O azeite, apreciado por suas qualidades na dieta mediterrânica, é consumido cada vez mais. São mais de 3,3 milhões de toneladas anuais, produzidas em 64 países. Na Espanha, maior produtor mundial, os subsídios governamentais ao olivicultor alcançam um terço do valor da produção! Os gregos são os maiores consumidores: cerca de 23 quilos de azeite por habitante/ano. O Brasil é o segundo consumidor e importador mundial: cerca de 90.000 toneladas de azeite e 120.000 toneladas de azeitonas de mesa. Só perde para os Estados Unidos, responsáveis por 36% das importações mundiais.
Com a pesquisa e o empreendedorismo dos agricultores, cada vez mais, o Brasil planta oliveiras e produz azeites de excelente qualidade. Os países produtores na América do Sul são Chile, Argentina, Uruguai, Peru e agora também o Brasil. Aqui a olivicultura tem uma longa história, desde os anos de 1940. A Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) foi pioneira nas pesquisas e desenvolveu as primeiras e únicas oito cultivares de oliveiras brasileiras, registradas no Ministério da Agricultura.
Em regiões montanhosas, como na Serra da Mantiqueira, ou no Sul, os produtores encontram as 300 horas abaixo de 12º necessárias para induzir a floração e a produção de azeitonas. Em 9 de fevereiro ocorreu a XI Abertura da Colheita da Oliva, no município gaúcho de Encruzilhada do Sul. No Rio Grande do Sul, a área cultivada já é de cerca de 6 mil hectares. São 321 produtores, e Encruzilhada do Sul possui mais de mil hectares, a maior área plantada com oliveiras no Brasil, onde a área total aproxima 10.000 hectares.
A oliveira, a árvore eterna, é muito persistente. Sua capacidade de regenerar-se com vigor, mesmo se podada, cortada ou queimada, rebrota até a partir das raízes, é uma representação da perseverança. Com sua folhagem perene, ela resiste ao inverno sem queda de folhas e se destaca em meio à vegetação. Elogiada por Ulisses na Odisseia, de Homero (Canto VII), a perenidade da folhagem, as tonalidades dos frutos, o prateado das folhas e o ouro líquido do azeite conferem riqueza simbólica à oliveira: paz (pomba bíblica com ramo de oliveira), fecundidade, purificação, iluminação, força, vitória e recompensa. Uma coroa de oliveira selvagem, kotinos, cujos ramos eram cortados com uma tesoura dourada, era o prêmio do vencedor nos antigos Jogos Olímpicos e dos soldados triunfantes em Roma. Dois ramos de oliveira envolvem o globo terrestre no emblema das Nações Unidas! Não é pouco.
A altura das oliveiras é da ordem de 5 metros e chega a 20 metros, sem podas. Pode viver mais de um século. Em Creta há árvores milenares e, talvez, uma das mais antigas, com cerca de 3.000 anos, no vilarejo de Pano Vouves. Milenar é a oliveira ao lado da Sé Velha, em Coimbra, uma das mais antigas igrejas de Portugal (1162). Todas vegetam e produzem azeitonas.
A azeitona é uma drupa, como o pêssego e a manga. Tem baixo teor de açúcar (2,6% a 6%) e contém um princípio amargo, a oleuropeína. Seus frutos não são diretamente comestíveis. As azeitonas de mesa, de intenso sabor, passam por um longo tratamento pós-colheita: a “queima” da oleuropeína com soda cáustica (hidróxido de sódio), a lavagem, a salmoura com sal, ácidos e bactérias láticas para fermentar por 90 a 120 dias, a última lavagem e o envase. Quando o destino das azeitonas é a produção de azeite, elas são esmagadas imediatamente após a colheita.
O azeite é rico em polifenóis, poderosos antioxidantes, eficazes contra o envelhecimento. Seu consumo traz benefícios atestados à saúde: redução de doenças cardiovasculares, da incidência do mal de Alzheimer e do envelhecimento cutâneo
“Azeite de oliva” é um pleonasmo. O azeite é sempre de oliva. O resto são óleos: de soja, algodão, milho etc. Há duas raízes nas palavras: óleo, oliva, oliveira, azeitona e azeite. Óleo, do cretense elaiwa, deriva do semítico ulu. Tornou-se oleum em latim e oli nas línguas romanas, como olio em italiano. Azeitona, zait em hebraico, também de origem semítica, tornou-se zaitum em árabe e azeitona em português. Os mouros designavam o sumo da azeitona az zait ou azeite, em português e espanhol. Oliveira, Olivier, Oliveros, Olivença e Oliva são nomes e sobrenomes nos países latinos. Eles nomeiam municípios em Minas Gerais (Oliveira), Alagoas (Olivença) e Bahia (Oliveira dos Brejinhos).
Para a mitologia grega, a oliveira surgiu de uma disputa entre Atena (Minerva), a deusa da sabedoria, e Poseidon (Netuno), o deus do mar e dos rios, sobre qual a melhor proteção para uma nova cidade e seus habitantes. Para resolver essa disputa, Zeus (Júpiter) propôs a cada um oferecer o seu dom protetor. Os humanos decidiriam. Poseidon brandiu seu tridente, tocou uma rocha e surgiu um magnífico cavalo. Ele carregaria cavaleiros com suas armas, puxaria carros, arados e seria decisivo nas batalhas. Atena tocou a terra com sua lança e surgiu uma árvore florida, a oliveira. Ela forneceria alimento, unguento para ferimentos, óleo para lâmpadas e cozinha. Sempre verde, essa árvore seria eterna. Ela foi aclamada como o dom de maior utilidade. Atena obteve com ela a proteção e deu seu nome à cidade: Atenas. Os rebrotes de oliveira no entorno da Acrópole seriam descendentes da oliveira de Atena. Dizem. Nas mais belas fontes da Europa, em meio a jatos d´água, entre cavalos, ainda Poseidon ergue seu tridente.
Para a ciência, as origens distantes da oliveira (Olea europaea L.) remontam ao Terciário, quando o entorno do Mediterrâneo arcaico (Mar de Tétis) era cercado de espécies tropicais e subtropicais. Estudos paleobotânicos indicam nessa época a presença de uma espécie do gênero Olea, provável ancestral da oliveira. À família Oleacea pertencem oliveiras, jasmins e diversas plantas ornamentais e odoríferas. No Paleolítico Superior, entre 35.000 e 10.000 a.C., há vestígios do oleastro (Olea oleaster L.). A madeira dessa oliveira selvagem era usada no Neolítico por humanos como combustível e achada em contextos arqueológicos domésticos e funerários. Ainda hoje, serve de lenha em Portugal, Espanha, Norte da África e Ásia Menor.
O oleastro, presente nas paisagens naturais mediterrânicas, é conhecido em Portugal como oliveira-brava, da rocha ou zambujeiro. A exploração proto-histórica dos frutos ocorreu com a sedentarização no Mediterrâneo Ocidental, pois exige cinco anos para produzir. Ela foi selecionada progressivamente nos sistemas agrícolas, domesticada e deu origem à oliveira cultivada (Olea europaea L. var. sativa) na Idade do Bronze. O cultivo mais intensivo é atestado pelo aumento de seu pólen nas amostras paleobotânicas.
Creta foi um dos berços das variedades de oliveira atuais. Cretenses (Grécia), fenícios (Líbano) e fócios (Turquia) tiveram papel decisivo na difusão das oliveiras mais produtivas em grande parte do Mediterrâneo (Córsega, França, Sicília, Espanha…). Eles foram o primeiro povo do mundo a cunhar e usar moedas, numa liga de prata e ouro com a efígie de uma foca. Seu nome provém desse animal, símbolo de Fócea, sua cidade (Foça na Turquia). Hoje, a foca monge ou foca do Mediterrâneo está ameaçada de extinção. Todas as civilizações mediterrânicas (egípcios, cretenses, gregos e romanos) tiveram um papel na difusão e na implantação das oliveiras.
Desde o século 9 a.C., o azeite servia como combustível para iluminação artificial. Oleiros fenícios inventaram e difundiram a lâmpada a óleo. Os romanos o utilizaram para fins medicinais, em pomadas aplicadas em ferimentos e sobre a pele como protetor solar. Eles aperfeiçoaram o cultivo das oliveiras e foram os primeiros a classificar o azeite em função dos diferentes tipos de prensagem. O azeite era relativamente caro e consumido pelos mais ricos. Os pobres usavam banha e toucinho.
Na Idade Média ampliaram-se irrigação, enxertia e poda para melhorar a qualidade e aumentar a produtividade. Além de autores cristãos, médicos e agrônomos árabes, como Ibn Butlan (Bagdá) e Ibn Alwan (Sevilha), atestam o uso dessas técnicas nos séculos 11 e 12. No século 16, houve nova expansão, com a invenção da prensa hidráulica. No século 20 cresceu o consumo do azeite em função da gastronomia e dos benefícios para a saúde.
O azeite é rico em polifenóis, poderosos antioxidantes, eficazes contra o envelhecimento. Seu consumo traz benefícios atestados à saúde: redução de doenças cardiovasculares, da incidência do mal de Alzheimer e do envelhecimento cutâneo. Ele também é rico ácido oleico (ômega 9), matéria-prima de todas as membranas celulares. Além de reforçar as células humanas, facilita a “comunicação” entre elas e o bom funcionamento do organismo.
Em 2022, a safra brasileira foi da ordem 445 mil litros de azeite. Produzir azeitonas exige investimento alto. Os olivais levam cinco anos para produzir. Cerca de um terço dos olivais brasileiros está em produção. Mais um terço produzirá nos próximos anos. Os plantios seguem em expansão. O Rio Grande do Sul é o maior produtor com 75% da produção nacional, à frente de Minas Gerais e São Paulo. Na Serra da Mantiqueira, uma associação de olivicultores reúne mais de 100 produtores num total de 2.000 hectares.
Os plantios de oliveiras são homogêneos. Os produtores plantam duas a três variedades, sem misturá-las no campo. A maioria dos azeites brasileiros são varietais, frutos de um tipo de oliveira. Entre as principais variedades estão Arbequina, Koroneiki, Picual, Arbosana e Frantoio. Sem interferência estatal, surge aos poucos um mercado de azeites extravirgens, diferenciados dos oferecidos pela grande indústria. E apreciado por gastrônomos, chefs e consumidores. Os equipamentos importados dos lagares são modernos e eficientes, inclusive do ponto de vista ambiental. Os subprodutos do esmagamento das oliveiras e da extração do azeite são reciclados.
Azeites nacionais começam a ganhar prêmios internacionais por qualidade. O Sabiá da Mantiqueira, azeite extravirgem premium, produzido na Fazenda do Campo Alto, em Santo Antônio do Pinhal (SP), foi classificado entre os dez melhores do concurso Evooleum de 2022 e incluído no Evooleum World’s Top 100 Extra Virgin Olive Oils. O produtor acumula 57 prêmios nacionais e internacionais. Depois do café, “ouro verde” dos séculos 19 e 20, haverá o milagre do “ouro líquido”? O futuro parece fluido e luminoso para o azeite nacional e, n’en déplaise, com muitos tons de verde-amarelo.
Sobre a sacralidade da oliveira, um relato pessoal. Num verão dos anos 1970, um agricultor no sul da França andava preocupado com uma víbora. Ela já havia matado um de seus cachorros. Eu era estagiário de agronomia na sua fazenda. Ele me avisou do perigo. Um dia, em plena colheita de feno, a víbora surgiu. Ele tentou matá-la. Grande e ágil, ela escapou entre palhas e capins. Logo, eu a vi parada sob uma velha oliveira, junto ao tronco. Quando preparei um golpe, o agricultor gritou: — Pare! Eu me detive. Temi mal maior. — Ela está sob a proteção da oliveira. Ele explicou: só essas árvores sagradas assistiram a Jesus em sua agonia no Jardim das Oliveiras, o Getsêmani. Em hebraico Gat Smanim significa lagar dos azeites. Recuamos em silêncio.
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Obrigada pela aula. Fico feliz quando vejo que o Brasil está finalmente produzindo azeites excelentes. Melhores até que muitos estrangeiros. Pena que seja difícil encontrá-los nos supermercados.
Lendo essa matéria, lembrei-me da minha avó Giovanna, nascida na região de Molise na Itália, imigrante com 15 anos de idade. Até essa idade, ela trabalhava na colheita da azeitona, razão pela qual tinha feridas em suas mãos, originadas pela colheita. Ela contava a dificuldade que tinham em se equilibrar em escadas e colher ao mesmo tempo.
Há dez anos, tive a oportunidade de visitar um museu do azeite numa cidade próxima a Lazise (Verona). Ainda hoje, os proprietários produzem o azeite e é uma verdadeira aula acompanhar todo processo, desde a retirada do primeiro azeite virgem até o último, após ser amassado.
Parabéns, Evaristo. Outra aula, conhecer os costumes e a idolatria dos povos para com essa preciosidade.
Abraços.
O pior é que o que está indo muito bem, incomoda os que lutam (sem noção) contra o agro brasileiro. E a perseguição midiática de desqualificação vem rapidinho. Só aguardar.
Uma pena, pois com tantos problemas de estiagem, uma safra como está é um alento ao povo gaúcho.
Mais um excelente artigo do Dr. Evaristo de Miranda. Bem haja!
Exelente reportagem. Parabéns Revista Oeste, por nos brindar com os melhores conteúdos elaborados pelos melhores colunistas. Sr. Evaristo de Miranda, muito obrigado.
Evaristo, seus artigos são um verdadeiro bálsamo para a alma que tem sede de conhecimento. Seu texto é profundo e cheio de informações relevantes, sem ser cansativo, garantindo uma leitura agradável do começo ao fim. Imagino que você seja também professor, pois seus textos são didáticos e bem estruturados. É um privilégio e um prazer ler seus artigos, que sempre aumentam nosso orgulho de ser brasileiro.
Sempre me admiro com sua capacidade de unir, numa leitura prazeirosa, uma junção de conhecimentos tão diversos! Parabéns, Miranda!
Olá, muito obrigada por mais um belíssimo artigo, este em especial
por se tratar de uma árvore milenar, e Sagrada, de onde se extrai um delicioso produto para deixar nossos alimentos saborosos, e rico em propriedades.
As saladas em particular, ficam muito mais deliciosas com um fio de azeite.
Tb na antiguidade, se usava do azeite para curar as feridas.
Muito apreciado na cozinha Mediterrânea.
O Brasil, hoje se destaca na boa produção do azeite.
O grande problema no Brasil se na hora do envase, por lei obriga misturar uma porcentagem de soja nos azeites, os importados são mais confiáveis e produto de qualidade
Como é prazeroso ler os textos de Evaristo
Belíssima reportagem.
Enriquecedor o artigo do Prof. Evaristo, com um relato interessante sobre esta árvore milenar e seu produto sagrado, com informações preciosas da importância do Azeite, sua história e propriedades para a saúde humana. Parabéns!!!
Gostei do artigo e aprendi muito.
Imaginem quando as oliveiras brasileiras começarem a produzir em sua totalidade.
Só 1/3 produz e 2/3 ainda são jovens. Não completaram 5 anos para produzir.
Após ler este delicioso artigo do Dr. Evaristo, não resisti e comi um pedaço de pão francês regado ao azeite. Parabéns!
Que maravilha!
A cada duas semanas o Professor Evaristo nos brinda com um artigo inesquecível!
Saímos sempre com a sensação de que estamos mais ricos e mais sábios.
Agora azeitado pelo valioso artigo, enriquecido pelos conhecimentos gerais e particulares do Prof. Evaristo, darei muito mais valor ao consumo do azeite que além de delicioso é salutar.
Excelente reportagem rica em conhecimento e agradável de se ler.
Quanto custa uma garrafa de um dos 10 melhores vinhos do mundo? De de um dos 10 melhores whiskeyes do mundo? Precisamos reconhecer que ocasiões, momentos e alimentos de excelência podem ser exaltados com nossos excelentes azeites artesanais. Parabéns aos nossos produtores artesanais. Foi bom saber que estão sob a proteção das oliveiras…
Excelente matéria! Parabéns ao autor e a revista Oeste!
Lindo artigo.
Acordar cedinho em um domingo de Carnaval preguiçoso e chuvoso e ler uma matéria como esta é maravilhoso. Obrigado Dr.Evaristo de Miranda por compartilhar conosco tanto conhecimento e sabedoria.
Que seja eterna o grande respeito pelas árvores de oliveiras.Fiquei feliz em saber que o Brasil se aprimora nessa arte de produzir azeite de qualidade internacional.
Parabéns Revista Oeste! Parabéns Dr. Evaristo! Seus artigos são muito esperados. São uma aula de agronomia e agricultura, de história e geografia, de etimologia e mitologia, de agronegócio e mundo rural brasileiros. Seus artigos nos antecipam e alertam sobre desafios (gripe aviária) e sobre vitórias e esperanças como este sobre a oliveira e a produção de azeite no Brasil.
Parabéns Prof. Evaristo por mais um excelente artigo. A Revista Oeste sempre tem um espaço aberto para este profundo conhecedor de agronomia, história etc. que sempre nos traz imensa satisfação.
Continue sempre nos enriquecendo com seus conhecimentos.
Que espetáculo de reportagem. Parabéns. Adoro azeite “de oliva”☺️
Sou viciado em azeite..comprava os de supermercado até descobrir os nacionais..Sei q custam o dobro mas a qualidade dita preço.
Agora em março sai a safra 2023 do Prosperato e já irei comprar minhas 6 garrafas 500ml habituais. Tem outras marcas mais caras eu sei. Mas é devido a baixa produção. Creio q com o tempo os preços irão se ajustar.
O azeite nacional é vendido a um preço de mais de 4 vezes o estrangeiro de qualidade equivalente. Se os nossos produtores não atingirem nos próximos anos o dobro da produtividade atual, no mínimo, não têm um futuro muito promissor. Hoje os compradores são curiosos ou muuuito patriotas!
Excelente, caro Evaristo. Nota 1000 !!!!
O azeite nacional pode ganhar mil prêmios, mas com esses preços cobrados pelos produtores nacionais vão virar consumo de um pequeno nicho.