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joão amoêdo
João Amoêdo, um dos fundadores do Partido Novo | Foto: contabilidadetv/Wikimedia Commons
Edição 135

O laranja é um vermelho claro?

O partido Novo morreu. Vida longa ao novo partido

Roberto Motta
-

A pior política é a que acontece dentro dos partidos. É aí que ocorrem os embates mais ferozes, as traições mais imperdoáveis e as manobras mais rasteiras. Não era isso que eu imaginava em 2009 quando, ainda na condição de leigo, me envolvi em uma grande aventura: a criação de um partido.

Morei nos Estados Unidos de 1989 a 1994, e voltei encantado com o que vi. Havia um contraste enorme entre a prosperidade e a segurança da vida do norte-americano médio e a incerteza, as dificuldades e a insegurança da vida do brasileiro. Minha tentativa de encontrar uma explicação para isso me levou a várias atividades e, finalmente, ao louco projeto de criar um partido político “sem políticos profissionais”.

Tinha tudo para dar errado — mas, de alguma forma, deu certo. Inacreditavelmente, depois de dezenas de reuniões, centenas de palestras e 500 mil assinaturas coletadas, o partido foi formalmente criado, em 2015, e batizado de Partido Novo. Toda a saga da concepção e criação do partido — e a história de muitos de seus personagens — está contada no meu livro Os Inocentes do Leblon, publicado em 2021.

Os Inocentes do Leblon, livro de Roberto Motta sobre a criação do Partido Novo | Foto: Divulgação

Mas, como eu ia dizendo, a pior política acontece dentro dos partidos. A mistura de poder e celebridade tem efeito tóxico sobre algumas pessoas. Vi esse processo acontecer dentro do partido que ajudei a criar, e acontecer com pessoas que eu conhecia havia décadas. De repente, o projeto idealista e abnegado se metamorfoseou em um projeto pessoal de poder que não admitia alternativa ou dissensão. Em junho de 2016 deixei o partido, depois de ser publicamente atacado, difamado e acusado de estar traindo os ideais do Novo em nome de um projeto pessoal de poder.

Eu ainda não conhecia aquela famosa frase: acuse-os do que você faz, chame-os do que você é.

Na época da minha saída eu previ que quaisquer outras lideranças que surgissem, ou se destacassem no partido, teriam o mesmo tratamento que tive. Minhas palavras foram proféticas. Praticamente todas as personalidades que se projetaram tiveram o mesmo tratamento que eu tive. Nessa lista estão incluídos o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, cujo pecado capital foi fazer parte do governo Bolsonaro sem pedir permissão ao dono do partido, e o governador Romeu Zema, a cuja posse o dono do partido não se dignou a comparecer, mandando mensagem clara de ressentimento e incompreensão do papel dos mandatários.

Há muitos erros a serem reparados, injustiças a serem corrigidas e discípulos do centralismo e egolatria a serem excluídos. Será necessária enorme coragem moral e muita disposição

Só uma opinião importava, um único projeto político era relevante e todo o ecossistema partidário deveria girar em torno desse centro solar. O projeto, claro, era do João, agora solidamente entronizado como líder máximo e absoluto. Mas, dentro do partido, esse projeto de poder sempre foi camuflado (muitas vezes mal camuflado) e escondido dos filiados e voluntários com a roupagem da obediência a princípios e valores e da heroica decisão de “não tomar atalhos”.

Segui minha vida, trabalhando e cuidando da minha família, prestando alguma atenção ao que acontecia na política e, muito ocasionalmente, ao que acontecia ao Novo.

Vi a entrada no partido de pessoas sem nenhuma identificação com seus ideais, inclusive muita gente com posições claramente de esquerda. Vi o lançamento de candidatos sem nenhuma vocação para a atividade política. Vi os dirigentes agirem de forma oposta ao que determinava o estatuto partidário e, quando isso ficou insustentável, modificarem o estatuto para adequá-lo aos seus planos menores e imediatos de controle.

Tudo girando, sempre, em torno do mesmo projeto pessoal de poder.

Em nome desse projeto, excelentes pessoas que haviam se aproximado do partido foram usadas e descartadas. As histórias de algumas delas estão no meu livro; a maioria jamais será conhecida. Os “dirigentes” do Partido Novo — na verdade, uma corte de carimbadores das decisões do dono — deixaram, por uma mistura às vezes acidental, às vezes proposital de inabilidade, arrogância, incompetência e descaso, um rastro de decepção e amargura por todo o Brasil.

Essas pessoas acreditaram em uma nova política, e doaram tempo, dinheiro e boa vontade só para ouvir que suas opiniões não importavam.

No choque com a realeza partidária, até a bancada de deputados federais foi colocada em segundo plano. A única coisa que importava era uma obsessão despropositada com uma candidatura à Presidência que desafiava o bom senso, a prudência e até qualquer medida mínima de viabilidade eleitoral.

Mas a mosca azul é implacável.

Isso contribuiu para o grande problema do Novo: o fato de que ele não foi estruturado para ser um partido de fato, e não o foi. Os filiados, os mandatários e até muitos dirigentes com menos senioridade não têm qualquer voz nas decisões. Como consequência, falta legitimidade às decisões, e todas as discordâncias viram brigas. E mais grave de tudo: até hoje as pessoas que fazem parte dos diretórios, em sua maioria, nem sequer entendem que é esse o problema. Essas pessoas não fazem a menor ideia do que estão fazendo nem do que se trata a atividade de partido político.

Os eventos mais recentes ainda estão na memória de todos: bate-boca público entre os dirigentes e os deputados federais, revolta de filiados (várias), divisão do diretório nacional, processos judiciais e renúncia de parte do diretório.


Durante todo esse processo o partido perdeu dezenas de milhares de filiados. Com a saída — voluntária ou forçada — de muitos apoiadores importantes, o Novo perdeu credibilidade e respeito. Nas eleições de 2022, perdeu também boa parte da bancada federal, reduzida a três deputados.

Tudo por obra e graça do projeto pessoal de um de seus criadores.

E agora, com uma declaração recente desse eterno pretendente à Presidência da República, o partido parece ter perdido o futuro. Vocês sabem do que eu estou falando: João Amoêdo declarou voto no Partido dos Trabalhadores.

E agora, José?

É isso que foi feito com toda a confiança, apoio, recursos e votos que foram dados a ele em nome do “projeto de longo prazo” que iria renovar a política brasileira?

Para onde vai agora um partido liberal — no qual sempre se encontraram inúmeros conservadores — cujo fundador, ex-suposto líder e porta-voz permanente declara voto em uma corrente política cuja ideologia e cujos valores são totalmente opostos aos seus?

Essa é a senha do funeral ou a palavra de ordem da libertação e do renascimento do partido Novo?

Aqui é possível delinear pelo menos dois cenários diferentes. No primeiro, incapaz de se livrar das garras e do DNA ególatra, isolacionista e arrogante do seu cocriador, o partido definha e morre. E deixa de existir, ou é incorporado a algum outro partido. Seria o fim melancólico de um sonho de milhões de cidadãos.

No segundo cenário, o partido levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima, descartando o oportunismo e a falta de espinha dorsal daqueles que deveriam ter sido seus líderes. Não é um caminho a ser trilhado sem dor. Há muitos erros a serem reparados, injustiças a serem corrigidas e discípulos do centralismo e egolatria a serem excluídos. Será necessária enorme coragem moral e muita disposição.

Meus contatos no partido me relatam uma quase unanimidade em torno do desejo de ver o João expulso ou desfiliado voluntariamente. O senso de traição é grande, e precisa de reparação. Chegou a vez do Robespierre.

Romeu Zema, governador de Minas Gerais | Foto: Reprodução/Redes sociais

É possível? Certamente.

Lideranças com envergadura para conduzir esse processo já existem no partido. O maior exemplo é o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que não só enfrentou a centralização e a sabotagem do partido, como agora enfrenta a máquina eleitoral do PT. Zema pode ser o líder de que o partido Novo precisava e merecia.

Há outros, muitos outros espalhados por todos os cantos do Brasil, esperando pelo chamado para resgatar o sonho que, para muitos deles, foi parte importante de suas vidas.

O Partido Novo continua sendo o partido das ideias certas e das práticas frustradas; o filho que foi traído por um dos seus próprios pais; o exemplo maior de como a arrogância intelectual e financeira de nossas elites se degenera em cegueira política e moral irrecuperável.

É sintomático que um dos criadores do Novo tenha buscado refúgio no apoio a um candidato de esquerda que, se pudesse,  destruiria não só a ele e ao seu partido, mas tudo aquilo que ele representa, ou que disse um dia representar.

Palavras como indivíduo, livre mercado e liberdade perdem todo o significado quando o projeto eleitoral pessoal é o fator mais importante, e leva a uma declaração de apoio político sem nenhuma sustentação lógica ou moral.

É a reação dos filiados e das lideranças a essa declaração que vai definir se o Novo permanecerá como um clubinho de autoajuda da elite financeira — os “Faria Limers” — ou se poderá, um dia, assumir o papel que lhe foi destinado: o de mudar os termos nos quais se faz política neste pais.

Com a palavra, os filiados.

Leia também “O primeiro turno e a derrota da lulocracia”

16 comentários
  1. Ana Maria Carneiro Figueiredo
    Ana Maria Carneiro Figueiredo

    Olá Motta! Li todos os seus artigos e gostei muito. Esse no entanto foi muito esclarecedor pois resume a história de criação e o fracasso do partido Novo. 👏🏻👏🏻

  2. Alvaro Urbanetz
    Alvaro Urbanetz

    De todas as revelações de carater que essa eleição proporcionou, acredito que a de Amoedo tenha sido a mais surpreendente. Conseguiu condensar, em uma curtíssima participação no cenário político, tudo o que de pior um político pode ter: apresentou um avatar de honestidade, prometeu, mentiu, traiu, mostrou uma incoerência gigantesca, se corrompeu ( corrupção nem sempre envolve dinheiro, também envolve valores) e por fim, é claro, fracassou! Resumiu tudo isso em uma carreira política absurdamente curta, que se quer deveria ter existido.

  3. Gustavo H R Costa
    Gustavo H R Costa

    É muito suspeita essa atitude do Amoedo. Assim como vários ministros do STF deve estar mesmo sendo chantageado. Não há outra explicação plausível, nem mesmo esse “projeto pessoal de poder”.

  4. Márcio André de Alcântara Souza
    Márcio André de Alcântara Souza

    Roberto, não se iluda. Quando João Amoêdo decidiu iniciar o projeto do Partido Novo, foi com o então inconfessável propósito de dar continuidade à Estratégia das Tesouras substituindo o PSDB.

  5. Claudia da Silva Martiker
    Claudia da Silva Martiker

    Pra gente votar em alguém, precisa saber os caminhos que essa pessoa trilhou.

  6. Marcelo Martins
    Marcelo Martins

    Que decepção ver João Amoedo declarar voto no Lula. Se ele não gosta do Bolsonaro, no mínimo, pra ser coerente com seu ideias liberais, deveria declarar voto nulo!
    Foi pra isso que votei em João Amoedo no 1º turno de 2018?
    Pude assistir a uma palestra do Partido Novo em SJCampos, antes das eleições de 2018 e fiquei animadíssimo com o discurso do Amoedo, a favor das privatizações, da economia de mercado, da liberdade de imprensa, etc., e agora vejo Amoedo declarar voto no Lula, justamente um candidato que é contrário à tudo isso!
    Amoedo deveria ser expulso do partido por essa traição! Traiu o partido, traiu seus eleitores e traiu a si mesmo!
    É tudo muito triste, lamentável!

  7. Caubi Maciel da Nóbrega
    Caubi Maciel da Nóbrega

    Eu não sabia disso. Claro que estranhei muito a decisão de um liberal supostamente convicto, apresentado como banqueiro, votar em pessoa que além de defender, ou pelo menos abrigar, ideais socialistas, praticou atos de corrupção, mas entendi que fosse um mero instante de distração ideológica. Então, na verdade, trata-se de um projeto pessoal de sucesso político? Seu Amoedo, tenho ideia melhor para o senhor, desfilie-se antes de ser expulso, e procure albergar-se em outro partido. O PSOL deve ser uma ótima opção.

  8. Emilia Grossman
    Emilia Grossman

    Assisti à criação do Partido Novo mas, depois percebi que algo não andava bem. Acabei me desfilhando há mais de um ano. Uma pena estas agruras uma vez que temos pessoas valorosas como Zema e Van Hatten

  9. Fernando Anthero
    Fernando Anthero

    Desfiliei-me do NOVO por causa do Amoêdo, me filiarei novamente se o NOVO renascer sem o Amoêdo

  10. Paulo Fernando Vogel
    Paulo Fernando Vogel

    Já vivi 73 anos que me fizerem ter a certeza de que agimos por egocentrismo e aqui só cabe a afirmação. Eu não tenho mais “saco” para ficar ouvindo explicações sobre as consequências dos atos quando só o que me interessa são as causas, qual o interesse egocêntrico de alguém estar fazendo às suas vistas o que lhe parece absurdo? O que move Carmem Lúcia a votar como votou a favor da censura?

    1. Urias Roberto da Silva
      Urias Roberto da Silva

      Tenho 68 e, como se dizia, comungo com suas ideias. Vale repetir ¨O que move Carmem Lúcia a votar como votou a favor da censura?”

  11. Lucas Borges Rodrigues De Sá
    Lucas Borges Rodrigues De Sá

    Top de mais, acreditei nessa ideia, sou um apoiador do Novo e espero que agora sem o João o partido volte aos trilhos. Excelente artigo fechou com tudo que penso. Quero voltar a usar a camisa do Novo que confesso ainda estou com vergonha de usar.

  12. Carmo Augusto Vicentini
    Carmo Augusto Vicentini

    João é um mer…

  13. Capiau Inteligente
    Capiau Inteligente

    Óia…deixaram o NOVO ser presidido por macaco VÉIO do sistema financeiro e agora reclamam que não deu certo.

    E só para constar, o laranja é um amarelo que se avermelhou….oi será que sempre foi um vermelho meio amarelado para disfarçar ?

  14. Ronaldo S Ramires
    Ronaldo S Ramires

    O histórico e os antecendentes do Sr Amoedo já o condenavam. Planos e projetos apoiados em ONU e outros organismos Globalistas foi suficiente para que eu não acreditasse no “projeto novo”. Sempre me pareceu a velha estratégia das tesouras. E a escolha do laranja… Bom sinais são dados o tempo todo, não entende quem não quer. Novo seria o laranja do PSOL, do LuloPetismo, da Esquerda Woke…

  15. 🇧🇷🇧🇷
    🇧🇷🇧🇷

    Motta, traduzindo brilhantemente a UTI que se encontra o Novo.
    E agora, João?

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