmicos, no Japão e na China, e um polo ocidental no eixo Paris–Berlim–Moscou, não é de maneira alguma uma ideia nova. Stalin acalentou esse projeto e fez tudo o que podia para realizá-lo, só fracassando porque não conseguiu, em tempo, criar uma frota marítima com as dimensões requeridas para realizá-lo. Ele errou no timing: dizia que os EUA não passariam dos anos 80. Quem não passou foi a URSS.
Como o prof. Duguin adorna o projeto com o apelo aos valores espirituais e religiosos, em lugar do internacionalismo proletário que legitimava as ambições de Stalin, parece lógico admitir que a nova versão do projeto imperial russo é algo como um stalinismo de direita.
Mas a coisa mais óbvia no governo russo é que seus ocupantes são os mesmos que dominavam o país no tempo do comunismo. Substancialmente, é o pessoal da KGB (ou FSB, que a mudança periódica de nomes jamais mudou a natureza dessa instituição). Pior ainda, é a KGB com poder brutalmente ampliado: de um lado, se no regime comunista havia um agente da polícia secreta para cada 400 cidadãos, hoje há um para cada 200, caracterizando a Rússia, inconfundivelmente, como Estado policial; de outro, o rateio das propriedades estatais entre agentes e colaboradores da polícia política, que se transformaram da noite para o dia em “oligarcas” sem perder seus vínculos de submissão à KGB, concede a esta entidade o privilégio de atuar no Ocidente, sob camadas e camadas de disfarces, com uma liberdade de movimentos que seria impensável no tempo de Stalin ou de Kruschev.
Ideologicamente, o eurasismo é diferente do comunismo. Mas ideologia, como definia o próprio Karl Marx, é apenas um “vestido de ideias” a encobrir um esquema de poder. O esquema de poder na Rússia trocou de vestido, mas continua o mesmo — com as mesmas pessoas nos mesmos lugares, exercendo as mesmas funções, com as mesmas ambições totalitárias de sempre.
O Império Eurasiano promete-nos uma guerra mundial e, como resultado dela, uma ditadura global. Alguns de seus adeptos chegam a chamá-lo “o Império do Fim”, uma evocação claramente apocalíptica. Só esquecem de observar que o último império antes do Juízo Final não será outra coisa senão o Império do Anticristo.
Leia também “Uma tragédia anunciada”
Maravilhoso. Excelente aula. Obrigado.
Bravo APH. Brilhando nas suas análises. Como sempre.
Excelente análise. Uma aula brilhante. Obrigado, Ana Paula Henkel.
Excelente matéria, excelente artigo do Prof. Olavo. E seguimos esperando pelo próximo capítulo desse livro assustador….. Só Deus para nos libertar do mal!!
Olhando objetivamente, sem o filtro ideológico, a coisa não é apocalíptica. Apesar do sonho da “grande pátria”, a Rússia não tem pretensões imperialistas, ela quer uma coexistência pacífica com o Ocidente. A Rússia tem mais proximidade com a Europa, tanto na geografia como na cultura, não quer mais o comunismo e também começa a dar sinais de que quer mudanças políticas. Putin sabe disso.
A China sim, oferece esse perigo. O projeto chinês almeja impor seus valores ao mundo e ser a única potência dominante em 2050. Isso é falado em público, eles não escondem. Russos e chineses são aliados de ocasião. O Ocidente precisou da ajuda russa para derrotar o Eixo e vai precisar uma vez mais para libertar os chineses e o mundo da ditadura do PCCh.
A tragédia ucraniana foi i resultado do fracasso de uma solução negociada. A Europa tem culpa nisso pois ignorou as demandas russas. E agora está ajudando a China a fortalecer seus laços com a Rússia. Isso é o pior que podia ter acontecido. O único líder que sabia lidar com isso era o Trump. Ele sabia quando tinha que puxar a rédea sobre Putin e quando tinha que afrouxar.
Não sei se Aleksandr Dugin é uma espécie de guru intelectual de Vladimir Putin. A grande pátria russa é uma ideia que está enraizada no espírito do povo russo e Dugin é apenas mais um que teorizou sobre esse sonho. Filósofos não costumam ser pragmáticos, ao contrário de líderes políticos e estrategistas militares. Será que Putin já leu algum livro de Dugin? Será que Jair Bolsonaro já leu algum livro de Olavo de Carvalho?
O eurasianismo, conceito desenvolvido originalmente na década de 1920, postula que a civilização russa não pertence às categorias “europeia” ou “asiática” O eurasianismo, no sentido de uma ideologia antiocidental, só tem chance de prosperar devido às falhas e fraquezas do Ocidente. Em geral, acreditamos que as ideias e as sociedades evoluem de um modo linear, o que é um grande equívoco. O caminho é tortuoso, com avanços e retrocessos, as conquistas não são definitivas e tudo pode se esvair se não soubermos cuidar do que foi conquistado. O trabalho de construir algo é árduo e demorado, para destruir é sempre mais fácil. Os valores ocidentais, herdados da cultura greco-romana, da tradição judaico-cristã e das contribuições posteriores da filosofia política, foram moldados durante um longo processo e consolidados a menos de um século atrás. A Europa teve breves períodos de paz e liberdade em algumas áreas, pequenas exceções à regra geral de guerras e ideologias autoritárias criadas em seu próprio solo, como o comunismo, o nazismo e o fascismo, que engolfaram o continente até a primeira metade do século passado. Se olharmos para o futuro, vemos que o globalismo e o progressismo, produtos genuinamente ocidentais, são a maior ameaça aos caros valores ocidentais. Nos orgulhamos de propagandear nossos valores ocidentais como se fossem conquistas sólidas, mas basta olhar para o que aconteceu com a vida de pessoas comuns em todo o mundo ocidental durante a pandemia de laboratório, para nos darmos conta de quão vulneráveis somos. Parece que os arroubos autoritários não dependem de posição geográfica.
O Cristianismo certamente representou um impulso civilizatório no Ocidente, que resgatou da barbárie diversos povos europeus e em outras regiões, inclusive em nossas terras onde se praticava o canibalismo. Porém, durante vários séculos na Europa ocidental, o Cristianismo foi imposto à força por guerras longas e sangrentas, contra os denominados povos bárbaros e também contra os próprios cristãos reformistas e outros grupos cristãos que discordavam da doutrina romana. Robert H. Nichols, em seu livro “História da Igreja Cristã”, relata que “o poder papal exercia uma autoridade muito além da de qualquer autoridade civil (…). Em todas as modalidades da vida humana mantinha ela (a Igreja) seu poder indiscutível, sua mão dominadora. Nada podiam os homens fazer que ela não soubesse. Nenhuma organização na história da humanidade jamais exerceu um domínio, uma escravidão tão completa, sobre as coisas e sobre os homens e as suas consciências”. A crença medieval de que era justo o uso da força contra a heresia perdurou por muito tempo. Nem mesmo os primeiros reformadores se opuseram a isso. Calvino foi um dos julgadores que condenou o médico Serveto à morte, por negar a doutrina da Trindade. A liberdade de consciência foi resultado do espírito do movimento reformador e também do pensamento empirista e utilitarista, num longo processo de consolidação que terminou no século XIX, caracterizando-se mais por ser um produto do pensamento político dos países de língua inglesa do que da Europa continental.
A paz kantiana resultou na fundação da Liga das Nações, em 1920, logo após o fim da Primeira Guerra Mundial. Entretanto, esta iniciativa não foi capaz de evitar a Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939 e que terminaria de forma tenebrosa em 1945. Duas bombas atômicas jogadas sobre o Japão enfraquecido e já prestes a se render aceleraram sua rendição incondicional. A ideia de rendição incondicional, que tinha como pressuposto empreender uma reforma do mundo e abolição da guerra, é uma criação americana, estranha ao pensamento europeu. Curiosamente, a geração japonesa que sobreviveu ao ataque nuclear reconheceu que o Japão e os japoneses eram os agressores daquela guerra, que havia se iniciado em 1931, contra a China, a chamada Guerra dos Quinze anos (1931 – 1945), e que isso resultou nos bombardeios sobre Hiroshima e Nagasaki. Um belo exemplo de humildade dos japoneses para o mundo Ocidental, certamente inspirado em suas tradições culturais e religiosas onde a ideia da responsabilidade pelas consequências dos atos praticados tem um papel central. Foi este sentimento que evitou que nacionalistas radicais movidos pelo vitimismo retirassem da Constituição japonesa de 1946 o dispositivo segundo o qual o povo japonês renunciava à guerra como um direito soberano da nação.
Com o fim da Guerra Fria, o Ocidente teve enfim a oportunidade de colocar em prática o alento kantiano. De fato, o continente europeu experimentou um período de paz desde então. Entretanto, logo após a queda do Muro de Berlim e da fragmentação da URSS, a ONU aprovou uma intervenção militar no Iraque que, apesar de legal, pode-se questionar sua necessidade e seus resultados práticos. Em 1990, a ação aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU e efetivada pela OTAN na Iugoslávia (Guerra do Kosovo) desrespeitou o Direito Internacional vigente, derretendo o projeto kantiano de paz. Mesmo com a dissolução do Pacto de Varsóvia, a OTAN continuou aumentando seu campo de atuação, seja por meio de avanço territorial em direção ao leste europeu, seja pela incorporação de novos critérios de segurança, tais como, a “defesa da democracia”, “os direitos humanos” e o “império da lei”. Ora, ora! Não obstante, em 1994, Bill Clinton, Miterrand, ONU e OTAN não moveram uma palha para evitar o genocídio em Ruanda que ceifou a vida 800 mil pessoas. Depois de outras peripécias fracassadas no Oriente Médio chegamos à situação atual na Ucrânia, um desastre anunciado que é consequência do objetivo geopolítico do Ocidente de aumentar sua área de influência, em troca da inclusão no bloco europeu de um país dominado pela corrupção, pelo nacionalismo radical e nazifascista, com um presidente que controla a imprensa, que bane da vida política os partidos de oposição e que quer convencer o Ocidente a se afundar numa areia movediça.
Não há nada na herança cultural do chamado eurasianismo que represente uma ameaça ao Ocidente. Rússia, China, Japão e países islâmicos possuem suas próprias culturas, muito distintas entre si. Supor que um filósofo russo consiga juntar tradições culturais tão distintas e extrair daí uma ideologia que ameace o Ocidente é uma ideia mirabolante. A Rússia é o país mais próximo do Ocidente, tanto geograficamente como culturalmente, e não há sinais de que sua Igreja Ortodoxa tenha a pretensão de destronar o Papa em Roma e tornar-se a única igreja cristã, com sede em Moscou ou São Petersburgo. Achar que o Japão poderia integrar um bloco hostil ao Ocidente beira o ridículo. Quanto aos países islâmicos, a ameaça mais séria é a bomba populacional, cuja estratégia só pode ser bem-sucedida devido à fraqueza dos países europeus. A China sim poderia e de fato é uma ameaça, mas não por causa da sua herança cultural e sim pelo comunismo, que é um produto genuinamente ocidental. A milenar cultura chinesa desenvolveu filosofias que apesar de parecerem estranhas ao Ocidente, em nada são incompatíveis com os valores ocidentais, dentre elas o Confucionismo e o Budismo. A China diz tolerar a liberdade de culto, mas persegue tanto os cristãos quanto os budistas e minorias éticas muçulmanas, exercendo um controle severo sobre templos e escrituras sagradas dessas religiões que sejam incompatíveis com as diretrizes do PCCh. Isso não é muito diferente do controle absoluto que a ICAR exerceu sobre qualquer forma de pensamento que contrariasse a doutrina escolástica. O teólogo alemão Meister Eckhart, o fervoroso monge dominicano que desenvolveu uma doutrina baseada no neoplatonismo, foi julgado herege pelo Papa João XXII (filho de uma rica família de banqueiros), mas morreu antes da execução da pena.
Para a grande maioria dos ocidentais o Budismo é algo esotérico, misterioso, uma filosofia niilista que prega o relativismo moral, o que demonstra um desconhecimento básico do assunto. O Budismo foi o primeiro empreendimento humanista que se conhece assentado em bases racionais, que fornece uma disciplina capaz de conduzir o praticante a um elevado senso de dever moral e de empatia humana. O Budismo é um refinado produto do pensamento filosófico indiano, tendo migrado depois para a China, Japão e sudeste asiático, assimilando elementos das culturas locais, como o taoísmo. Ao se debruçar sobre a condição humana em busca da causa do sofrimento, Buda adquiriu um profundo conhecimento da natureza humana. A “filosofia” de Buda toma como ponto de partida a existência humana e sua condição de sofrimento. Buda era avesso às especulações inúteis sobre a origem do universo, o que é o ser humano ou para onde iremos após a morte. Quando questionado que suas respostas eram pouco claras para questões consideradas importantes, ele respondia dizendo que para uma pessoa ferida por uma flecha envenenada era irrelevante saber qual o material da flecha, de onde partiu o disparo ou qual o tipo de veneno. Em outras palavras, o que importa não é a busca de uma verdade absoluta, mas sim o que é importante para o indivíduo que sofre, sua verdade pessoal. Aqui está a razão por que Budismo e liberdade individual não são contraditórios. Em diversos países asiáticos, monges budistas têm defendido a democracia contra as ditaduras de viés comunista, o que não impede que alguns grupos (escolas) possam ser cooptados por regimes autoritários, já que o Budismo não tem uma organização centralizada.
O sanguinário Pol Pot, à frente do Kmer Vermelho e com a ajuda de Mao, eliminou de 1,5 milhão de pessoas no Camboja, entre intelectuais, budistas, cristãos, muçulmanos e inúmeros sobreviventes foram torturados, presos e mandados a campos de trabalho forçado. Pol Pot estudou em escolas de elite no Camboja, inclusive num monastério budista, antes de ir a Paris onde tornou-se um marxista. Não se pode dizer que ele instituiu uma religião de estado, pois o Budismo já era a religião oficial antes que ele tomasse o poder. De fato, ele se aproveitou da divergência de doutrinas dos vários grupos existentes cooptando alguns deles, promoveu uma secularização que resultou no envio de monges para as plantações de arroz e baniu o Budismo Theravada, a escola mais tradicional, considerada reacionária pelo regime. De qualquer modo, Buda e sua doutrina não têm nada a ver com o genocídio promovido pelo Kmer Vermelho.
O Confucionismo é mais uma filosofia do que uma expressão religiosa. Sua base é a busca do Tao, conceito herdado de pensadores anteriores, que significa a fonte de toda a vida, a harmonia do mundo. Para o Confucionismo, a felicidade humana tem por base a família e uma sociedade harmônica, que devem ser regidas pelo mesmos princípios, quais sejam: os governantes precisam ter amor e autoridade como os pais; os súditos devem conservar a reverência, a humildade e a obediência dos filhos. O Confucionismo foi banalizado por Mao e foi recentemente reabilitado e alçado ao status de filosofia oficial e propaganda diplomática para dar ares de civilidade a um regime brutal. Embora não exista nos textos clássicos do Confucionismo algo comparável ao humanismo renascentista, por outro lado, não há nada neles que ameace os valores ocidentais. O Moísmo (de Mo Tsé) é uma doutrina crítica que considerava o Confucionismo vago e elitista, que pressupõe a existência de Deus e dos espíritos para assegurar a ordem do mundo. A crítica mais contundente do Moísmo é contra a ética confucionista, considerada parcial porque restringe a compaixão e outros sentimentos morais somente a algumas pessoas, tais como os familiares, e não a outras, propondo em seu lugar um “amor universal”. O Moísmo pode ser considerado como um longínquo precursor do complicado “consenso liberal”, uma combinação de igualitarismo, utilitarismo, respeito por toda a humanidade e progresso material.
Por fim, o Islamismo é a herança cultural do chamado eurasianismo com maior potencial de atrito com os valores ocidentais, por causa da tendência perniciosa de misturar Estado e religião. Porém, numerosas comunidades muçulmanas têm se integrado a sociedades ocidentais sem maiores problemas. À semelhança das demais religiões, o Islã não é uma doutrina única, possui variações que vão desde movimentos radicais, num extremo, até o misticismo Sufi, no outro extremo. Confundir Islamismo com radicalismo, além de injusto, demonstra desconhecimento. A Europa, mesmo sob o domínio muçulmano no passado, experimentou um período de convivência pacífica e de tolerância entre cristãos e muçulmanos. Tanto cristãos quanto muçulmanos foram vítimas da intolerância do fanatismo religioso, mas isso não pode servir de pretexto para a exploração de ressentimentos históricos e, ademais, são tradições que têm uma origem comum nos profetas do Velho Testamento.
Olavo de Carvalho adorava uma polêmica. Em uma ocasião, afirmou não haver contradição entre socialismo e Budismo pelo fato de o atual Dalai Lama ter-se declarado marxista em termos políticos e sociais. O Dalai Lama anterior, do qual supõe-se que o atual seja a sua “reencarnação” (na verdade, os budistas falam em renascimento), era um ferrenho crítico do comunismo. É preciso saber o contexto dessa fala, talvez o Dalai Lama atual tenha feito esta declaração para agradar a Pequim numa tentativa de amenizar o sofrimento do povo tibetano. Aplicando-se o mesmo argumento à Teologia da Libertação, seríamos forçados a concluir que não há contradição entre Cristianismo e marxismo, o que é um absurdo. O argumento não se sustenta. É uma pena que sua mente brilhante não tenha dado a devida atenção ao rico e diversificado pensamento oriental.
Na verdade, o correto seria dizer “herança cultural dos países que compõem o chamado eurasianismo na concepção de Dugin”, em vez de “herança cultural do eurasianismo”.
Parabéns pela exposição.
Parabéns pelo texto explicativo,Ana Paula. É doloroso ver o Brasil sendo mastigado as vezes de forma sutil,pela dominação das crianças e jovens de maneira geral, esinado-as não a verdade,mas as mentiras com roupas da verdade. Usam a sexualidade deles,que vai se aflorando pela idade,como arma contra uma sociedade,pacífica,cristã,e trabalhadora.e ainda moralmente sustentável. É uma luta difícil,diante da hipocrisia ( que eles não assume) E o pior disso tudo,é que, diante do ativismo jurídico, o proletariado,esta desinformado,e já estão sendo usado pelos poderosos. QUE BRASIL DEIXAREMOS PARA ESTA NOVA GERAÇÃO?
Putin e a Russia, não tem ferramentas para levar a cabo o projeto citado pelo Professor. Trata-se de um país mediano sem recursos de ponta, que conta apenas com um arsenal nuclear capaz de explodir o mundo, inclusive seu próprio suposto projeto de domínio mundial. E a China o que ganharia numa luta armada ao lado da Rússia? Ela tem meios de ganhar qualquer guerra, via comércio. Talvez, quem sabe … Putin, ameaçado, cercado, esteja atacando apenas para se defender …. e só. Creio que o Prof. passou longe do que assistiremos nas próximas semanas/meses.
Onde está escrito no texto do Olavo que irão conseguir? Ele apenas “traduziu” a ideia, expôs o desejo…
Corretíssimo Olímpio! Boa. Putin não é eurasiano nem quer esta dor de cabeça. A invasão à Ucrânia é a apenas uma reação ao avanço da NATO em suas fronteiras e não um expansionismo. A Culpa é dos EUA e UE por instigar na última década o país invadido. Deixo aqui a pergunta: Qual seria a reação dos EUA se Canadá e México permitissem bases militares chinesas próximas às fronteiras do país de Biden?
O que me preocupa apenas , e’ o volume de anti-cristos hoje sobre a terra e a perspectiva de equilibrio desse cenario . Precisamos de mais Bolsonaros .
O Anti Cristo já está entre nós, acompanhado de anjos caídos como: Cuba, China, Koreia do Norte e, espero, que não entremos nessa balela em Outubro/2022. Mas acredito que o bem sempre vence. Parabéns Ana por nos presentear com mais uma pérola do Mestre Olavo.
Parabéns Ana e obrigado por levar luz … obrigado.MM.
Parabéns Ana.
Obrigado Ana, pelo resgate desse artigo do OC, tão bem contextualizado por você. É mais uma prova da simplicidade e objetividade da pessoa que ousou tirar a filosofia dos enxertos rocambolescos acadêmicos e traze-la para o nosso dia a dia.
Os valores ocidentais como liberdade (no sentido amplo), religiosidade, família e etc, vem decaindo há muito tempo e a passos lentos. Hoje, é praticamente proibido defender esses valores que foram fundamentais ao progresso das Nações democráticas. Os lacradores de plantão certamente gritarão: Facista, Homofóbico, Misógino e etc! Não percebem que os conservadores do passado lutaram por liberdade contra regimes autoritário: Facismo, Nazismo e Comunismo. Este último regime, contudo, malgrado a tirania de seus líderes, encontra defensores no Brasil. Que esse texto do pensador Olavo de Carvalho e as ponderações cirúrgicas da Ana Paula alertem os brasileiros para importância de se votar com decência nas eleições deste ano.
Maravilhosa matéria, O Professor Olavo de Carvalho e sua mente privilegiada!!!
Realmente, o fio da história é um pêndulo.
Ana Paula, obrigado por “pescar” esta preciosidade do professor Olavo.
Cabe aqui colocar algo que nesta coluna e nos comentários não foi ventilado: A China dorme como um gato, com os dois olhos bem abertos.
A famosa paciência deles, continua milenarmente a se preservar.
Falta muito pouco para que, definitivamente, as cartas geopolíticas sejam ditadas por eles. A Rússia, sairá enfraquecida (mas ainda muito poderosa), sendo, secundariamente, a maior parceira da China
Sensacional, Ana Paula #5! Cravaste as características da ideologia que move Putin da mesma maneira que enterrara a bola na quadra das cubanas nos Grand Prix 94, 96 e 98, dando ao Brasil, como hoje, um prêmio de valor multimilionário em dólares americanos.
Não dá pra acreditar que o véio morreu ainda. Logo agora? Tinha que ter vivido pelo menos mais uns 20 anos.
Olavo, eterno.
Parabens Ana Paula Henkel. Excelente artigo que nos ajuda a enxergar claramente que ideologia não passa de um “vestido de ideias”, como diz o Professor Olavo. Tudo serve apenas para encobrir um projeto de poder. São grupos se escondendo atras de uma cortina e lutando pelo que lhes interessa e não um projeto de Nação. Nossos politicos que o digam. Não tem nada de ideologico, não passa de um balaio de gatos.
Simplesmente Olavo. Absurdamente claro.
Ana, parabéns por mais esse brilhante artigo. O Prof. Olavo foi um visionário. Assim como o foi Enéas Carneiro.
Preocupante
Excelente artigo. Parabéns Ana Paula Henkel por trazer os escritos do Prof. Olavo de Carvalho.
Infelizmente o Professor Olavo de Carvalho poderia permanecer aqui no Brasil, ser preso por suas opiniões a mando de Alexandre de Moraes, Fachin ou Barroso e morrer sozinho em uma cadeia. Lutou pela sua liberdade ou ficou com medo? Olavo de Carvalho perdeu a oportunidade de ser realmente um mito corajoso. Talvez sirva de lição para o Bob Jef. Faça o que falo, mas não faça o que faço. Os esquerdistas de 64 sempre tiveram muito mais coragem que os conservadores.
Uau!! Na mosca!
Essa Ana Paula acaba com pião leigo analfabeto político
Como bem lembrou o OLDEMIRO HARDOIM JUNIOR, se pode haver um resultado positivo desse movimento, aparentemente precipitado, do Putim, é o despertar do Ocidente, no sentido das pessoas conscientes de suas liberdades (ideia primária de “Ocidente” atualmente), para a falácia do “globalismo”, pacifismo, desarmamento e paz! “Si vis pacem, parabellum” já dizia o ditado histórico! Ou as pessoas que amam a liberdade, a paz e os valores ocidentais (que a Esquerda desde a década de 1950 tenta acabar) – família, cristianismo, história – esse é o momento de entender que ecologismo exacerbado, aceitação da “bagunça” sexual e escolha de governantes mais preocupados com a “lactação” do que com atitudes honestas para o benefício de suas próprias populações, está nos destruindo! Ou se dá um basta nisso, ou o Putim e o Dugin darão!
Não vou repetir aqui o comentário que fiz ao artigo do Consta. Acrescento apenas que a visão do prof Olavo é deveras estimulante. Vou ler o livro! Obrigado Ana!
O mestre Olavo de Carvalho, que sempre esteve de atalaia com as coisas desse mundo, brinda-nos com mais uma de suas profecias, ja acontecendo na realidade.
Olavo mais uma vez tem razão.
Olavo sempre tem razão.
Artigo “revelador”!
Não consegui evitar um arrepio passar pela espinha ao ler a última frase. Só a Ana Paula Henkel tem coragem de nos trazer este alerta.
Muito bom
No tabuleiro do xadrez russo Putin aproveitou a oportunidade da tibieza dos neolíderes mundiais, calçados no progressismo, para avançar suas peças.
Talvez a população acorde e procure melhor seus representantes entre os conservadores. Só assim para fazer frente ao projeto da grande mãe eurasiana!
O tempo sempre nos dirá: OLAVO TEM RAZÃO…
nada substitui a inteligência.
O Professor Olavo de Carvalho tinha mesmo uma visão além do tempo dele. Acredito que outros intelectuais que enxergam movimentações, intenções, dentro de discursos e publicações, também entendem quais objetivos são buscados para um poder maior, dominação total.
Os que não veem dessa forma, atribuem aos que veem a alcunha de conspiracionistas, negacionistas ou, simplesmente, ignorantes, pessoas que não mecerem ser ouvidas, lidas ou que não podem debater.
Talvez as experimentações que que o professor Olavo de Carvalho, ao meu ver, é o que acontece no mundo atualmente como movimentos do Black Lives Matter, contra homofobia, feminismo, liberação de drogas, esquerda e direita, e outros dos quais não me recordo no momento. Estes movimentos são observados atenta e profundamente, pois os passos não cuidadosamente calculados para que se haja um resultado, como por exemplo os movimentos e declarações de autoridades americanas, europeias para o resultado da invasão a Ucrânia pela Rússia…
Posso estar divagando ou possivelmente claudicando sobre o assunto, mas certas atitudes revistas fazem sentido e tem ligações com resultados de hoje, é a colheita do que foi plantado.
Se o ocidente não estrangular a economia russa a tempo, de modo a paralisar a máquina de guerra russa, poderemos ter uma guerra de dimensão e consequências imprevisíveis e devastadoras.