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Ministro Luís Roberto Barroso | Foto: STF/SCO
Edição 117

Uma toga perdida na Amazônia

Sem sair de Brasília, Barroso resolveu assustar a selva com urros retóricos

Augusto Nunes

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Os meninos que chamávamos de “filhinhos de papai” viviam sob a estreita vigilância das mães. Eram elas que berravam o prenome (quase sempre composto) para intimá-los a cuidar dos deveres escolares, alimentar-se na hora certa, colocar um agasalho ou evitar más companhias. Nunca ficavam descalços, nem mesmo para disputar uma pelada num campinho de quintal. Para prevenir tosses e resfriados decorrentes de traiçoeiros golpes de vento, jamais dormiam com as janelas abertas ou embarcavam em enxurradas. Não se metiam em brigas na porta da escola. E aprendiam ainda no berçário que mamãe puniria com uma surra de assustar vizinho três pecados mortais: furtar laranjas em plantações à beira da estrada, nadar em rios, riachos ou lagoas e enveredar por mais de 20 centímetros por qualquer pedaço de mato (se fosse além disso, o pecador estaria ingressando numa selva municipal). Melhor esquecer tais tentações, recolher-se ao quarto e permanecer no topo do ranking dos melhores alunos da classe.

Bastou-me conviver na infância com meia dúzia de filhinhos de papai para reconhecer de imediato um genuíno integrante da espécie. Um exemplo? Luís Roberto Barroso. Alguém pode imaginá-lo sujo de lama, num terreno baldio de Vassouras, dando caneladas e carrinhos por trás? Ou invadindo sem sapatos nem meias o laranjal cujo dono podia aparecer subitamente com a carabina engatilhada? Ou mergulhando nas águas escuras do ribeirão oculto pelo matagal? Tais hipóteses são tão improváveis quanto uma foto de Luís Roberto abrindo a facão uma picada na Floresta Amazônica. Se é que algum dia pousou na região, Barroso só saiu do hotel para contemplar o Encontro das Águas, visitar uma ilhota do Rio Negro habitada por índios de cordão carnavalesco e ajudar a empunhar aquela sucuri de quartel treinada para recepcionar amavelmente forasteiros ilustres. Mas um filhinho de papai que se torna ministro do Supremo Tribunal Federal vira especialista em tudo, com doutorado em assuntos que desconhece profundamente.
É compreensível que Barroso ignore, por exemplo, que desde 2012 o Amazonas registrou 9.128 desaparecimentos de pessoas
O ministro Edson Fachin, por exemplo, nunca deu as caras sequer num ensaio da Mangueira. Mas deve achar que a vida nos morros do Rio é tão idílica quanto a descrita em velhos sucessos musicais. Barracão de zinco sem telhado é bangalô, sinfonias de pardal anunciam o alvorecer e o morro inteiro, no fim do dia, reza a ave-maria. Só essa disfunção mental explica a decisão de proibir que ações policiais perturbem o sossego reinante no universo que só nos mapas oficiais ainda faz parte do Estado brasileiro. Se Fachin não sabe — ou finge não saber, o que dá no mesmo — que os morros cariocas se transformaram em zonas de exclusão controladas pelas mais violentas organizações criminosas, é compreensível que Barroso ignore, por exemplo, que desde 2012 o Amazonas registrou 9.128 desaparecimentos de pessoas. Desse total, apenas 295 foram encontradas.

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