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Embaixador Ignacio Ybanez
Ignacio Ybañez embaixador da União Europeia no Brasil | Foto: Divulgação
Edição 127

‘A legislação ambiental brasileira é exemplar’

Ignacio Ybáñez, embaixador da União Europeia no Brasil, considera o país uma democracia forte, com valores comuns à Europa e importante na transição do bloco para uma economia verde

Artur Piva
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Único parceiro estratégico da União Europeia (UE) na região além do México. É dessa forma que Ignacio Ybáñez descreve como o Brasil é visto pelo bloco. Embaixador da União Europeia, esse espanhol de 59 anos destaca que esse elo é reforçado por valores comuns aos dois lados. “Acreditamos na democracia, nos direitos humanos e na economia de mercado”, explica.

Economista de formação, Ybáñez foi secretário de Relações Exteriores (equivalente a ministro) e embaixador na Rússia. Hoje, faz questão de dizer que não representa apenas os interesses do seu país de origem, mas de toda a Europa.

O diplomata assumiu a embaixada europeia no Brasil em julho de 2019. Entre as bandeiras que defende estão a preservação ambiental, o respeito à democracia, a defesa do livre-comércio e o direito à autodeterminação das nações.

A Oeste, Ybáñez defendeu a soberania brasileira na Amazônia, a agricultura do país, o desenvolvimento sustentável e o papel do Brasil na transição do mundo para uma economia verde.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

A democracia brasileira tem sido contestada por diversos grupos, que afirmam que ela está em perigo. O que o senhor pensa dessa afirmação?

O Brasil é uma democracia forte, plena e com instituições fortes. Algumas vezes, existem diferenças entre elas, mas isso também faz parte da democracia. E, desse ponto de vista, a imprensa e a sociedade civil do país são livres.

A União Europeia está em busca de uma economia verde. O Brasil pode ajudar nessa transição?

O projeto europeu tem uma série de apostas mirando o futuro, muitas delas tiveram início antes da crise sanitária da covid-19. Entre elas, a transformação para a economia verde. Acreditamos que esse é um desafio do mundo todo, por causa das mudanças climáticas. Nesse aspecto, temos áreas em que estamos atrasados, quando comparados ao Brasil. No âmbito de energia, por exemplo, vocês têm uma geração bastante verde, sobretudo com a matriz hidroelétrica, mas também cada vez mais com as fontes eólica e solar. Ao contrário, a UE ainda é baseada em energia oriunda do gás e do petróleo. Estamos convencidos de que sozinhos não vamos conseguir mudar isso. Esse processo vai exigir grandes sacrifícios, mas também trará boas oportunidades. O Brasil aparece claramente como um parceiro. Esse cenário foi intensificado com uma guerra acontecendo na Europa, criada pela Rússia. Como os russos eram os nossos principais fornecedores de gás e petróleo, isso nos obriga a fazer uma busca por novos parceiros, em quem tenhamos mais confiança. O Brasil pode ser um deles, nos ajudando com novas energias. Uma delas vem do hidrogênio verde (o hidrogênio feito a partir de energia renovável), acreditamos que o país tem grandes possibilidades com essa fonte.

Além de ser um grande fornecedor de alimentos para a UE, o Brasil pode se tornar um importante exportador de energia renovável para os países membros do bloco?

Junto com os Estados Unidos, vocês são os maiores exportadores de alimentos para a Europa. E esse comércio deve aumentar com o acordo entre Mercosul e UE. Na questão energética, tivemos recentemente uma conversa com Adolfo Sachsida, ministro de Minas e Energia, para nos posicionarmos nesse aspecto. Queremos que as regras introduzidas na UE sejam compatíveis com o Brasil, que pode ser um parceiro muito mais importante para nós do que já é atualmente.

“Reconhecemos plenamente a soberania do Brasil sobre a Amazônia, assim como a de todos os países que têm territórios nela”

O Brasil vem sendo muito criticado por países europeus que o acusam de não preservar o meio ambiente. Como o senhor enxerga essa acusação?

Reconhecemos que o marco legal que funciona no Brasil, em particular o Código Florestal, é muito positivo. A legislação ambiental brasileira é exemplar. O nosso atrito é nas áreas em que ela não é atendida, particularmente na Região Amazônica, onde o governo não tem capacidade para estar presente. Para ajudar a UE, diria que o país deve continuar o que está fazendo e tentando melhorar nas áreas em que existem limitações, sobretudo onde há desmatamento ilegal.

A Amazônia é o principal palco da discussão sobre o desmatamento. Qual a avaliação da UE sobre o modo como Brasil cuida dessa região?

É preciso deixar claro que nossa preocupação não é de caráter colonial. Reconhecemos plenamente a soberania do Brasil sobre a Amazônia, assim como a de todos os países que têm territórios nela. Mas achamos que o Brasil pode ter dificuldades para cumprir os objetivos fixados por ele mesmo por causa do desmatamento. Nós valorizamos muito a participação brasileira na Conferência COP26 para mudanças climáticas. O país fez parte dos acordos considerados necessários e adquiriu compromissos muito importantes de descarbonização. O presidente Jair Bolsonaro se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2028. Esses objetivos são muito bem recebidos pela UE. O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, me disse que uma das preocupações do governo é desenvolver bem o controle sobre a Região Amazônica. Nós reiteramos que estamos preparados para cooperar nessa questão. Nosso esforço é no âmbito da energia, o de vocês é no desmatamento. Se pudermos nos ajudar mutuamente, estamos preparados para isso.

Como a União Europeia pode ajudar o Brasil nessa questão?

Reconhecemos a soberania plena do Brasil, então os brasileiros é que precisam decidir o caminho. Uma ideia é tentar desenvolver o interesse das empresas europeias para buscar projetos que funcionem como alternativa para a geração de renda a moradores da região que se dedicam ao desmatamento. Junto com o vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia, organizamos o Amazônia In Loco no ano passado, em Belém, no Pará. Por meio dele, levamos empresas europeias para estudar projetos sustentáveis relacionados à bioeconomia. Temos também a possibilidade de financiamento de iniciativas sustentáveis através do Banco Europeu de Investimento. O vice-presidente dessa organização esteve no Brasil e ofereceu a possibilidade de designar e bancar um especialista para auxiliar os governadores dos Estados da Amazônia na formalização dos projetos. Nós sempre insistimos que as oportunidades do setor privado são geralmente muito melhores. Atualmente, esse banco tem várias parcerias no Brasil com empresas europeias focadas em energias renováveis.

O Banco Europeu está disposto a financiar projetos de desenvolvimento integrado na Amazônia, incluindo os de mineração e agricultura?

Isso tem de ser analisado. O banco tem muitas formas de funcionar. As iniciativas precisam ser economicamente viáveis e socialmente sustentáveis, criando riqueza para a população e respeitando o meio ambiente. Claro, podemos desenvolver projetos de mineração, mas respeitando essas condições. Por convite de Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia, visitei uma operação da Vale em Carajás (PA). É um empreendimento ambicioso, que gera riqueza para a população e toma os cuidados para reduzir os impactos ambientais. Sabemos que se trata de uma grande empresa, o que facilita a implantação dessas medidas, mas esses conceitos precisam sempre estar presentes. Contudo, vejo essas operações mais próximas de instituições financeiras privadas. No caso do Banco Europeu, imagino os esforços em projetos no âmbito da bioeconomia.

O senhor acredita que os países membros da União Europeia vão aprovar a entrada do Brasil na OCDE?

Há muito tempo nós queremos abrir a porta desse órgão para o Brasil, mas outros parceiros, como os Estados Unidos, tinham dúvidas que foram superadas sobre como fazer a ampliação. Estamos agora nesse processo de novas adesões. Consideramos o interesse brasileiro bastante positivo, acreditamos que os requisitos exigidos vão ser muito bons ao país e nos oferecemos a acompanhar e a dar apoio. Estamos dispostos a oferecer nossa expertise para as revisões e as adaptações de regras que se mostrarem necessárias. Desse ponto de vista, o apoio é pleno. Entendemos que será bom para o Brasil e para o conjunto da OCDE.

O senhor mora no Brasil desde julho de 2019. O que considera mais positivo e mais negativo no país?

A população foi o que me deixou mais admirado de forma positiva. As pessoas têm as origens mais variadas, mas quando chegam aqui se sentem e agem como brasileiros. Agora, por serem do tamanho de um continente, vocês têm a tendência de olhar muito para si mesmos e não se dão conta de que são essenciais para a região e para o mundo. Se tivesse que dizer algo para melhorar, seria essa parte. Vocês ainda têm uma economia muito fechada. Que vem melhorando muito, é verdade. Mas, se o Brasil jogar o jogo que pode jogar, ele é um parceiro bem importante.

Leia também “O agronegócio brasileiro é vitorioso”

6 comentários
  1. Claudinei Júlio da Silva
    Claudinei Júlio da Silva

    Não sei se é devido eu ser mineiro, mas as palavras desse embaixador não me despertaram confiança. Quando o assunto é Amazônia, a tônica é sempre essa: a Amazônia é do mundo. Mas as riquezas, sejam naturais ou materiais, do mundo, não são do Brasil. Entendem? O Louvre, na França, é da França ou do mundo? É da França. A Amazônia é do Brasil ou da França? É do mundo (nosso) segundo Macron. Vejo tudo com desconfiança. Fala mansa e palavras doces, não me enganam.

  2. Antonio Carlos Almeida Rocha
    Antonio Carlos Almeida Rocha

    eu moro metade do ano aqui na Espanha, terra do entrevistado. Acho que na área ambiental, os países europeus tem muito a nos ensinar sobre como NAO conduzir as coisas. Há poucas florestas nativas remanescentes e uma dependência ainda grande de combustíveis fósseis na matriz energética (inclusive o carvão, que movimenta térmicas que garantem a energia elétrica para as pessoas posarem de “bons moços ambientais” nos seus carros elétricos). O preço da energia (elétrica, gás e combustíveis) disparou, levando junto a inflação a níveis não vistos há 30-40 anos. Já começamos a observar a falta de alguns produtos nos supermercados. Se o Brasil é uma economia fechada (e ele tem razão nisso), a Europa também o é. Só importa aquilo que não é produzido no mercado europeu (tenta produzir aqui, a custo mais alto e qualidade mais baixa (a banana das Canárias é um exemplo, custa o dobro da banana importada, a carne é ruim, etc).

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Muita diplomacia

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Muito boa a entrevista. Parabéns ao entrevistador e ao entrevistado. É preciso vir uma de pessoa fora para falar bem do país. Enquanto os nativos, uma minoria é claro, só sabem falar mal. Mas temos que ficar atentos. Pois as vezes os europeus falam uma coisa e agem de modo completamente diferente do que falaram.

  5. Benjamin Gonzalez Martin
    Benjamin Gonzalez Martin

    FOGO AUMENTA NA EUROPA E DIMINUI NO BRASIL
    Embora não seja noticiado na velha imprensa, o Brasil reduziu em cerca de 25% a incidência de incêndios e queimadas nos últimos dois anos

    Por Evaristo de Miranda, revista Oeste hoje

    Até que enfim a Europa reconhece. Será que é pq estão ardendo em chamas e que somado a guerra pode haver desabastecimento? Pq será que agora querem acelerar o acordo com o Mercosul ? O vento mudou né

  6. MARIO GUILHERME DE CASTRO CAMPOS
    MARIO GUILHERME DE CASTRO CAMPOS

    Desmatamento, desmatamento, desmatamento… E quais as áreas foram reflorestadas? E a Floresta Olímpica vingou? A legislação parece inócua. Precisam medidas mais efetivas e imediatas. Quando proibirão a confecção de bancos de madeira? Qual teria sido o tamanho da floresta que foi destruída para confecção de todos os bancos de madeira das igrejas no mundo?

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