A Cinemateca Brasileira anunciou que vai reabrir sua sede a partir desta sexta-feira, 13, com uma mostra de filmes de José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Também está programado um média-metragem inédito do diretor chamado A Praga. É um bom título para simbolizar a história recente da instituição.
Em 29 de julho do ano passado, um incêndio atingiu um galpão da Cinemateca Brasileira na zona Oeste de São Paulo. Segundo o site G1, no galpão estava guardado 1 milhão de documentos da antiga Embrafilme, como roteiros, arquivos em papel e equipamentos antigos. Esse material seria usado na “montagem de um museu, para contar a história do cinema brasileiro”.
Nossas elites intelectuais e acadêmicas ainda pensam analogicamente
Segundo a “imparcial” Agência Senado, o culpado pelo incêndio foi… o presidente Jair Bolsonaro. Para chegar a essa brilhante conclusão, a agência entrevistou meia dúzia de parlamentares petistas. O senador Humberto Costa disse que a destruição não era um acidente, mas “uma política de governo”. Ninguém citou que outro incêndio havia atingido a mesma instalação da cinemateca em fevereiro de 2016, quando a presidente da República era a petista Dilma Rousseff.
O caso da Cinemateca mostra uma limitação de boa parte de nossas elites intelectuais e acadêmicas que ainda pensam analogicamente. Cultuam livros de papel, discos de vinil, museus presenciais e cineclubes. O ex-secretário da Cultura de Bolsonaro, Mário Frias, colocava como prioridade da instituição atrair pessoas para uma “visitação”. Com o incêndio, a instituição ficou parada por inacreditáveis 16 meses. É o espírito do funcionalismo público sempre pairando sobre nós.
Como evitar incêndios?
A Cinemateca Brasileira é obviamente uma instituição importante para nossa cultura. Por isso mesmo, deveria ter outra prioridade que não fosse apenas a “visitação”. Teria de aproveitar todos seus recursos disponíveis para digitalizar com urgência todo seu acervo, o mais rapidamente possível. E esse material digitalizado deveria ser imediatamente colocado em nuvens da internet, onde nenhum novo incêndio pudesse ameaçar um único fotograma de filme ou uma única página de roteiro. E não precisaríamos ir até esse acervo para visitá-lo. Ele chegaria até nós.
Já existe um site da Cinemateca. De tão ruim, é quase um desrespeito ao usuário. Os habitantes do Acre, da Bahia, de Santa Catarina ou do restante do mundo que poderiam ter acesso a um acervo decente são tratados como cidadãos de segunda classe. A prioridade é para os habitantes de São Paulo frequentarem as sessões presenciais, em horas marcadas. Como se vivêssemos em 1970.
Chave para o conhecimento
A soma de quase tudo o que foi preservado em milênios de história humana está ao alcance de qualquer ser humano com um computador ou celular conectados à internet. O Louvre está lá, à disposição, para quem está em Paris. Mas aqui estamos eu e você dentro, metaforicamente dentro da pirâmide de vidro, na intimidade de um dos acervos mais fantásticos do mundo. Um livro de mil anos trancado num armário da Biblioteca do Vaticano continua não valendo muita coisa para gente como nós. Digitalizado, ele se liberta e passa a ser de todos.
Aqui vai um pequeno guia de acervos digitais do Brasil e do mundo. O menu é variado e representa apenas uma fração do que está disponível para quem quer se aprofundar em qualquer assunto.
Brasil
Biblioteca Nacional Digital do Brasil
Versão digital da Biblioteca Nacional. A apresentação não é muito amigável com o usuário, mas funciona como um grande catálogo de peças, como cartas e manuscritos de figuras históricas. Um dos pontos fortes da BNDB é a Hemeroteca, que significa coleção de jornais e revistas.
Acervo especializado em fotografias brasileiras da Biblioteca Nacional, com apoio de diversos parceiros. Um baú virtual de imagens históricas que felizmente foram salvas.
Acervo do Real Gabinete Português de Leitura, uma instituição com sede no centro do Rio de Janeiro. Sua coleção mostra a intensa integração entre a cultura brasileira e a lusitana durante o século 19, com publicações como a revista humorística Vespa e o Jornal das Bellas Artes.
O site poderia ser muito mais rico, muito mais organizado. Coleções de cartazes de filmes brasileiros, fotos de artistas do passado, clipes de programas da extinta TV Tupi, reportagens de cinema e até filmes completos, como Florada da Serra, de 1954. A Cinemateca coloca em tudo sua marca-d’água, exageradamente grande. Mas é o que temos.
Parte da história do transporte coletivo da cidade de São Paulo está neste acervo. São centenas de imagens — nem todas com legenda ou identificação. Mesmo assim, é uma grande fonte para saudosistas e pesquisadores.
Um site bem tradicional e valioso para a cultura pop brasileira. São quase 4 mil peças publicitárias, todas acompanhadas de informações, comentários e datas de publicação. Como todo acervo deveria ser.
Uma coisa é você consultar um livro com a visão subjetiva de um autor sobre a situação da economia brasileira depois da Segunda Guerra Mundial. A outra é observar num microscópio as minúcias de cada mês em relatórios da Fundação Getulio Vargas desde 1947.
A biblioteca-símbolo de São Paulo digitalizou parte do seu acervo. Tornou possível pesquisar 118 publicações desde o século 16, além de mapas, ilustrações e documentos.
Biblioteca Digital de Obras Raras
Amplo arquivo científico da Universidade de São Paulo sobre matérias como medicina, agricultura, zoologia, biologia, arquitetura, história, geografia…
A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo criou esta coleção dedicada ao cinema, à televisão e ao teatro do Brasil. São mais de 260 edições contando a vida de atores, atrizes, escritores e diretores, muitos já completamente esquecidos. Todos os livros podem ser baixados gratuitamente em formato PDF.
Mundo
A mãe de todos os acervos de arte. São dezenas de instituições, das mais famosas às mais bizarras, como museus de mágica, numismática, beisebol etc. Em muitos desses museus, o Google providenciou reproduções em altíssima definição das obras, o que permite que o usuário descubra detalhes nas obras que pareciam escondidos. Você pode também “visitar” virtualmente seus salões, observando quadros e esculturas como se estivesse lá.
Está difícil aquela viagem a Paris? Este site oferece mais de 480 mil obras reunidas no Museu do Louvre e no Museu Nacional Eugène-Delacroix. E mais: você pode dar download no que quiser, criando seu Louvre particular.
Mais um acervo para dar inveja aos brasileiros. Programas da fase de ouro do radioteatro nos EUA, com séries clássicas, como Sam Spade, Lone Ranger, The Shadow, Father Knows Best etc
Mais de 115 mil mapas de todos os tipos, formatos e lugares. Atlas completos, guias rodoviários, mapas de companhias aéreas, vale tudo. O site ainda produz globos virtuais a partir de mapas históricos.
Outra visita obrigatória ao vasto acervo de uma das mais importantes bibliotecas do mundo. Manuscritos digitalizados (como os de Leonardo da Vinci), 95 mil arquivos de som, 160 mil teses universitárias e 52 milhões de páginas da imprensa britânica desde os anos 1700.
Desde que nasceu, em 1883, a Life foi um modelo de revista ilustrada. Sempre contou com a colaboração de alguns dos melhores fotógrafos do mercado. As imagens eram a atração da revista, deixando o texto como coadjuvante. Com o fim da publicação da revista, em 2000, a Life se tornou um site de suas inconfundíveis imagens em preto e branco.
Leia também “Combatendo o crime com Vivaldi”
Parabéns para toda a equipe da Revista Oeste
Eu conheci este projeto faz uns 3 meses. Uma prova de dinheiro público bem gasto.
Show. Parabéns. Com certeza visitarei alguns desses sites.
Esta matéria deveria ser entregue em cada escola deste país!
Trata-se de um serviço à cultura.
Parabéns², Dagomir!
Aqui ficou só o museu da mente
Sensacional. Obrigado por reunir todas as informações sobre os acervos e por compartilhar conosco, assinantes da Oeste.
Eu que agradeço seu elogio, Carlos!