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Luiz Inácio Lula da Silva e Alexandre de Moraes na cerimônia de diplomação | Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE
Edição 143

Rumo ao Estado policial

A eleição acabou e Lula foi declarado vencedor pelo TSE, mas o petista e o ministro Alexandre de Moraes anunciam que a perseguição aos adversários vai continuar

J. R. Guzzo
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A cerimônia de diplomação de Lula pelo Tribunal Superior Eleitoral, apressada por uma antecipação de vários dias, reservada só para os seus devotos e protegida por tropa de choque, deveria ser um ato normal do processo de sucessão na presidência da República. Foi uma exibição grosseira, arrogante e mal-educada de ameaças. Nós ganhamos, disseram Lula e o presidente do TSE, quem votou no outro candidato é inimigo da pátria, está na nossa lista negra e não vamos admitir que nos faça oposição — não oposição de verdade. Não houve para eles uma eleição regular, livre e limpa, com a vitória natural de quem teve mais votos e o cumprimento das regras de alternância de poder. O que houve, conforme disseram em seus discursos, foi uma guerra contra a democracia, movida pelo presidente Jair Bolsonaro, e sua defesa heroica por parte do TSE e do candidato do PT. Quem votou em Lula foi um democrata que salvou o Brasil; quem votou contra foi um criminoso que queria criar uma ditadura no país. Disseram, também, que esse crime não acabou com a eleição. Segundo as ameaças feitas na cerimônia de diplomação, contestar o governo Lula também vai ser um ato contra a democracia, dependendo do que digam o sistema TSE-STF e o seu departamento de inquéritos criminais — que hoje governam o Brasil acima da Constituição, dos processos legais na justiça e dos direitos civis dos cidadãos. Vai haver punição. Vai haver repressão. Vai haver proibição, multa e cadeia. Já houve tudo isso, durante a campanha eleitoral. Agora a eleição acabou e Lula foi declarado vencedor pelo TSE, mas Lula e o ministro Alexandre de Moraes anunciam que a perseguição aos adversários vai continuar.

Alexandre de Moraes | Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

“Missão dada, missão cumprida”, disse a Moraes, no ato de diplomação, o integrante do TSE que mais militou a favor de Lula durante a campanha — foi, o tempo todo, um parceiro do ex-presidente, ou um subordinado que cumpria ordens, e não um magistrado. Você se lembra dele: é aquele sujeito a quem Lula distribui seguidos tapinhas de amor no rosto, numa festa em Brasília antes da eleição, já comemorando a vitória que o TSE iria providenciar. O que pode significar uma frase dessas? Nenhum dos dois vai sequer se preocupar com uma resposta, mesmo porque ninguém vai perguntar nada a eles. Mas depois da eleição mais viciada, suspeita e contestada que o Brasil já teve, pela recusa absoluta do TSE em aceitar a mínima discussão no seu sistema eletrônico, só usado no Butão e em Bangladesh, ou qualquer sugestão de melhoria, essa “missão” não parece ter sido o bom e inocente acompanhamento do processo eleitoral. Ao contrário, tem toda a cara de ser o conjunto de decisões que o TSE tomou, na campanha e na apuração dos votos, para colocar Lula na presidência da República. Se não foi isso, o que seria? O homem diria a mesma coisa, “missão cumprida”, se o TSE estivesse diplomando Bolsonaro como presidente? Alexandre de Moraes e seu tribunal, para completar a obra, não admitiram investigar, nem por cinco minutos, nenhuma das denúncias de fraude e irregularidades que receberam — como acreditar, com isso, na honestidade do processo? Ela foi destruída, sistematicamente, pela ação concreta do TSE durante toda a campanha. O ministro, na diplomação, disse que nenhuma fraude eleitoral foi constatada. É claro que não. Como poderia ter sido, se nenhuma queixa foi examinada? Foi o oposto: Moraes multou em R$ 23 milhões  quem fez a reclamação, uma punição sem precedentes na sua ilegalidade, na sua violência e na sua clara intenção de intimidar qualquer apelo à justiça. “Missão cumprida”, de fato.

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Não se pode falar em “consciência pesada” onde não há consciência, e sim interesse político em estado bruto — mas ficou evidente, na diplomação, a obsessão de Moraes e de Lula em falar que “a democracia” tinha vencido. Na verdade, quase não falaram em outra coisa. Se a democracia venceu, então o outro lado era contra a democracia — embora não se aponte um único fato objetivo capaz de demonstrar no que, exatamente, os eleitores de Bolsonaro ofenderam essa democracia. É como se os votos dados ao adversário fossem ilegais, contra o “Estado democrático de direito” e a favor de um “regime de exceção”; não lhes passou pela cabeça que existem no mínimo 58 milhões de brasileiros, ou 50% dos eleitores que votaram nesta eleição, que não concordam com eles e preferiam o outro candidato, como é normal em qualquer democracia. Por que isso? Por que a insistência desesperada em repetir, do começo ao fim da discurseira, que não houve uma escolha entre dois nomes, e sim o triunfo do “bem contra o mal”, de nós contra eles? Por que dizer, repetir e dizer de novo que o único resultado aceitável para a “democracia” era a declaração da vitória de Lula pelo TSE? Ficou a impressão de um acesso de ansiedade, de Lula e de Moraes, em encerrar o assunto. A “democracia” ganhou, certo? Não aconteceu nada de errado com nenhuma decisão do TSE. Não há motivo para nenhuma reclamação a respeito de nada. A lei não está sendo desrespeitada todos os dias pela ditadura do Judiciário. A eleição não foi roubada. Acabou, acabou.

Lula, o PT e a esquerda já começam a viver o velho sonho de chefiar no Brasil um Estado policial como o que existe em Cuba, onde quem protesta contra o governo é espancado pela tropa de choque, jogado numa cela e condenado a 15 anos de prisão

Mas dar a presidência de novo para Lula, após eliminarem a lei que determinava o cumprimento de suas penas na cadeia, e anulado as quatro ações penais contra ele, incluindo as condenações por corrupção e lavagem de dinheiro, não é suficiente para os donos do sistema TSE-STF. A cerimônia de diplomação deixou isso muito claro. Também vai ser proibido fazer oposição a Lula, principalmente com o povo na rua e o exercício do direito constitucional de livre manifestação. O novo presidente e os ministros do Supremo vão admitir, sim, discursinho de político que não dá em nada e que não vai ser publicado por ninguém na mídia; todo mundo, assim, faz de conta que a democracia está em pleno funcionamento. Já avisaram, porém, que vão denunciar, perseguir e enfiar na cadeia quem agir “contra a democracia” — o que transforma numa piada a liberdade política no Brasil. Quem vai decidir, na vida real, o que é e o que não é agir “contra a democracia”? O próprio Moraes e mais os colegas do STF — por conta própria ou por exigência de Lula e dos capitães-do-mato de sua força de “segurança”. Manifestação de rua, por exemplo, pode ser ato antidemocrático gravíssimo na hora em que o ministro disser que é. Conversar no WhatsApp também. Postar mensagens nas redes sociais também. Criticar os ministros do STF também. E ser contra o governo Lula? Também — cabe ao Supremo e ao próprio Lula decidirem o que pode e o que não pode ser feito pela oposição. Já está sendo assim. Moraes diz que vai ser mais ainda. Ele mostrou o seu desagrado, por exemplo, com as críticas que são feitas à imprensa “tradicional” — toda ela, há muito tempo, histericamente a favor de Lula e da ação política do STF. Falar mal da Rede Globo, pelo jeito, pode virar atentado à democracia. E o que mais? Nem Deus sabe.

Cerimônia de diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, como presidente e vice-presidente da República, respectivamente (12/12/2022)| Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Lula, o PT e a esquerda estão mergulhando de cabeça na repressão a quem não concorda com eles — antes mesmo da posse, em 1º de janeiro, já começam a viver o seu velho sonho de chefiar no Brasil um Estado policial como o que existe em Cuba, onde quem protesta contra o governo é espancado pela tropa de choque, jogado numa cela e condenado a 15 anos de prisão. Se funciona tão bem em Cuba, por que não aqui? Lula já ficou contra presos políticos cubanos que faziam greve de fome; achava que o governo não deveria atender a nenhuma de suas reivindicações. De lá para cá tornou-se mais radical, rancoroso e vingativo. Por que pensaria de outro modo depois de assumir a presidência? Seu ministro da Justiça, que usa boné do Exército de Cuba e desfila com a foice e o martelo no Carnaval, já deu um teaser do que vem aí pela frente. Não pronunciou até agora a palavra “justiça”; num país que fechará o ano de 2022 com mais de 40.000 homicídios não disse uma sílaba sobre o crime violento que é hoje a maior opressão imposta sobre a sociedade brasileira. Sua prioridade é perseguir os clubes de tiro e os caçadores — não vê problema nenhum no bandido que mata, mas quer jogar todo o peso da repressão contra quem atira num alvo de clube ou num marrecão-do-banhado. Não há absolutamente nenhuma questão de segurança pública envolvida nisso. Trata-se da mais pura e simples perseguição a gente que a esquerda identifica automaticamente como sendo “de direita” ou “bolsonarista” — pois quem tem arma legalmente registrada e não é “de direita” ou “bolsonarista”? Polícia neles, então. O novo ministro também ameaça quem chamar Lula de ladrão; segundo ele, é crime de injúria, pois não está em vigor neste momento nenhuma condenação penal contra o ex-presidente. Tudo bem. E dizer que Lula foi condenado como ladrão pela justiça brasileira, pela prática dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove magistrados diferentes — o da primeira instância, em Curitiba, os três desembargadores do TRF-4, de Porto Alegre, e os cinco ministros do STJ que deram a sentença final? Aí são fatos indiscutíveis e oficiais — e dá exatamente na mesma. Como é que fica, então: pode ou não pode? O ministro da Justiça de Lula, igualmente, propõe uma parceria público-privada com o complexo TSE-STF — a ideia é reprimir os protestos em frente aos quartéis.

O novo diretor da Polícia Federal será o chefe da segurança pessoal de Lula; só isso deveria desqualificar qualquer um para a função, sobretudo entre pessoas que se apresentam dia e noite como “republicanas”. Leva-se a sério, no “governo de transição”, um “estudo” sobre ataques a escolas que chama a atenção para a circunstância de que os autores desses delitos são “brancos” e “heterossexuais”. Há uma cobrança cada vez mais fanática, por parte da mídia que Alexandre de Moraes admira, por medidas de censura nas redes sociais e punição penal para quem se opõe ao governo Lula nas ruas. A onda é toda na mesma direção — proibir, criminalizar, prender. É isso que significa democracia, no Brasil de Lula, de Moraes e do STF.

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