“As pessoas precisavam desse apoio naquele momento. Nós fizemos uma escala para que sempre houvesse alguém tocando, orando ou pregando”, explica Duane Wegley Jr., um dos pastores da congregação. Na pequena Whitewright, com menos de 2 mil habitantes, o xerife não interferiu. Ao contrário do que aconteceu em outras partes do país, as igrejas locais ficaram imunes ao lockdown do covid, por exercerem uma atividade essencial.
Wegley Jr. conversa com a reportagem de Oeste logo após um culto dominical na King’s Trail Cowboy Church. A celebração é a mais texana possível. Inclui músicas cantadas em estilo country, uma decoração rústica de madeira e dezenas de fiéis com chapéus típicos dos caubóis — que eles só retiram, respeitosamente, nos momentos de oração. Um dos fiéis veste uma camisa em que a bandeira norte-americana é formada por projéteis. Em lugar de destaque atrás do pastor, bandeiras representam os Estados Unidos, o Texas, Israel e o cristianismo. Do lado de fora, o estacionamento é um mar de picapes. Ao lado, a igreja mantém uma arena onde toda terça-feira peões podem se arriscar na montaria de touros.
O “cowboy” no nome da igreja está longe de ser uma excentricidade nesta parte do país. Pelo menos outras 15 igrejas usam a expressão como parte de sua identidade no nordeste do Texas. E a obstinação exibida durante a pandemia também pode ser descrita como uma representação do espírito texano.
Habitado por cidadãos orgulhosos da própria independência, o Texas por vezes é descrito como um país à parte dentro dos Estados Unidos. Mas talvez ele seja apenas uma versão mais intensa das virtudes que tornaram os Estados Unidos um país único.
Os texanos amam a Deus, o seu país (e o Texas) e fazem questão de manter suas armas por perto. É um estereótipo — mas um estereótipo verdadeiro. É graças a ele, e à liberdade econômica, que o Estado tem atraído tantos moradores de outras regiões do país, numa era em que boa parte dos eleitores e dos políticos tem abraçado valores radicais à esquerda.
Em 2022, no Texas, o saldo da imigração doméstica (o número de norte-americanos que se mudaram para o Estado menos o número de pessoas que saíram do Estado) foi de 230 mil pessoas. Apenas a Flórida teve um número maior. No outro extremo da lista, estão Estados dominados pelos democratas. A Califórnia é dona do pior número: saldo negativo de 343 mil pessoas. Depois, aparecem Nova Iorque e Illinois (onde fica Chicago).
A migração não é feita apenas por famílias de classe média. No fim de 2021, por exemplo, Elon Musk anunciou que a sede da Tesla, principal fabricante de carros elétricos do mundo, seria transferida de Palo Alto, na Califórnia, para Austin, no Texas.
Nos últimos anos, o Texas sempre esteve entre os dez Estados com maior crescimento econômico. E, onde quer que se ande, é possível perceber esse avanço. São estradas sendo construídas e ampliadas, anúncios de empresas em busca de funcionários e placas de “Em breve aqui” anunciando um novo empreendimento imobiliário.
Outra forma de medir os sinais vitais do Texas é pelo número de batismos. No dia em que a reportagem de Oeste visitou a igreja dos caubóis, sete pessoas foram mergulhadas nas águas de um pequeno tanque de ferro. O templo da King’s Trail Cowboy Church é espaçoso, mas precisa de dois cultos por domingo, para dar conta das centenas de fiéis. Nesse pedaço dos Estados Unidos, o declínio na religiosidade ainda está distante.
De Reagan a Bush
Dependendo da rota escolhida para viajar até Dallas, o visitante pode acreditar que o Partido Republicano tem o monopólio do poder político na região. Para dirigir da Rodovia Presidente George Bush à Rodovia Ronald Reagan, bastam cinco minutos — desde que o motorista não se perca em um dos muitos trevos elípticos que conectam as movimentadas estradas da região. Em alguns pontos, há um viaduto sobre um viaduto acima de outro viaduto.
Dallas, na verdade, está longe de ser uma cidade republicana. A cidade deu dois terços de seus votos a Joe Biden em 2020 e é uma das poucas ilhas democratas no Estado. Mas a metrópole parece manter uma cultura que não é refratária ao cristianismo. Quando a reportagem de Oeste visitou o centro de Dallas, em um sábado pela manhã, centenas de cristãos participavam de uma passeata pacífica. Eles não tinham uma causa política: os cartazes e as palavras de ordem exaltavam apenas a Jesus Cristo. Não houve demonstrações de escárnio ou hostilidade. Volta e meia, algum transeunte expressava seu apoio à manifestação.
A imigração ilegal é outro desafio no horizonte. Os custos com serviços de assistência a essa população, além da alta na criminalidade em algumas regiões, são efeitos colaterais da crise na fronteira com o México
Quem caminha pelo centro da cidade logo nota outros sinais de que a metrópole (são 6,5 milhões de habitantes na região metropolitana e 1,3 na cidade de Dallas) pertence ao Texas. As chances de ser abordado por um morador de rua entorpecido, esbarrar em uma bandeira do arco-íris ou sentir o cheiro característico da maconha são significativamente menores do que em Nova Iorque, Los Angeles e Chicago, as três principais metrópoles do país.
“Refugiado político” vindo da Califórnia
Em uma manhã ensolarada, cerca de 40 crianças ouvem disciplinadamente o professor Jeff Kelley dando suas orientações finais na academia de jiu-jítsu GracieOne, em Dallas. “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, ele diz, citando a famosa frase de Ben, o tio de Homem-Aranha.
Entre uma aula e outra, Kelley explica à reportagem de Oeste os motivos que o levaram a deixar San Diego, na Califórnia, e se mudar para o Texas, há cerca de dois anos. “Sou um refugiado político”, ele ironiza, antes de prosseguir: “Meu filho tem 4 anos e eu não queria que ele vivesse naquele ambiente”. Os lockdowns e os atos de vandalismo em reação à morte de George Floyd foram a gota d’água. Hoje, ele vive em Prosper, subúrbio de Dallas. Outros dois professores da academia têm histórias parecidas — sem contar a proprietária e fundadora do espaço, a brasileira Kyvia Gracie.
Integrante da família mais tradicional do jiu-jítsu, ela deixou o Brasil em 2004 e viveu na Califórnia e em Nova Iorque antes de se fixar no Texas, em 2011. “É um Estado mais conservador e com valores semelhantes àqueles com os quais eu cresci. É o lugar ideal para criar os meus filhos”, explica. Kyvia diz que o movimento migratório interno rumo às terras texanas tem sido constante. “Na maioria, são pessoas vindas de Estados democratas, muitas insatisfeitas com o rumo que o seu Estado está tomando”, diz ela, que se casou com um texano e tem dois filhos nascidos no Texas.
Oportunidades fora das metrópoles
Nas cidades menores, o crescimento econômico do Texas também é palpável.
Em Sherman, perto da divisa com Oklahoma, Chad Edelen acorda cedo no sábado para montar sua banca na feira da cidade de 45 mil habitantes. Ele fabrica tampas artesanais para garrafas de vinho. Nascido na cidade, viveu em outros Estados antes de decidir retornar. “É um lugar muito bom para as famílias”, diz Edelen.
Muitas cidades pequenas nos Estados Unidos sofrem com o declínio econômico e populacional. Mas este não é o caso de Sherman. “A Texas Instruments (fabricante de semicondutores) está construindo uma nova fábrica aqui, com 5 mil empregos. Isso vai garantir o crescimento para as próximas décadas”, Edelen explica. A obra monumental, visível da rodovia, deve trazer investimentos de US$ 30 bilhões à região.
Rod Bordelon, pesquisador da Texas Public Policy Foundation, um dos principais centros de pesquisas em políticas públicas do Estado, diz que o Texas fez o dever de casa nos últimos anos. “As pessoas às vezes falam no ‘milagre do Texas’. Mas na verdade não existe milagre. São boas políticas públicas. Nós não temos imposto sobre a renda, os impostos de forma geral são baixos e, embora ainda tenhamos um número considerável de regulações sobre os negócios, é justo dizer que são regras razoáveis”, afirma.
Bordelon observa que a infraestrutura e o ambiente regulatório precisam ser revistos, para que o Texas continue sendo atrativo para investidores. “Existe um desafio toda vez que se cresce mais rápido do que as estradas e a infraestrutura de algumas comunidades conseguem acompanhar”, diz ele, que defende uma redução ainda maior nas normas que tratam do zoneamento urbano e das autorizações para novas construções.
A imigração ilegal é outro desafio no horizonte. Os custos com serviços de assistência a essa população, além da alta na criminalidade em algumas regiões, são efeitos colaterais da crise na fronteira com o México. Como o governo federal é quem tem a atribuição de cuidar do assunto, as autoridades do Texas não podem resolver o problema por si próprias.
Uma preocupação adicional envolve a hipótese de que o Texas, recebendo tantas pessoas vindas de Estados progressistas, passe a ter uma maioria democrata. Mas, por ora, diz Bordelon, tudo indica que o Texas está recebendo mais eleitores conservadores do que de esquerda.
O sucesso cobra um preço. E nem a pequena Whitewright ficou imune às consequências do desenvolvimento acelerado do Texas.
A King’s Trail Cowboy Church foi fundada há menos de duas décadas, com o objetivo de levar o Evangelho aos vaqueiros da região. Mas o perfil demográfico da área mudou rapidamente. “Os caubóis da região estão se mudando para Oklahoma e o Kansas”, explica Fred Voight, um dos líderes da congregação. Agora, a maior parte dos fiéis é composta de famílias de classe média, que se mudaram para a área em busca de tranquilidade e de uma vida simples em pequenas propriedades rurais ou nos novos condomínios da região. Somente na igreja, cerca de dez famílias chegaram da Califórnia desde 2020.
Algumas coisas, entretanto, não vão mudar tão cedo na cultura texana. Quando a reportagem pergunta se ir à igreja aos domingos continua sendo uma norma naquela parte do Texas, Fred Voight responde, sem qualquer traço de ironia: “Não; algumas pessoas vão à igreja no sábado”.
Apenas um Estado é capaz de tirar o protagonismo do Texas dentro do Partido Republicano: a Flórida.
É verdade que, numa comparação direta, o Texas parece ser mais conservador. A Flórida deu a maioria de votos a Barack Obama, em 2008 e 2012. Já o Texas não fica ao lado dos democratas em eleições presidenciais desde 1976, quando Jimmy Carter era o candidato do partido.
Mas tudo indica que a disputa interna dentro do Partido Republicano para 2024 ficará entre o atual governador da Flórida, Ron DeSantis, e o ex-presidente Donald Trump — que passa a maior parte do tempo na Flórida, em sua mansão de Mar–a-Lago.
Nos outros quesitos, empate técnico: assim como o Texas, a Flórida tem atraído norte-americanos insatisfeitos com as condições de vida em Estados progressistas. Assim como o Texas, a Flórida se destaca pelo bom desempenho econômico. Ambos os Estados, por seu tamanho, são essenciais no caminho para a vitória em 2024. A diferença é que o governador do Texas, o discreto Greg Abbott, não parece disposto a concorrer à Casa Branca.
De qualquer forma, quem quer que seja o escolhido nas primárias do Partido Republicano, é possível afirmar com segurança que ele terá o voto da maioria dos eleitores do Texas.
Leia também “Boa noite, Cinderela”
Excelente matéria. Como sugestão, expandir para outros estes americanos este mesmo formato. Importante nós, brasileiros, conhecermos cada detalhe da prosperidade americana.
*estados
Onde a liberdade avança, a sociedade e a economia prosperam.
A nossa CF rasgada todos os dias pelo Imperador Supremo diz que somos “República Federativa do Brasil”.
Este título deveria conceder aos estados autonomia em muitas decisões que são tratadas por cartórios brasilienses e esta centralização é a causa de muitos problemas regionais.
As regiões nordeste e norte, as mais pobres do país vivem sob domínio de oligarquias seculares.
Contrariando a lógica e guardadas as devidas proporções aqui também temos um “Texas”.
Sou paulista de nascimento e moro em Santa Catarina há 40 anos.
Durante a pandemia o estado caminhou na contra mão e não tivemos os absurdos lockdowns que abalou a economia em muitos estados e mundo afora.
As “autoridades” fingiam que legislavam e a sociedade fingia que atendia.
Até tentaram mas nas eleições municipais de 2020 em Itajaí, cidade onde moro, 73% da Câmara Municipal foi renovada.
No mês passado a pesquisa de beneficiários do bolsa família (auxílio Brasil) o Maranhão era o cabeça da lista com 2,16 beneficiários por trabalhador registrado. Em Santa Catarina temos 0,1 beneficiário por trabalhador registrado.
Ótima matéria !
Que matéria interessante!
Tem-se comprovado que, onde existe redução da carga tributária, há prosperidade. Só os mal-intencionados são os que não enxergam. Socorro Paulo Guedes!!!
O TEXAS prova que a fórmula que torna um país grande e rico continua a mesma: educação, impostos justos com contrapartida em bons serviços públicos, respeito a Deus e um Governo Consciente. Isso tudo gera um povo educado, ordeiro, trabalhador e capaz, além de atrair investimento de quem quer boa infraestrutura e mão de obra qualificada. Infelizmente no Brasil boa parte do povo continua acreditando em promessa de picanha e bolsa família. Reagan disse: “a eficácia de um programa social tem de ser medido pela quantidade de pessoas que conseguem SAIR dele e NÃO pela quantidade de quem entra.”
Revigorante matéria. E olha q sou ateu