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Edição 115

A solução para a queda da inflação

Mais importante que a redução do ICMS para 17% é a aprovação de uma reforma administrativa capaz de reduzir as despesas públicas

Alan Ghani
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O mundo vive uma onda inflacionária. Os EUA estão com uma inflação acumulada em 12 meses de 8,5%; a Europa, 7,5%; e o Brasil, 12%. As causas da inflação mundial são conhecidas. Com o lockdown, houve restrição da produção (da oferta) e a demanda (consumo das famílias e investimentos) ficou reprimida. Além disso, durante a pandemia, houve uma forte expansão monetária, caracterizada por aumento de linhas de crédito, taxas de juros baixas e auxílios emergenciais para a população.

A impressão de dinheiro acima do que a economia conseguia absorver teve efeitos durante o processo de reabertura econômica iniciado em 2021. De um lado, houve aumento de demanda, que estava reprimida e turbinada pelo crédito fácil e auxílios emergenciais. Do outro, a produção estava restrita (gargalos na cadeia produtiva, falta de peças, atrasos de encomendas). Pelas leis econômicas, quando a demanda fica acima da oferta, o preço sobe.

Para piorar, quando começamos a lidar com as consequências econômicas dos lockdowns, veio a guerra entre Rússia e Ucrânia, penalizando ainda mais a produção. Os embargos colocados pelo Ocidente contra a Rússia, grande produtora de petróleo, gás natural, minerais etc., levaram a uma menor oferta de commodities no mercado internacional, contribuindo para a escalada inflacionária. Agravando esse quadro, temos os recentes lockdowns severos na China, em função da pandemia.

Em suma, lockdowns, auxílios emergenciais, expansão monetária, taxas de juros extremamente baixas (às vezes zeradas e até negativas) realizadas pelos bancos centrais mundo afora, somados aos embargos relacionados à guerra entre Rússia e Ucrânia, trouxeram um desequilíbrio entre oferta e demanda. Isso gerou um aumento generalizado e persistente dos preços, o que caracteriza a inflação.

Os combustíveis

Entre esses aumentos, chama a atenção a elevação do preço dos combustíveis. Como é um bem essencial e de alto consumo, acaba pesando bastante no orçamento das famílias. Quando a gasolina sobe, percebemos que o poder de compra do dinheiro diminui, e nos tornamos mais pobres.

A redução tributária poderá trazer um efeito de até 1,5 ponto porcentual na inflação

No entanto, o combustível está mais caro no mundo não por uma decisão administrativa na qual os produtores são tomados exclusivamente pela ganância, mas pelo fato de o produto estar mais escasso. Como dizia o célebre economista Ludwig von Mises: “O preço sinaliza a escassez”.

Como não é possível aumentar a produção de combustíveis da noite para o dia, os governantes procuram atenuar a elevação desses itens com medidas que tenham efeito sobre o preço final da gasolina.

Conforme a ilustração abaixo, os impostos representam, na média, 34% do preço da gasolina, sendo o ICMS responsável por 24%.

Dessa forma, o governo federal enxergou uma possibilidade de diminuição do preço dos combustíveis pela dispensa de tributos federais (PIS/Cofins) até o fim de 2022 e pela redução do tributo estadual ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). No caso do PIS/Cofins, a dispensa dos tributos já está valendo. No caso do ICMS, a redução está em andamento em duas frentes: fixação do valor do ICMS em reais por litro, e não mais em porcentuais sobre o preço de venda dos combustíveis, para neutralizar os efeitos da oscilação do dólar sobre os combustíveis — o que agora apenas depende da decisão dos secretários de Fazenda dos Estados; e a unificação da alíquota do ICMS para a gasolina em todos os Estados em 17% — o que depende de projeto de lei que está em andamento na Câmara dos Deputados.

A priori, a alíquota de ICMS é definida pelos Estados. No entanto, houve um entendimento recente do STF de que, quando se trata de um bem essencial, a alíquota do ICMS não pode ser maior do que a dos demais bens da economia. Nesse caso, o governo federal entendeu que a gasolina é um bem essencial, propondo a redução do ICMS para 17%.

A redução tributária poderá trazer um efeito de até 1,5 ponto porcentual na inflação (considerando o efeito também na energia elétrica, além dos combustíveis). A queda poderia ser ainda maior, mas assume-se que uma parte da redução tributária não será repassada integralmente para o consumidor, tornando-se margem para os donos dos postos. Com o passar do tempo, esse efeito tende a diminuir, pelas leis de mercado, ou seja, pela concorrência entre os postos de gasolina.

Superávit primário

Uma redução tributária é sempre bem-vinda, pois, com a diminuição nos preços, sobram mais recursos para as pessoas gastarem e incentiva-se a produção. Porém, ela deve ser factível e viável.

Os impostos são necessários para financiar o gasto público. Dessa forma, a redução tributária só é possível quando o governo consegue continuar se financiando. É por isso que geralmente a redução tributária é acompanhada de uma melhora nas contas públicas, seja pela maior arrecadação gerada por maior crescimento econômico, seja pela redução do gasto governamental.

Na atual circunstância, isso é possível, uma vez que os Estados têm apresentado superávit primário das contas públicas. O processo de retomada da economia e a própria inflação, que ajuda na arrecadação, são responsáveis pela melhora das contas públicas estaduais.

Assim, a curto prazo, a redução de ICMS é factível. Porém, para a redução se tornar sustentável a médio e longo prazo, é necessário que haja crescimento econômico, para manter a arrecadação, ou que haja redução de gastos públicos. Caso contrário, a conta recairá sobre o governo federal, como já ocorreu inúmeras vezes na história econômica brasileira. Nessas ocasiões, os Estados ficavam sem dinheiro e recorriam ao governo federal para conseguir fechar as suas contas (despesas com saúde, salário do servidor etc.)

Nesse sentido, mais importante que a redução do ICMS para 17% é a aprovação de uma reforma administrativa capaz de reduzir as despesas públicas para todos os entes da federação (União, Estados e municípios). Só assim será possível tornar a economia brasileira mais produtiva e mais resistente a choques inflacionários. Só falta agora convencer o Congresso Nacional.


Alan Ghani é ph.D. em finanças, economista-chefe da SaraInvest e professor do Insper

Leia também "O 'petrovespeiro'" 

13 comentários
  1. Rodrigo Andrade
    Rodrigo Andrade

    Todos os problemas como da cadeia de suprimentos, por exemplo, decorrem do excesso de liquidez via Bancos Centrais. Vejam indicador M1 (base monetária) dos países. Simples.

  2. Ricardo Schmidt Rehder
    Ricardo Schmidt Rehder

    Trata-se mais de uma questão política do que econômica, estamos saindo de desequilíbrios econômicos de uma pandemia que consumiu bilhões, soma-se a isso a guerra Ucrânia e Rússia que inflacionou e desequilibrou o preço do petróleo e dos combustíveis e temos ainda a crise hídrica com seus efeitos nos preços da energia elétrica, compreendo que o ministro Guedes é um grande economista que quer preservar a economia liberal, mas isso nesse momento eleitoral não é possível, pois a maioria da população está duramente castigada pela inflação, que tem como origem principal o aumento dos combustíveis. Essa é a única e poderosa arma que Lula usa contra o presidente Bolsonaro. Lula se nega a aparecer ou particular de eventos em ambientes abertos, públicos porque certamente sofrerá o repúdio da população. Guedes conhece de economia mas os políticos conhecem de política para sobreviverem eleitoralmente, Bolsonaro foi alertado corretamente principalmente por Lira e Ciro Nogueira, de que o preço dos combustíveis tem que ser imediatamente reduzido e freado, seja com a isenção do ICMS dos estados ou com subsídios oriundos dos lucros que a Petrobras repassa a União que é uma grande acionista, para ter um período até esses desequilíbrios serem
    aparadores, foi correto o presidente Bolsonaro tomar as decisões dias atrás com esses objetivos. Pois à população brasileira principalmente os menos favorecidos seriam os grandes beneficiados pela contenção da inflação e Lula perderia o principal argumento de sua campanha eleitoral desonesta que visa somente enganar o eleitor menos esclarecido por isso ele sabe fazer bem.

  3. Ricardo Schmidt Rehder
    Ricardo Schmidt Rehder

    Trata-se mais de uma questão política do que econômica, estamos saindo de desequilíbrios econômicos de uma pandemia que consumiu bilhões, soma-se a isso a guerra Ucrânia e Rússia que inflacionou e desequilibrou o preço do petróleo e dos combustíveis e temos ainda a crise hídrica com seus efeitos nos preços da energia elétrica, compreendo que o ministro Guedes é um grande economista que quer preservar a economia liberal, mas isso nesse momento eleitoral não é possível, pois a maioria da população está duramente castigada pela inflação, que tem como origem principal o aumento dos combustíveis. Essa é a única e poderosa arma que Lula usa contra o presidente Bolsonaro, uma vez que nem em ambientes abertos, públicos ele se nega a aparecer, porque certamente sofrerá o repúdio da população. Guedes conhece de economia mas os políticos conhecem de política para sobreviverem eleitoralmente, Bolsonaro foi alertado corretamente principalmente por Lira e Ciro Nogueira, de que o preço dos combustíveis tem que ser imediatamente reduzido e freado, seja com a isenção do ICMS dos estados ou com subsídios oriundos dos lucros que a Petrobras repassa a União que é uma grande acionista, para ter um período até esses desequilíbrios serem
    aparadores, foi correto o presidente Bolsonaro tomar as decisões dias atrás com esses objetivos. Pois à população brasileira principalmente os menos favorecidos seriam os grandes beneficiados pela contenção da inflação e Lula perderia o principal argumento de sua campanha eleitoral desonesta que visa somente enganar o eleitor menos esclarecido por isso ele sabe fazer bem.

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente texto. Agora como bem frisado no fim do artigo, o Congresso Nacional tem que fazer a sua parte e aí mora o problema.

  5. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Convencer o Congresso é impossível.

  6. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Mas quem decide é o congresso ou o STF ?

  7. Iury de Salvador e Lima
    Iury de Salvador e Lima

    O que vem primeiro, redução de impostos ou redução da máquina pública? Trump meteu a tesoura, aumentando o déficit público, o que força a adequação da máquina ao longo do tempo, pelo insustentável elevação da dívida fiscal.
    Político com recurso sobrando sempre tem a tentação de inventar gasto eleitoreiro.

  8. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Começa a ficar claro quem são os vilões na inflação dos combustíveis, basta ver quanto o ICMS e DIST./REV. que nada produzem representam no preço na bomba. Importante que aqueles que acham que os acionistas da Petrobras são gananciosos, assistam no site da Petrobras.com.br o preço dos combustíveis para ver também que os combustíveis agrícolas desenvolvidos pelos Usineiros custam mais caro por lt. que o combustível da Petrobras. O lt. do diesel nas bombas tem em sua composição 90% de diesel Petrobras que recebe R$4,43 ou 4,43/0,9=R$4,92 por lt. e 10% do biodiesel do Usineiro que recebe por 10% R$0,74 ou 0,74/0,10=R$7,40 p/lt. Recentemente vi um ilustre governador do Mato Grosso questionando que não faltaria diesel se a composição fosse 85% diesel Petrobras e 15% biodiesel do Usineiro. Basta saber fazer contas e verão que o preço do diesel na bomba aumentaria e não por culpa da Petrobras. Quanta gente insana ou com saudades da Petrobras quebrada que não pagava 1 tostão de DIVIDENDOS à UNIÃO(POVO BRASILEIRO). Só em 2021 a UNIÃO recebeu mais de R$30 bi de dividendos e até meados deste ano mais R$17 bi. Com essa grana, que faça a politica social que quiser e pare de encher o saco da Petrobras e seus acionistas.

  9. Fabio
    Fabio

    Parabéns Alan! Conseguiu explicar com simplicidade para que nós, leigos, consigamos entender com facilidade.

  10. Thompson Fernandes Mariz
    Thompson Fernandes Mariz

    O que mais preocupa os servidores federais do executivo é que quase todas as reformas, ou micro-reformas, administrativas até aqui aprovadas, o ônus sempre recai sobre eles, do executivo. Suprimir privilégios dos servidores do legislativo e judiciário é impossível, seja pela representação que essas categorias têm, seja prlo poder que os dirigentes dessas carreiras exercem. Qualquer servidor do judiciário ou do legislativo já começa, em termos salariasis, por onde muitas das categorias do executivo termina.
    Só um exemplo: um professor Titular Doutor nas universidades públicas federais, com 35 anos de docencia, se aposenta com um salário em torno de R$ 24 mil brutos, que é mais ou menos o salário inicial de um Procurador Estadual ou Federal ou de um Consultor Parlamentar. O judiciário e o legislativo, no Brasil, são intocáveis, verdadeiras Castas!

    1. Luis Ricardo Zimermann
      Luis Ricardo Zimermann

      Interessante sua colocação Thompson. Parece que no setor público brasileiro vale a regra: quanto menor a contribuição de um servidor maiores serão seu salário e seus privilégios!

    2. Antonio Carlos Neves
      Antonio Carlos Neves

      Com o avanço da tecnologia digital quadros da Receita Federal, Procuradoria, Magistratura e outros inúteis poderiam ser extintos na vacância. Interessante que essa gente faz até greve para preenchimento das vagas nas carreiras para a alegria dos CURSINHOS preparatórios para CONCURSOS PÚBLICOS. Devido minha avançada idade (76) pude constatar que no passado distante, AUDITOR DA RECEITA FEDERAL ou ESTADUAL fiscalizavam estradas com postos fiscais burocráticos hoje desnecessários. Basta ver a AUTOMATICIDADE do preenchimento de uma declaração do I.RENDA. Reforma administrativa, politica e judiciária, JÁ.

  11. Eduardo Carlos Pereira de Magalhaes
    Eduardo Carlos Pereira de Magalhaes

    Para um Phd em economia, considero o artigo um pouco fraco. Gostaria de um estudo comparando qual era o valor do ICMS em 2019 (devidamente inflacionado) e qual seria a arrecadacão prevista com a aliquota de 17%. Haveria realmente perda de arrecadação?

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