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Mulheres mulçumanas vestindo burcas, trajes tradicionais do Afeganistão | Foto: Shutterstock
Edição 147

O silêncio sobre a guerra do Talibã contra as mulheres

Por que os progressistas ocidentais são tão relutantes em criticar a tirania islâmica?

Brendan O'Neill, da Spiked
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Duas imagens de homens estão gravadas na minha mente desde dezembro. Na primeira, rapazes corajosos prestes a se sentar para fazer um exame universitário no Afeganistão se levantam, pegam seus exames e saem da sala. Eles estavam protestando contra a obscena proibição imposta pelo Talibã de que mulheres frequentem a universidade. Foi um ato de solidariedade comovente, uma corajosa manifestação de consciência moral em uma nação em que você pode ser severamente punido por fazer isso. Os homens prejudicaram sua formação para se posicionar contra a horrível misoginia de seu governo.

Na segunda imagem, uma fileira de homens de Holyrood, o Parlamento escocês, aplaude, enquanto o projeto de lei de identificação de gênero de Nicola Sturgeon é aprovado. Os homens não se parecem em nada com nossos heróis afegãos modestamente vestidos. Suas vestes são excêntricas. Eles têm cabelos compridos e estranhamente coloridos. E nem se consideram homens — eles afirmam ser mulheres. E seu ato era o mais distante possível de um gesto de solidariedade. Eles comemoravam a aprovação de um projeto de lei que vai tornar ridiculamente fácil para um homem ser reconhecido como mulher do ponto de vista legal. Onde os valorosos afegãos estavam lutando pelos direitos das mulheres de adentrarem a esfera da educação, os sorridentes ativistas trans em Holyrood estavam lutando pelo direito de homens adentrarem espaços reservados a mulheres. O primeiro grupo quer que os direitos das mulheres se expandam; o segundo, que eles diminuam.

Que tipo de sociedade vira as costas para o massacre de centenas de mulheres iranianas pelo crime de quererem mostrar o cabelo em público só para se concentrar em dar a homens o direito de mostrar o pênis em espaços exclusivamente femininos?

Nada pode capturar melhor a degeneração moral do Ocidente moderno do que o contraste entre esses dois eventos no mês passado. É simplesmente vil que, enquanto mulheres eram expulsas das universidades no Afeganistão e reduzidas a cidadãos de segunda classe da maneira mais brutal, a questão que ocupava a mente dos supostamente virtuosos no Reino Unido fossem os direitos de homens afirmarem ser mulheres. Valorosos homens afegãos arriscam o pescoço pelo direito das mulheres de aprenderem ao lado deles. No Ocidente, homens cheios de virtudes, que declaram seus pronomes e são veganos, não colocam nada em risco pelo direito de um homem se despir ao lado de uma mulher.

Nicola Sturgeon tira uma selfie com a camiseta Choose Love, em Glasgow, Escócia (15/6/2018) | Foto: Oliver Wain/Shutterstock

Há uma sensação de “os últimos dias de Roma”. Apenas uma sociedade que se tornou profundamente descolada da razão e da racionalidade poderia dedicar tanta energia ao egocentrismo da ideologia de gênero. Apenas uma sociedade que se tornou totalmente míope pode falar tanto sobre “mulheres com pênis” enquanto mulheres de fato — sem pênis — no Afeganistão e no Irã estão sendo espancadas e assassinadas por exigirem direitos básicos. Que tipo de sociedade vira as costas para o massacre de centenas de mulheres iranianas pelo crime de quererem mostrar o cabelo em público só para se concentrar em dar a homens o direito de mostrar o pênis em espaços exclusivamente femininos?

Precisamos entender por que a vingança do Talibã contra as mulheres não repercutiu no Ocidente. Em dezembro, mulheres afegãs foram banidas das universidades e de trabalhar em ONGs. Sim, houve cobertura da mídia dessas atrocidades misóginas. Sim, houve condenação. Mas esses atos de tirania não agitaram a consciência dos progressistas ocidentais tanto quanto questões como os direitos trans ou a mudança climática. Em dezembro, a bolha descolada do Reino Unido se enfureceu muito mais contra as feministas radicais que se opuseram ao projeto de lei de Sturgeon do que com os desmandos sexistas do Afeganistão e do Irã.

A traição dos progressistas nos diz muito sobre os nossos tempos. Em primeiro lugar, há o fato de que não podemos mais definir o que é uma mulher. Como você pode oferecer solidariedade às mulheres se você não sabe o que elas são? Essas pessoas vão marchar com cartazes e dizer “Solidariedade para as pessoas no Irã que menstruam” ou “Defendam os direitos de quem tem útero no Afeganistão”? A demolição da linguagem tem consequências. Nesse caso, a consequência é roubar das pessoas a capacidade de entender a natureza da opressão específica do sexo em lugares como o Afeganistão e o Irã. Mentes confundidas pelo dogma de gênero perdem a habilidade de pensar com clareza sobre o sexo.

De fato, o culto trans é tão moralmente desequilibrado que ele acaba fazendo, de maneira mais sutil, o que o Talibã faz: apagar as mulheres. Não, ativistas trans não são iguais aos tiranos do Talibã. As mulheres no Reino Unido não sofrem nada parecido com a humilhante falta de liberdade que as mulheres no Afeganistão enfrentam. Ninguém se beneficia de minimizar os horrores do controle do Talibã fazendo uma comparação não apropriada com as bobagens que acontecem por aqui. No entanto, uma estranha vontade de apagar as mulheres da vida pública toma conta tanto dos ocidentais woke quanto dos islamistas orientais. O Talibã o faz com roupas pretas e leis brutais. Os neomisóginos do Ocidente o fazem por meio da manipulação da linguagem, de modo que até o uso da palavra “mulher” se tornou problemático. É preciso dizer “mulheres cis”. Ou “menstruadoras”. O Talibã apaga as mulheres para que os homens religiosos não se sintam ofendidos. Os descolados apagam a linguagem da condição da mulher para que homens que acham que são mulheres não se sintam ofendidos.

Escócia pede desculpas por leis homofóbicas do passado | Foto: Divulgação

E temos a calamidade do relativismo. A relutância do Ocidente em fazer julgamentos morais sem dúvida contribuiu com o relativo silêncio sobre o Afeganistão e o Irã. As pessoas se perguntam loucamente se as nossas sociedades de fato são melhores que as deles. Mona Eltahawy condena “mulheres brancas que celebram as mulheres iranianas”, pedindo-lhes para pensar nos “zelotes brancos e cristãos” em suas próprias nações. Isso faz eco aos comentários de Barack Obama em 2015 sobre o Ocidente não estar em condição de criticar a violência religiosa do Estado Islâmico: “Vamos descer do pedestal… Vamos lembrar que, durante as Cruzadas e a Inquisição, as pessoas cometiam atos terríveis em nome de Cristo”. O autodesprezo do Ocidente dificulta a solidariedade em relação aos povos oprimidos. O luxuoso antiocidentalismo dos ativistas privilegiados significa que eles nunca precisam levantar a voz pelas pessoas que enfrentam a opressão no presente. É uma covardia moral disfarçada de consciência histórica.

Os neomisóginos do Ocidente o fazem por meio da manipulação da linguagem, de modo que até o uso da palavra “mulher” se tornou problemático. É preciso dizer “mulheres cis”. Ou “menstruadoras”

O relativismo moral fica totalmente evidente em expressões como “islamofobia” e “hijabfobia” (ou seja, hostilidade em relação ao hijab). Aqui, o ato de emitir um julgamento moral é não apenas desencorajado, ele é patologizado. Critique o islamismo ou o véu, e você será taxado de fóbico — doente, descontrolado. Como os jovens criados com regras tão rígidas contra críticas ao Islã podem condenar as autoridades do Afeganistão e do Irã? É quase impossível se manifestar contra a misoginia do Talibã ou a imposição do véu no Irã sem desobedecer a pelo menos uma regra sobre questionar o Islã. Não podemos nos surpreender que as sociedades ocidentais inundadas com novas formas de lei de blasfêmia que proíbem qualquer reprovação ao islamismo tenham tão pouco a dizer quando governos islamistas se comportam de forma lamentável.

Mulher afegã perto da Mesquita Azul, na cidade de Mazar-i-Sharf, no Afeganistão | Foto: Shutterstock

Não, não precisamos de uma intervenção ocidental no Afeganistão. Já chega disso. Mas poderíamos ter mais solidariedade prática, verbal às mulheres de lá, e às mulheres no Irã, que estão enfrentando níveis intoleráveis de repressão preconceituosa. Sem dúvida devíamos nos perguntar como nos tornamos tão moralmente desorientados que não sabemos mais dizer o que é uma mulher, por que existem problemas no Irã, no que uma sociedade livre e igualitária como a nossa é melhor que uma sociedade reprimida e desigual como a do Irã ou a do Afeganistão. Ficou claro: nossa confusão moral é, cada vez mais, uma força destrutiva.


Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show.
Ele está no Instagram: @burntoakboy

Leia também “A verdade sobre o macarthismo da covid-19”

6 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Vivemos uma Sodoma e Gomorra da era digital. Resta saber quem será a esposa de Ló para virar estátua de sal.

  2. Giovani Santos Quintana
    Giovani Santos Quintana

    A sociedade se afastou de Deus e dos bons princípios familiares…o resultado está aí e vai piorar muito. VOLTEMOS!!!

  3. Uncle Sam
    Uncle Sam

    As cruzadas existiram para acabar com o massacre que os cristão vinham sofrendo por parte dos muçulmanos e não o contrário.

  4. José Mário
    José Mário

    Vamos ouvir a Ana Moser a esse respeito, no mínimo ela vai responder game over…

  5. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Acredito sinceramente que o mundo está doente e que necessita um turning point urgentemente, Ou estamos próximos do fim; o fim de uma era.

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