Pular para o conteúdo
publicidade
Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 151

O tempo em que o BNDES foi realmente dos brasileiros

Durante os último quatro anos, a instituição funcionou realmente como um banco nacional de desenvolvimento. E não como um caixa destinado a financiar a infraestrutura de países 'amigos' dos governos petistas

Loriane Comeli
-

Depois de pouco mais de quatro anos sem nenhuma denúncia de corrupção e sem enviar qualquer dólar para financiar obras no exterior, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai voltar a investir em infraestrutura de países “amigos”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já anunciou o primeiro financiamento: US$ 600 milhões para um gasoduto na Argentina.

Militante antigo do PT, o novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, acha a ideia espetacular. Isso deve levar o banco estatal a repetir o fiasco vivido até 2016, quando cerca de 80 obras em 15 países — como o Porto Mariel, em Cuba, e o metrô de Caracas — foram agraciadas com mais de US$ 10 bilhões. A maioria dos financiamentos foi liberada nos governos de Lula e Dilma Rousseff e para governos de esquerda. Os governos de Cuba, da Venezuela e de Moçambique deram calote e devem mais de US$ 1 bilhão ao Brasil.

Embora o BNDES tenha sido criado como um banco para o desenvolvimento nacional e, nas diretrizes da estatal, conste como meta o desenvolvimento sustentável “brasileiro”, ele está autorizado a fazer operações no exterior. Elas começaram a ser feitas ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas se tornaram corriqueiras nos governos do PT. Segundo o BNDES, o programa de financiamento à exportação de serviços de engenharia — como é chamada a modalidade de dar dinheiro aos países “amigos” — foi criado em 1998.

Desde o fim do mandato de Dilma, com o impeachment, em agosto de 2016, o banco estatal encerrou esse tipo de política, que já foi considerada a “caixa-preta do BNDES”. Depois disso, o banco se concentrou em projetos nacionais, financiando principalmente obras de infraestrutura. Nos últimos quatro anos, no governo de Jair Bolsonaro (PL), o BNDES destinou mais de R$ 120 bilhões para infraestrutura e perto de R$ 36 milhões para projetos de indústria, comércio e serviço e agronegócio.

Embora os quase R$ 160 bilhões sejam um valor inferior ao investido no segundo mandato de Lula (cerca de R$ 250 bilhões) e no primeiro de Dilma (quase R$ 370 bilhões), outros fatores devem ser observados. Durante os governos petistas, duas comissões parlamentares de inquérito (CPI) foram instauradas para investigar fraudes e desvios no BNDES, especialmente em obras no exterior e os contratos de financiamento de obras da Petrobras, palco do Petrolão. A petrolífera obteve mais de R$ 60 bilhões em financiamentos do banco estatal até 2018 e, de acordo com a CPI da Petrobras, houve superfaturamento em pelo menos um deles, a Refinaria Abreu e Lima.

Já em projetos para o desenvolvimento nacional — a verdadeira missão do BNDES —, o banco financiou mais de R$ 45 bilhões em infraestrutura em 2022, o quarto maior volume de recursos para o setor desde 2002. O valor só fica atrás do investido em 2009 (aproximadamente R$ 47 bilhões), 2014 ( quase R$ 46 bilhões) e 2012 (mais de R$ 61 bilhões).

O setor rodoviário também recebeu financiamentos que superaram a casa dos bilhões nos últimos quatro anos: foram mais de R$ 10 bilhões para rodovias

Em que o BNDES investiu nos últimos quatro anos? A lista de obras é extensa. Os maiores volumes foram destinados a projetos de energia renovável, concessão de rodovias, metrô em São Paulo, aeroportos e ao programa de concessão de água e esgoto instituído pelo Marco Regulatório do Saneamento Básico, de 2020.

No governo de Bolsonaro, a maior quantia em infraestrutura foi para a Águas do Rio, em 2022, empresa que venceu leilões de privatização de água e esgoto em 27 municípios do Rio de Janeiro. O banco destinou mais de R$ 19 bilhões para investimento e pagamento da outorga fixa. Um ano depois do leilão, a concessionária apresentou um balanço mostrando que cerca de 250 mil pessoas passaram a receber água encanada de qualidade pela primeira vez. Também foram construídos 160 quilômetros de novas tubulações nas redes de água na região metropolitana e no interior, além de ter sido feita uma limpeza inédita num trecho de 2,4 quilômetros da tubulação de esgoto da orla de Copacabana.

Na Região Nordeste, o BNDES financiou R$ 550 milhões para a BRK Ambiental, vencedora do leilão de água e esgoto na região metropolitana de Maceió. No Sul, a Sanepar, Companhia de Saneamento do Paraná, obteve financiamento de quase R$ 570 milhões.

Para a privatização de aeroportos, o BNDES concedeu, nos últimos quatro anos, cerca de R$ 1,5 bilhão para a Aeroportos Nordeste; R$ 600 milhões para a Aeroportos da Amazônia; R$ 550 milhões para a Aeroporto Sudeste; e quase R$ 320 milhões para a Aeroeste fazer investimentos em terminais em Mato Grosso.

O setor rodoviário também recebeu financiamentos que superaram a casa dos bilhões nos últimos quatro anos: foram mais de R$ 10 bilhões para rodovias. Considerando apenas financiamentos superiores a R$ 100 milhões, a Ecovias Araguaia obteve cerca de R$ 4 bilhões, para investimento no Programa de Exploração de Rodovias (PER), desenvolvido em parceria com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Em seguida, os maiores volumes foram para as concessionárias Eixo (R$ 3 bilhões) e Rodovias Integradas (mais de R$ 1 bilhão).

No transporte ferroviário, os investimentos em quatro anos somam quase R$ 14 bilhões — tudo para o Estado de São Paulo. Foram mais de R$ 4,5 bilhões para a concessionária das Linhas 8 e 9 do sistema de trens metropolitanos de São Paulo. Para a Linha 6, o BNDES liberou quase R$ 7 bilhões à concessionária Linha Universidade, em 2021, e R$ 1,5 bilhão ao governo de São Paulo, em 2022. Para investimentos ferroviários na linha tronco, o banco repassou R$ 680 milhões à Rumo.

O setor rodoviário também recebeu financiamentos que superaram a casa dos bilhões | Foto: Stefan Lambauer/Shutterstock

Energia

Entre os investimentos superiores a R$ 100 milhões em 2022, há dezenas deles destinados à geração de energia elétrica, eólica, solar e a melhorias na distribuição de energia em vários Estados. Para a construção e a ampliação de centrais eólicas, o BNDES liberou, nos últimos quatro anos, mais de R$ 8 bilhões.

Entre os maiores projetos, estão os Parques Ventos São Januário, que fazem parte do complexo eólico Babilônia Sul, na Bahia. O banco estatal financiou quatro dos cinco parques do complexo, destinando mais de R$ 1 bilhão. Essas quatro unidades têm capacidade para atender 700 mil residências. O BNDES liberou outros R$ 910 milhões para o complexo eólico Umari, no Rio Grande do Norte, que deve ficar pronto em 2024.

Em energia solar, o BNDES investiu quase R$ 4 bilhões nos últimos quatro anos. O maior projeto foi a construção de 14 usinas fotovoltaicas no município de Janaúba, Minas Gerais, com capacidade para atender mais de 900 mil residências. Segundo o banco estatal, que destinou financiamento de R$ 1,5 bilhão ao projeto, é o maior complexo de energia solar em construção da América Latina.

Também foi financiada a instalação de unidades fotovoltaicas da Engie, na Bahia (R$ 1,5 bilhão); da Ribeiro Gonçalves, no Piauí (R$ 705 milhões); da Alsol, em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro (R$ 700 milhões); e da Alex New Energies, no Ceará (R$ 450 milhões).

O BNDES destinou R$ 6 bilhões para a construção de usinas termelétricas movidas a gás natural no Rio de Janeiro. Também houve investimento superior a R$ 2 bilhões para obras de ampliação da rede e distribuição das concessionárias de energia elétrica.

Para a construção e a ampliação de centrais eólicas, o BNDES liberou, nos últimos quatro anos, mais de R$ 8 bilhões | Foto: Divulgação/Engie

Indústria, comércio e agronegócio

No setor industrial, houve aportes de R$ 20 bilhões em quatro anos, usados, na maior parte dos casos, para a ampliação de instalações e aquisição de máquinas. Entre os maiores financiamentos, estão valores destinados à Klabin e à Suzano, gigantes da celulose; à Dardanelos, do setor de mineração; à Companhia Brasileira de Alumínio; e à Intelbras.

Em comércio e serviço, o BNDES repassou, em quatro anos, R$ 12 bilhões. O maior volume de recursos foi de R$ 5 bilhões, em 2021, em um contrato com a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e o Banco Nacional de Desenvolvimento do Extremo Sul.

Os outros repasses, que não superaram os R$ 400 milhões, foram, principalmente, para que empresas e associações, incluindo cooperativas e hospitais, adquirissem máquinas, equipamentos, materiais e até mesmo capital de giro. Nessa linha de financiamento, alguns Estados e diversos municípios e entidades governamentais obtiveram recursos para projetos específicos, como modernização da administração ou segurança pública. O Amazonas, por exemplo, conseguiu R$ 30 milhões, para desenvolver um cadastro ambiental rural.

O agronegócio recebeu o menor volume de recursos — R$ 3,5 bilhões. Os maiores aportes foram para dois programas florestais de celulose — um de R$ 1,7 bilhão, da Suzano, e outro de R$ 200 milhões, da Veracel, da Bahia. Cooperativas e empresas da agroindústria também figuram na lista, especialmente com projetos para armazenamento de grãos, ampliação de unidades e aquisição de equipamentos.

No setor industrial, houve aportes de R$ 20 bilhões, usados, na maior parte dos casos, para a ampliação de instalações e a aquisição de máquinas | Foto: Shutterstock

Petrolão

Embora os governos Dilma e Lula tenham destinado valores maiores a financiamentos nacionais do BNDES, parte deles foi feita por meio da Petrobras, com suspeitas e, em alguns casos, comprovação de superfaturamento para pagamento de propina. De acordo com o BNDES, até 2018 foram destinados mais de R$ 68 bilhões à Petrobras.

Um dos contratos questionados foi o da Refinaria Abreu e Lima, a Rnest, em Pernambuco. Segundo a CPI da Petrobras, houve superfaturamento de US$ 4,2 bilhões na obra, iniciada em 2009 — que teve custo total de US$ 18 bilhões.

Diretores da Petrobras e de empreiteiras envolvidas na construção da refinaria — Odebrecht, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão —, em acordo de delação premiada, confirmaram a corrupção e o pagamento de propina para políticos do PT e de partidos aliados, como o PSB e PP. Mais uma prova que confirma a forma como o petismo lida com o dinheiro público.

Até 2018, foram destinados mais de R$ 68 bilhões à Petrobras | Foto: Divulgação/Agência Petrobras

Leia também “O líder dos cucarachas

9 comentários
  1. R.F. Nobre
    R.F. Nobre

    Infelizmente, a realidade é que a mídia “popular” não faz reportagens desse quilate, pois não dá ibope e, faltou comunicação/informação do governo anterior.

  2. Otacílio Cordeiro Da Silva
    Otacílio Cordeiro Da Silva

    Caro Jason, boa tarde. Entendo o seu posicionamento, mas, vindo de onde vem, qualquer ação é sempre suspeita. Além do mais, o povo não entende de critérios técnicos, nem eu, mas o que se torna visível para todos é que a coisa sai de um lugar para outro. E isso fere de alguma forma o senso comum de todos. Sabemos que muita gente que ganhou na loteria quebrou depois, justamente por querer carregar nas costas os amigos, parentes e outros tipos de necessitados. Não estamos com essa bola toda não.

  3. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    A volta dos quadrilheiros

  4. Zulimar Marrara
    Zulimar Marrara

    Bom artigo. Parabéns. A transparência a respeito de tudo que foi feito e que a imprensa venal escondeu durante 4 anos.

  5. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Pois é Loriane,perdemos o BNDES.Essa instituição que ajudou milhares de brasileiros a fomentar empregos e empresas,já pertence ao amigo do amigo e de mais um amigo.

  6. Humberto Atilio Bertolini
    Humberto Atilio Bertolini

    Que saudades de ministérios técnicos! E voltamos a ter essa praga daninha que vai fazer obras no exterior que são necessárias no Brasil. Não têm gás no Brasil que é injetado de volta por não ter gasoduto? Qual é a diferença de fazer no Brasil então? É muito mais vantajoso: emprega mão de obra brasileira, aproveita o gás brasileiro E portanto não precisa importar o que prejudica a nossa balança e ainda por cima contrata construtoras nacionais em território brasileiro. Definitivamente Lula é um estúpido e o PT uma corja de imbecis com interesses não patriotas!

  7. COLETTO ASSESSORIA EM SEGURANÇA DO TRABALHO LTDA
    COLETTO ASSESSORIA EM SEGURANÇA DO TRABALHO LTDA

    REALMENTE DÁ DÓ !!!
    VOLTARMOS A ESTA SITUAÇÃO DE TRAZER DESEVOLVIMENTO EM PAISES AMIGOS E NÃO NO BRASIL, SEM FALAR NO CALOTE.

  8. Daniel BG
    Daniel BG

    O BNDES tinha de ter autonomia igual ao BC.

  9. Jason Nascimento Neto
    Jason Nascimento Neto

    Boa tarde.

    A matéria publicada acerca dos contratos firmados pelo BNDES apenas dizem o destino das verbas dos financiamentos, o volume dos recursos, etc., etc, etc.

    Desculpe-me, entendo que a questão dos empréstimos é muito mais profunda do que os dados divulgados na pesquisa da reportagem, pois antes de dizer o destino dos empréstimos deveria afirmar com base na lei que criou o banco estatal se a sua finalidade de fomento está sendo ou não atendida.

    Perdoa-me, mas essa revista deveria voltar ao assunto para deixar bem claro aos olhos de seus assinantes se as finalidades do banco estão sendo ou não alcançadas com a nova administração e seus atuais projetos de investimentos, principalmente quando é notória a informação de que está em curso o plano de voltar a conceder empréstimos para financiar obras no exterior.

    Uma clara e objetiva opinião jurídica sobre o assunto seria bem vinda.

    Com o melhores cumprimentos.

Anterior:
Valentina Caran: ‘Além de ser honesto, o corretor precisa ser esperto’
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 209
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.