Pular para o conteúdo
publicidade
Silhueta de Nelore. Bovino originário da Índia e raça representando 85% do gado brasileiro para produção de carne | Foto: Shutterstock
Edição 117

Produzir sêmen e embriões, a nova pecuária

A especialização genética brasileira para a zona intertropical garante ganhos em rusticidade, adaptação ao calor, eficiência e qualidade

Evaristo de Miranda
-

O Brasil é um país pecuário e cristão. Além de carne e leite, o sucesso da pecuária tropical brasileira se projeta aos poucos através da genética, da venda de sêmen, óvulos e embriões. Só em 2021 foram comercializados cerca de 29 milhões de doses de sêmen bovino no Brasil. A inseminação artificial tem sido fundamental no melhoramento genético da pecuária.

Pecuária vem da raiz latina pecua (termo coletivo para gado, rebanho), a mesma na origem de pecúlio. Na Roma antiga, o pecúlio era a pequena parte do rebanho deixada em pagamento ao escravo responsável pela sua guarda, por oposição ao peculiar: a parte própria do rebanho do proprietário. Essa palavra evoluiu para o sentido de específico ou próprio. Pecúnia vem da mesma raiz. Na origem, designava riqueza em animais, posteriormente em dinheiro, por extensão, moeda e ainda honorários, primitivamente pagos com animais. Com o tempo, pecuniário, significado latino de rebanho, estendeu-se para dinheiro. Resumo: bovino igual riqueza.

Rebanho de gado nelore | Foto: Shutterstock

O Brasil é cristão, e a Bíblia prefere pecuaristas a agricultores. C´est la vie. Desde os relatos míticos do Gênese, o pecuarista Abel tem os favores divinos em face do agricultor Caim (Gn 4,3). Na vida nômade original dos hebreus, os arquétipos, símbolos e imagens da pecuária predominam sobre os agrícolas.

A palavra pastor aparece cerca de 90 vezes na Bíblia, tanto no sentido próprio como no figurado. Deus é assemelhado a um pastor, como no conhecido Salmo 23. O próprio Jesus se apresentou como bom pastor, abrigo de suas ovelhas (Jo 10). Seu primo João Batista o chamou de Cordeiro de Deus (Jo 1,29). E, ao deixar este mundo, Jesus encarregou a Pedro, por três vezes, de apascentar o seu rebanho e o seu gado (Jo 21).

Em igrejas protestantes e evangélicas, pastor designa o líder da comunidade. Na Igreja Católica, o termo é próprio dos bispos. Eles têm no cajado ou báculo de pastor um dos símbolos episcopais, desde os primórdios do Cristianismo. No século 4, o báculo já era usado por bispos.

Foto: Shutterstock

Cristianismo e pecuária começaram juntos no Brasil. Em 1500, para os descobridores, na Terra de Santa Cruz parecia não haver agricultura nem pecuária. Em sua carta, Pero Vaz de Caminha assinalava: “(os índios) não lavram, nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem nenhum outro animal acostumado a viver com os homens”.

Para atender às necessidades básicas de alimentação, saúde e vestimenta, os portugueses introduziram e aclimataram espécies vegetais e animais. As da pecuária foram todas importadas: galinhas, patos, gansos, abelhas, coelhos, jumentos, burros, búfalos, cavalos, ovinos, caprinos e bovinos. Quanto às necessidades espirituais, a Igreja evangelizou indígenas e povoadores.

Já lá se vão cinco séculos. Nos últimos 30 anos, graças à evolução tecnológica, o rebanho bovino aumentou 13% e a produção de carne 108%! A produtividade avançou 147%. A produção nacional de leite ultrapassa 35 bilhões de litros/ano e coloca o país em terceiro lugar no ranking mundial. E nesse período houve redução na área de pastagens. Todo ano diminui a área das pastagens no Brasil, ao contrário do propalado por alguns.

Foto: Shutterstock

Para a Embrapa, uma das maiores contribuições para revolucionar a pecuária foi a melhoria genética. A introdução e a seleção do zebu da Índia resultaram na genética diversificada do rebanho. Avanços continuam: inseminação artificial, fecundação in vitro, produção de embriões e clonagem animal. De importador de bovinos, o país passou a exportador de genética bovina superior.

A comercialização de doses de sêmen para cliente final, a exportação e a prestação de serviços cresceram 21% em 2021. Foram 28.706.330 doses de sêmen, contra 23.705.584 em 2020, segundo a Associação Brasileira da Inseminação Artificial (Asbia).

Em 2021, as vendas de genética para o cliente final aumentaram 18%. Foram 25.449.957 doses vendidas no país, contra 21.575.551 em 2020. O sêmen de raças de corte aumentou 22%. O setor leiteiro cresceu 6%, segundo a Asbia, e a prestação de serviço 47%: 2.390.636 doses de sêmen bovino, contra 1.621.937 em 2020. Em 2021, a inseminação artificial foi usada em 4.463 municípios (80% dos existentes), aumento de 4,1% sobre 2020.

Se o material genético de raças leiteiras é o mais vendido no exterior, a demanda por bovinos de corte está crescendo

Os touros selecionados são levados a centros especializados para coleta do sêmen, com análise apurada de qualidade e sanidade. De cada procedimento são produzidas em média 500 doses. A coleta em 2021 somou 23.919.732 doses e cresceu 61% em relação a 2020 (14.899.623 doses).

Veterinário preparando ferramentas para inseminação artificial em vacas | Foto: Shutterstock

Além da inseminação, a transferência de embriões cresce no Brasil. A produção começa nas fazendas, com a retirada dos óvulos de fêmeas selecionadas, para serem fertilizados in vitro em centros especializados. Fêmeas fornecedoras de óvulos têm grande valorização. A vaca da raça nelore Viatina FIV Mara Móveis teve 50% de sua propriedade vendida, por R$ 3,99 milhões, em Uberaba (MG), durante a 87ª ExpoZebu. Uma valorização recorde de R$ 7,98 milhões, a maior já obtida por um nelore.

Viatina-19 FIV Mara Móveis | Foto: Divulgação

Os embriões obtidos são implantados em vacas receptoras (mães de aluguel). E podem ser preservados por décadas, como o sêmen. Locais afastados se beneficiam do melhoramento genético pela inseminação artificial e pela transferência de embriões, mesmo sem touros de qualidade na região.

Quanto à exportação de genética bovina, em 2021 foram vendidas no exterior 865.737 doses de sêmen, contra 508.096 em 2020, um crescimento de 70%. Para 2022, o Brasil deve exportar mais de 1 milhão de doses, fruto da valorização do sêmen e da genética obtida no país.

O faturamento na exportação de sêmen aumentou 22% em 2021: R$ 1 bilhão. Incluindo embriões bovinos, além do sêmen, o valor atinge R$ 1,3 bilhão, crescimento de 35% em relação a 2020. Com o credenciamento de novas empresas de genética bovina para exportar e o aumento do preço médio da dose de sêmen, o setor deve alcançar R$ 1,5 bilhão no mercado externo em 2022.

Se o material genético de raças leiteiras é o mais vendido no exterior, a demanda por bovinos de corte está crescendo. A exportação de material genético é acompanhada pelo Ministério da Agricultura, seguindo o protocolo sanitário do país importador. Grande parte das certificações é dada por centros de coleta habilitados. O Instituto Biológico de São Paulo tem o único laboratório credenciado pelo Inmetro para testes específicos de sanidade de sêmen, como estomatite vesicular, leucose bovina, rinotraqueíte infecciosa bovina e diarreia viral bovina.

A variada especialização genética brasileira para a zona intertropical garante ganhos em rusticidade, adaptação ao calor, resistência a doenças e parasitas (carrapatos, moscas e bernes), desempenho, eficiência e qualidade. Isso impulsiona a produção e a exportação de sêmen e embriões de bovinos de corte e leite para a América Latina, além de vendas a países africanos, asiáticos e do mundo árabe. Conquista recente foi o acordo sanitário com o Suriname. Há mais mercados abrindo-se em 2022.

Recipiente para transporte de sêmen bovino | Foto: Shutterstock

O gado gir é de origem indiana. O Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro é uma parceria da Embrapa com a Associação Brasileira dos Criadores de Gir Leiteiro, iniciada há 37 anos. Ele obteve uma genética superior, e a produção média de leite praticamente dobrou em 30 anos. A cooperação com a Índia avança com a Embrapa Gado de Leite.

Técnicos hindus foram treinados, e a Embrapa auxiliou na montagem de um laboratório de reprodução animal na Índia. Os pesquisadores brasileiros produziram e transferiam os primeiros embriões obtidos por tecnologia de fertilização in vitro. Resultou no nascimento de duas bezerras, uma da raça gir e outra sahiwal, na cidade de Anand. O sucesso foi destaque no The Times of India, um dos mais tradicionais jornais da Índia.

Vaca leiteira da raça gir | Foto: Shutterstock

Além da demanda da Índia pela genética do gir leiteiro, outros países tropicais (Colômbia, Bolívia, Equador, Guatemala, República Dominicana, Panamá e Costa Rica) formalizam parcerias. Israel é um mercado promissor.

Em cinco séculos, o Brasil tornou-se o maior país cristão da Terra e líder na produção bovina. Paradoxo, agora há gente torcendo e trabalhando para um retorno ao Neolítico: um Brasil sem cristãos nem bois. Cristãos, bois e pecuaristas enfrentam ataques de toda natureza. Contudo, os pecuaristas prosseguem. Aboiam e tocam seu gado, com fé e trabalho. Alimentam o mundo. Com o melhoramento genético, mais pecuaristas conseguem, além da produção de carne e leite, aumentar sua renda com a venda de sêmen e embriões, aqui e no exterior. Mais pecúlio, sem peculato. Para honra e glória dos bovinos.

Foto: Shutterstock

Leia também “Reciclagem e agropecuária lixo zero

17 comentários
  1. Elcio Nicola
    Elcio Nicola

    Brilhante !… Evaristo de Miranda, além do profundo conhecimento já reconhecido, é um Cronista exuberante… Parabéns OESTE, por nos dar a oportunidade de lê-lo !!

  2. Matias ALEGRUCCI Figueiredo
    Matias ALEGRUCCI Figueiredo

    meu modesto apoio ao Sr.’ e obrigado pelo constante ensinamento que compartilha’ generosamente.
    Parabens

  3. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    É sempre um prazer ler os textos do Prof. Evaristo. Pena que os esquerdopatas, os ecochatos, os terroristas ambientais e ongueiros profissionais não têm acesso a esse tipo de leitura. E se têm e não fazem uso isso demonstra a falta de caráter dessa gente.

  4. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Pois é prof. Evaristo, com o vasto conhecimento e avanço tecnológico do empreendimento agropecuário, que tão bem descreve em seus artigos desenvolvidos no Brasil, como pode ser tão difamado por brasileiros e ONGs no exterior para dificultar investimentos no pais. Como pode nossa nefasta intelectualidade politica, jurídica e empresarial trazer de volta para governar nosso pais o “descondenado” Lula e seus companheiros? Os jovens precisam ser orientados para não destruírem nas próximas eleições o futuro deste pais.

  5. Paulo Martinho
    Paulo Martinho

    Ótimo artigo. Obrigado Evaristo. Como sempre recheado de informações didáticas, de números e de fatos. O artigo centrou no tema de produção de sêmen e melhoramento genético, vale destacar (se Evaristo me permite), que o Brasil avança muito em uma pecuária de corte lastreada não somente na quantidade de carne produzida, mas também na qualidade do produto final, com avanço nos cruzamentos industriais, entre vários, se destaca do Nelore com o Angus (black e/ou red).

  6. Domingos de Souza
    Domingos de Souza

    Como sempre, o dr. Evaristo nos presenteia com uma matéria exuberante.
    Parabéns.

  7. Alice Helena Rosante Garcia
    Alice Helena Rosante Garcia

    De fato seus artigos são sempre uma aula agradável que a gente nao quer que acabe.
    Incrível como há pessoas que torcem para que o Brasil nao saia do marasmo que os últimos governos nos colocaram. Que Deus permita que o “rebanho” brasileiro de humanos, bovinos, ovinos etc possa permanecer em seu caminho de desenvolvimento e progresso.

  8. Francisco Albuquerque
    Francisco Albuquerque

    Mais um valioso artigo de nosso mestre, Prof Evaristo Desta feita, destacando os aspectos que explicam o sucesso de nossa pecuária, em especial os avanços genéticos e suas consequências. Suas pesquisas sobre as origens dos termos dão um colorido especial e agradável ao trabalho, ressaltando a influência cristã e evidenciando o conteúdo histórico ao lado do econômico. Finaliza, com um alerta, chamando a atenção para ações deletérias, de viés neolíticos que podem prejudicar um dos setores de grande sucesso econômico.
    Professor, seus artigos estão marcando uma época

  9. Alan Coelho de Séllos
    Alan Coelho de Séllos

    Sempre inspirador

  10. RONALD CHRISTIAN ALVES BICCA
    RONALD CHRISTIAN ALVES BICCA

    Excelente artigo, gosto da forma de abordar do Dr Evaristo, seu contexto histórico é profundo e didático , pegando o essencial para não desviar o foco. Ademais, sempre em seus artigos o leitor sai com uma compreensão do assunto abordado. Excelente e sem surpresa de assim o ser.

  11. Luiz Marins
    Luiz Marins

    Artigo maravilhoso que deveria ser matéria obrigatória em todas as nossas escolas e universidades! Parabéns!!

  12. Gustavo Amaral
    Gustavo Amaral

    Além do texto primoroso, cheio de historia e dados recentes, uma conclusão firme. Há quem interessa sabotar Deus, a família e o Agro?

    1. Gustavo Amaral
      Gustavo Amaral

      *A*

  13. Claudio Haddad
    Claudio Haddad

    Parabens ,Evaristo, a luta continua para a merecida valorização do Agro

  14. Francisco de Assis Bonfati
    Francisco de Assis Bonfati

    Parabéns Dr. Evaristo pelo belo artigo.
    Como sempre trazendo informações boas e muito conhecimento.

  15. JOSE CARLOS GIOVANNINI
    JOSE CARLOS GIOVANNINI

    Uma super aula !

  16. Jose roberto pereira
    Jose roberto pereira

    Excelente materia, do excepcional Evaristo de Miranda.

Anterior:
Rogério Holanda, chef de cozinha: ‘Não coloque sal no bife antes de fritar’
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 246
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.