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Manifestantes presos no ginásio da Academia Nacional da Polícia Federal | Foto: Reprodução
Edição 148

Prisões antidemocráticas

Tristeza e até tentativa de suicídio marcam a passagem de mais de mil detidos na Papuda e na Colmeia

Cristyan Costa
Rute Moraes
Rute Moraes
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Aflição, angústia, sensação de insegurança e até tentativa de suicídio. Essa tem sido a rotina dos mais de mil manifestantes presos há dez dias, em Brasília. O grupo divide-se em dois: mulheres na penitenciária da Colmeia, e homens, na Papuda. Tudo isso não se parece em nada com o “Brasil feliz de novo”, prometido pelo candidato Lula, durante as eleições, ou ao ambiente de pacificação, volta e meia defendido pelo agora presidente, em vários discursos.

Nesta semana, 335 pessoas foram libertadas. As demais continuam sem saber quando — e se — vão deixar o cárcere. As incertezas começam já no dia em que os manifestantes foram presos. Isso porque muitos estavam em um acampamento montado em frente ao Quartel-General (QG) do Exército em Brasília. O advogado Alex Flexa, que atende famílias dos detidos, conta que muitas pessoas foram surpreendidas com a chegada da Polícia Federal (PF), na manhã da segunda-feira 9. “Havia cozinheiras voluntárias que vieram ajudar o pessoal, e acabaram detidas com os outros”, disse. “As pessoas estavam desorientadas.”

Polícia desmonta barracas dos manifestantes | Foto: Montagem Revista Oeste/Guarda Civil BH

Naquele dia, a PF cumpriu uma série de mandados judiciais, expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado colocara todos os manifestantes como investigados no Inquérito 4879, que trata dos supostos atos antidemocráticos. O procedimento é considerado inconstitucional por vários juristas. Quase 1,5 mil pessoas acabaram detidas em um ginásio da Academia da PF, não muito longe do QG. Depois de 12 horas no local, com denúncias de descaso e insalubridade, a PF liberou crianças e idosos acima de 60 anos — alguns precisaram de atendimento médico.

Com o desdobramento dos fatos, advogados de todo o Brasil se prontificaram a fazer a defesa dos detidos, alguns, a custo zero, como é o caso dos membros do Movimento Advogados de Direita do Brasil. O grupo está oferecendo assistência jurídica gratuita aos presos. A comunicação com os manifestantes é feita por meio desses profissionais, que têm acesso às penitenciárias e trazem notícias às famílias.

O ginásio, a Colmeia e a Papuda

Foto: Reprodução

A defesa das famílias disse que, inicialmente, os policiais informaram aos manifestantes que todos iriam à rodoviária. O destino, contudo, foi o ginásio. “O local não tinha estrutura para receber todo mundo”, afirmou o advogado Samuel Magalhães, responsável pela defesa de manifestantes. “Não havia banheiros o suficiente, água, tampouco alimentação.” Médicos chegaram apenas no período da tarde. De acordo com o advogado, a comida só foi servida às 17h30 — todos deixaram o GQ às 7h30.

A versão de Magalhães é a mesma de Cláudio Caivano, que também advoga para as famílias. Ele acrescentou que havia muita gente passando mal, inclusive idosos. O atendimento médico só foi chegar no período da tarde.

O Ministério Público Federal (MPF) negou as informações num relatório segundo o qual o ginásio tinha condições de abrigar as pessoas.

“Somente por volta das 20h30, a PF começou a qualificar as pessoas e avisou aos advogados que iria prender todos os manifestantes”, explicou Magalhães. “Participei de algumas tratativas para liberar os maiores de 60 anos, pessoas com comorbidades e os menores de idade. O delegado aceitou isso e conseguimos liberar algumas pessoas.” O advogado contou que havia delegados que não sabiam muito bem o que estava acontecendo.

Para dormir, houve muita dificuldade. Muita gente acabou ficando no chão. Durante todo aquele dia, houve até mesmo tentativa de suicídio, evitada pelas pessoas ao redor. As imagens foram gravadas pelos próprios manifestantes, que ficaram com o celular até o momento em que o processo de ida à Colmeia e à Papuda iniciou.

Ônibus levando manifestantes para o Ginásio da PF, em Brasília (09/01/2023) | Foto: Reprodução

A prisão dos manifestantes começou na madrugada da terça-feira 10. Depois de todos estarem presos, Magalhães foi à Colmeia visitar duas clientes. “Elas relataram que, ao dar entrada no sistema penitenciário, foram obrigadas a tirar a calcinha e o sutiã”, revelou o advogado. “Uma delas estava em período menstrual e, apesar de ter recebido absorventes, não tinha como usar.”

A primeira noite foi terrível. A mulher dormiu no chão, porque as camas estavam quebradas, e queixou-se ao advogado da superlotação. Na Papuda, Magalhães ouviu relatos de que 18 homens dividiam uma cela para oito.

No caso das mulheres, o ministro do STF Gilmar Mendes, a pedido da Defensoria Pública do Distrito Federal, soltou 85 presas que cumpriam pena em regime semiaberto, para acomodar as manifestantes.

A Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal afirmou que não houve superlotação das celas e que os manifestantes estão separados do restante da massa carcerária.

Lucas Amaral advoga para oito manifestantes presos, dos quais cinco são mulheres e três, homens. “Eles não sabiam por que estavam indo para a cadeia no momento em que a PF chegou”, disse. Segundo Amaral, os presos participaram das manifestações, mas não se envolveram na quebradeira que tomou conta das sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Conforme ele, o clima na Papuda e na Colmeia é de tristeza e incerteza.

Abusos

Martelo de juiz quebrado
Foto: Valery Evlakhov/Shutterstock

O processo de prisão teve três fases, que começaram no ginásio: 1) revista; 2) identificação; 3) oitiva para lavrar o pedido de prisão em flagrante (aqui, a polícia recolheu os aparelhos). Nesse ínterim, nenhum familiar foi notificado pela Justiça sobre o que ocorria. Aos poucos, os advogados voluntários iam conhecendo melhor os clientes e tentando falar com parentes.

Na terceira etapa, cada pessoa respondeu a um questionário redigido pelo STF. Depois disso, precisaram assinar uma “nota de culpa”, que previa os seguintes crimes: “Dos artigos previstos nos artigos 2°, 3°, 5° e 6° (atos terroristas, inclusive preparatórios) da Lei 13.260, de 16 de março de 2016, artigos 288 (associação criminosa), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de Estado), 147 (ameaça), 147-A, § 1°, III (perseguição), 286 (incitação ao crime), além de dano ao patrimônio público (artigo 163, III), todos do Código Penal”.

ministros do stf
Sessão do STF | Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A defesa dos manifestantes afirmou que seus clientes poderiam ser enquadrados apenas nas seguintes infrações: 1) vandalismo; 2) dano ao patrimônio; 3) e crimes contra o Estado Democrático de Direito. Todos esses preveem penas menores, em caso de condenação na Justiça. Depois dessa triagem, os prisioneiros foram divididos em grupos de homens e mulheres e encaminhados à prisão.

Outro dado é referente à audiência de custódia. Os presos no domingo 8, durante o ato, deveriam tê-la no dia seguinte. Os detidos na segunda-feira, precisariam ser ouvidos na terça-feira. As audiências só começaram na quinta-feira e terminaram na sexta-feira. “Essas prisões são ilegais, pois a audiência de custódia para prisão em flagrante tem de ser realizada em 24 horas”, afirmou Hellen Costa, uma das advogadas. “Isso não foi respeitado.”

Durante o processo, os juízes dessas audiências não tinham poder para liberar os manifestantes. Essa competência permaneceu o tempo todo nas mãos do STF. “Na audiência de custódia, o juiz tem de ter a autonomia de avaliar se aquela pessoa possui os requisitos para responder ao processo em liberdade”, constatou o advogado Magalhães. “Estamos vivendo uma insegurança jurídica que nunca vimos antes no Brasil”. Na quarta-feira 18, Moraes iniciou as análises das situações dos presos. O juiz do STF concedeu liberdade provisória a 60 pessoas e converteu a prisão em flagrante de 140 pessoas em prisão preventiva.

Permanecem presas, e na incerteza, mais de mil pessoas.

Penitenciária feminina do Distrito Federal, conhecida como “Colmeia” | Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

Leia também “Brasília, 8 de janeiro de 2023”

12 comentários
  1. João Jacob de Araújo
    João Jacob de Araújo

    Esses crimes cometidos contra a Constituição Artigo 5° e 220° por autoridades é algo inaceitável. Precisa responsabiliza-los criminalmente por esses abusos criminosos.

  2. Mamede Bushen
    Mamede Bushen

    Não existe Estado de Direito nem democracia há muito tempo. Democracia, então, nem se fala. Não tem mais Constituição e um tribunal de exceção é quem comanda o país e dá apoio junto com as Forças Armadas para perseguirem, prenderem e torturarem os cidadãos de bem que sustentam essa merd* que o país se transformou.

  3. Ana Paula Leite
    Ana Paula Leite

    Muito triste tudo o que aconteceu. Pessoas que foram à manifestação mas que não participaram dos atos de vandalismo estão sendo tratadas como terroristas. Deve ser desesperador. Só Deus tendo misericórdia dessas pessoas para que possam ser liberadas.

  4. João José Augusto Mendes
    João José Augusto Mendes

    A Podridão Federal associada à Suíça de Tranqueiros Sábados vá destruir o país.

    Lembrem disso no próximo 7 de setembro e fiquem de costa para o desfile da PF e Frouxzs Armadss

  5. Rosely de Vasconcellos Meissner
    Rosely de Vasconcellos Meissner

    Erros de processo só valem para descondenar os criminosos

  6. alexandre alvetti malherbi
    alexandre alvetti malherbi

    “Na quarta-feira 18, Moraes iniciou as análises das situações dos presos. O juiz do STF concedeu liberdade provisória a 60 pessoas e converteu a prisão em flagrante de 140 pessoas em prisão preventiva.” A reportagem comete equívoco ao se referir ao Sr. Moraes como juiz. É ministro da corte com notório saber jurídico ….

  7. David Peixoto Sampaio
    David Peixoto Sampaio

    Até quando Brutus, viveremos nesse Estado Frankenstein criado pela Cúpula? Tomara que a criatura se volte contra o criador, parece que é o que nos resta torcer.

  8. Joel Luiz Oliveira Rios
    Joel Luiz Oliveira Rios

    pela nossa constituição o poder judiciário é pra ser um poder moderador atuando de forma a apaziguar as possíveis discordias entre os demais poderes da república, mas de uns tempos pra cá, o que vemos por parte do judiciário é a usurpação das atribuições dos demais poderes, e se sobrepondo aos demais de forma totalmente incontitucional sob o argumento de manutenção da democracia e do estado democrático de direito, mas sempre na contra mão do que prevê a constituição. Onde chegaremos se a prática continuar certamente não no lugar de paz, harmonia entre os poderes, e muito menos na democracia que dizem querer. Que doravante possa haver uma reflexão por parte de quem de direito, e que os poderes constituidos passem a atuar nos limites de suas competèncias, para que voltemos à normalidade democrática, paz e harmonia sonhada por todos os brasileiros. É uma questão tão somente de bom senso de todos que são autoridades neste país. Que assim seja.

    1. Carlos F Menz
      Carlos F Menz

      Disparates. Constituição estuprada.

    2. Claudia
      Claudia

      Não é não, embora tenha recentemente se outorgado esse poder.
      Nenhum poder pode moderar a disputa entre ele e os outros 2, por óbvio conflito de interesses.

  9. ROBERTO MIGUEL
    ROBERTO MIGUEL

    nosso Hitler tupiniquim só pensa em poder absoluto, nada mais, leis são um pequeno detalhe que só os amigos ou clientes de advogados amigos tem direito.

    1. Mara Nadia Jorge Mattos
      Mara Nadia Jorge Mattos

      Isso é democracia, onde não se respeita as leis, o devido processo legal? O nome do q vivemos hj é DITADURA.I7

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