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Colunista da Folha de S.Paulo, Giovana Madalosso, responsável por fake news sobre nazismo | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 167

Perversidade jornalística

O artigo publicado na Folha que acusa uma família de simpatizar com o nazismo confirma que o jornal merece destaque no capítulo brasileiro da história universal da infâmia

Branca Nunes
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Os manuais de redação ensinam que a abertura de um texto jornalístico deve responder a seis perguntas básicas sobre o que se vai ler: o quê (a ação), quem (o agente), quando (o tempo), onde (o lugar), como (o modo) e por quê (o motivo).

No domingo, 21 de maio, a Folha de S.Paulo publicou um artigo da jornalista e escritora Giovana Madalosso que trucida tais fundamentos. O título continha o aviso: “Fui surpreendida por uma saudação nazista”.

Os parágrafos seguintes tratam da viagem de Giovana ao lado do “companheiro” e de seus filhos por uma região de Santa Catarina. Ela soube por um amigo que ali existia uma casa ornamentada com uma saudação nazista. “Eu não botei muita fé”, ressalva a escritora, antes de corrigir a afirmação. “Quer dizer, conhecendo bem o Estado e sabendo que 69% de seu eleitorado votou em um fascista, até botei, mas achei que era coisa discreta, furtiva.”

Casas particulares da família Heil usadas para aluguel de temporada em Urubici | Foto: Reprodução

“Foi no segundo dia, (sic) que o telhado despontou ao acaso, rompendo a serenidade do céu azul”, diz. “Lá estava a palavra HEIL, escrita com telhas, grande e destacada o bastante para ser lida a distância”. Foi o suficiente para Giovana: aquela era a evidência de que o Estado de população majoritariamente fascista abrigava também nazistas. A prova estava naquela palavra, estampada em letras enormes nos telhados das casas. Na cabeça de Giovana, aquilo só poderia ser a reprodução do cumprimento usado por devotos de Adolf Hitler durante a guerra que terminou há quase 80 anos.

Casas da família Heil | Foto: Reprodução

A imaginação da jornalista foi em frente. “Meus enteados, de 14 e 18 anos, perguntaram se aquilo era de fato uma alusão ao nazismo. Expliquei que muito provavelmente, já que Heil, Hitler (Salve, Hitler) era uma conhecida saudação nazista, familiar a todos que falam alemão e aos que sabem um pouco mais sobre a Segunda Guerra.” Nesse momento ela deduziu que a comunidade em volta e as autoridades eram, na melhor das hipóteses, coniventes.

Giovana fez um punhado de fotos e até pensou em tocar a campainha e conversar com moradores. Mas ficou receosa de envolver os garotos numa situação imprevisível. “Num certo momento”, revelou, “virei para o lado e vi o rosto do mais novo, a expressão triste emoldurada pelo capuz de moletom”, diz. Num delírio final, ela conta que lembrou “o que ele tinha passado havia poucas semanas: o medo de ir para aula e ser morto a tiros ou facadas quando anunciaram possíveis ataques — um terço dos episódios ocorridos em escolas do país é ligado ao neonazismo”.

Coluna da Giovana Madalosso para a Folha de S.Paulo, no dia 21 de maio | Foto: Reprodução
Ficção versus realidade

Meia dúzia de perguntas a vizinhos ou uma rápida busca no Google teriam evitado o desastre jornalístico. Ela teria descoberto, por exemplo, que Heil é um sobrenome muito conhecido em Santa Catarina, principalmente em Brusque. Nessa cidade vive a família proprietária dos imóveis em Urubici, onde estão as casas acusadas de estampar a saudação nazista. 

Obcecada pela caça ao que considera “desinformação”, a agência de checagem Aos Fatos ignorou o caso da família Heil

Prefeito de Brusque de 1966 a 1970, Antônio Heil tem seu nome na placa de diversas ruas espalhadas por municípios catarinenses e também batiza a rodovia que liga Brusque a Itajaí. “Fiquei indignado ao ver uma jornalista escrever sem apurar”, protestou o governador Jorginho Mello. “Ela não sabia que escrever o nome da família no telhado era uma tradição de mais de 30 anos dos Heil. Justamente para facilitar aos turistas a localização da pousada, quando não havia internet.”

Mesmo confrontada com protestos do governador, de integrantes da família Heil e de muitos leitores, a Folha manteve o texto em seu site e redes sociais. Limitou-se a infiltrar um acanhado “possível” no título original (“Fui surpreendida por uma possível saudação nazista”) e incluir uma errata, em letras miúdas: “É incorreto afirmar que a inscrição Heil no telhado dos imóveis ‘muito provavelmente’ seja uma referência a uma saudação nazista, como publicado em versão anterior deste texto”. A mentira prevaleceu e continua circulando.

Nota de rodapé da Folha de S.Paulo, no dia 21 de maio | Foto: Reprodução

A torpeza do jornal ignora limites estabelecidos pela ética e pelo bom senso. Numa reportagem que tenta explicar o atropelamento da verdade, a Folha reconhece o erro de Giovana. Também tenta explicar por que não removeu o texto: “Seria uma medida contrária à transparência preconizada pelo Manual”. No fim, resume a sua linha de defesa ao dizer que Giovana recebeu centenas de ofensas por meio das redes sociais e foi alvo de dezenas de ameaças. Como se fosse ela, e não os leitores, a vítima do show de precipitações.

Obcecada pela caça ao que considera “desinformação”, a agência de checagem Aos Fatos ignorou o caso da família Heil. Das 16 verificações publicadas entre os dias 21 e 30 de maio, 12 defendiam Lula, ministros, movimentos sociais ou aliados do governo (uma, por exemplo, afirmava: “É falso que governo Lula e STJ autorizaram invasão de domicílio”; outra: “É falso que general afirmou em depoimento que Lula armou atos golpistas de 8 de janeiro”). Outras três abordaram temas gerais (“ONG no RJ que armazenava armas e granadas não pertence a Luciano Huck”). Uma continha críticas acanhadas ao presidente (“No exterior, Lula desinforma sobre projeto da Petrobras na Amazônia e guerra na Ucrânia”).

Folha de S.Paulo, 27/5/2023 | Foto: Reprodução
Torpeza histórica

Ao comentar o artigo da Folha no site Poder360, a jornalista Paula Schmitt afirmou que o dia 21 de maio de 2023 entrará para os anais da imprensa brasileira. “Foi neste dia que a Folha de S.Paulo perdeu o pudor que lhe restava e arregaçou o cúmulo do desprezo pelo jornalismo”, constata. “O texto é uma aula de torpeza moral em que pessoas inocentes são acusadas sem nenhum julgamento.”

A falta de pudor da Folha, entretanto, é antiga e já chegou a atingir campos decididamente minados. Durante o regime militar, o jornal jamais precisou ter a redação vigiada por um censor — ao contrário do que ocorreu, por exemplo, na revista Veja ou no Estadão. Para colaborar com a ditadura, o jornal praticava a autocensura.

Mas nenhum outro episódio foi tão infame quanto o assassinato de Eduardo Collen Leite, codinome Bacuri. Incorporado a um grupo terrorista, foi capturado pela polícia, mas sua prisão permaneceu em sigilo. Pouco antes da morte, em dezembro de 1970, seus algozes mostraram a ele na prisão a primeira página de um jornal que noticiava sua fuga inexistente. O aviso ficou claro: sua morte era iminente. O veículo da obscenidade foi a Folha da Tarde, pertencente ao Grupo Folha. 

Foto: Reprodução

“Eu vi a cena famosa do sargento mostrar o jornal para ele com a notícia que ele tinha fugido da prisão do Toledo”, conta o psiquiatra Reinaldo Morano, ex-militante da luta armada, num depoimento para o Memorial da Resistência. “Nós não tínhamos dúvida de que aquilo era a preparação para a morte. E era a Folha. Ela fazia esse trabalho de dar cobertura para a repressão.”

Leia também “Porta-vozes da tirania”

19 comentários
  1. MB
    MB

    Que matéria reveladora. A foia do seu Paulo, hein? Parabéns Branca Nunes!

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Ao menos a infâmia da ”colunista” serviu para conhecermos a bonita propriedade da família Heil. Boa dica de hospedagem agora no inverno.

  3. Julio José Pinto Eira Velha
    Julio José Pinto Eira Velha

    Como afirma o mestre Augusto Nunes, essa jornalista não passa de uma besta quadrada.

  4. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Nunca tinha ouvido falar ou visto qualquer citação a esta “escritora” e “roteirista”.
    Como morador e eleitor deste glorioso estado de Santa Catarina rogo a esta senhora que nunca mais coloque seus pés nesta terra de gente ordeira, honesta e trabalhadora.

  5. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    A Folha de São Paulo precisa ler o que FHC escreveu em seus “diários da presidência”, a respeito do caso em que 2 notáveis jornalistas dessa empresa tiveram que se desdizer dos artigos por eles produzidos sobre o presidente FHC. Sentindo-se ofendido, FHC ameaçou ao proprietário do jornal (FRIAS), não comparecer a inauguração de um parque gráfico, informando porque tomara essa decisão. Frias, bastante democrático, disse a FHC que faria os dois engolirem e ordenou aos seus notáveis jornalistas para desdizerem-se e assim o fizeram, para envaidecer o perfil autoritário de FHC. É triste pensar que fui tucano desde a fundação do partido até 2019 e admirei esse politico que recentemente fez o L esquecendo o que escreveu sobre o PT em seus diários. Quem se interessar ver pg. 333 do volume (1995/1996) para ver o assunto Folha.
    Portanto é muito hipócrita a direção da Folha agora afirmar não remover o texto da jornalista Giovana, pois seria uma medida contraria a transparência preconizada pelo manual.

  6. Atilio Alvares Monteiro
    Atilio Alvares Monteiro

    Essa “jornalista” merece ser a patrona eterna da morte do jornalismo brasileiro.

  7. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Grande mídia morta e seu zumbis militantes.

  8. Tania Alboredo Cleuzo
    Tania Alboredo Cleuzo

    Isso mostra o nível baixo da maioria dos jornalistas de hoje, especialmente da mídia tradicional, muito triste. Por isso nao leio mais nada da mídia tradicional.

  9. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esses jornais e agências de checagem não valiam nada, junto com os institutos de pesquisas, não sei porquê hoje dão tanta importância à eles

  10. Romeu José Paludo
    Romeu José Paludo

    Vai ver a “jornalista” comprou o diploma! Não é possível não ter sabido da grande colônia alemã em Santa Catarina. Essa gente fugiu de Hitler e se refugiou em solo brasileiro. Pessoas sem índole nazista. Ao contrário da Falha de São Paulo. A Idiota que escreveu é só idiota útil ao jornal.

  11. Ivan Paulos Tomé
    Ivan Paulos Tomé

    Fico pensando o tamanho do risco, dado a tentativa de radicalização da população pela extrema esquerda através de todos os meios possíveis, se uma matéria dessas corre em um País muito mais instrumentalizado, como por exemplo a Venezuela e a Nicarágua. A família “Heil” correria um sério risco de linchamento por conta dessa irresponsabilidade jornalística.

    Mas também me chamou a atenção, o fato dela querer uma vingança pessoal pelo fato do estado não ter votado no candidato dela, cuja equipe quis implementar o verdadeiro fascismo (PL 2630) contra a liberdade de expressão, usando a iniciativa privada para impor uma ditadura de estado, mas ao mesmo tempo, querer fazer turismo por lá.

    Entendi que ela queria mesmo causar para ter atenção, como todo minion lacrador, sem pensar minimamente nas consequências. Foi bem pueril…

  12. FERNANDO
    FERNANDO

    Excelente!!!

  13. MNJM
    MNJM

    A jornalista tem que ser internada como desequilibrada e a folha é pura decadência. Parabéns Branca.

    1. Antonio Saggese Netto
      Antonio Saggese Netto

      Vergonhosa a posição da Folha!
      Deve pedir desculpas públicas à família, na primeira página, em letras GARRAFAIS.

  14. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

    O tempo passa, a “folha” se apequena em todos os quesitos.
    Parabéns à Branca.

  15. Edson Carlos de Almeida
    Edson Carlos de Almeida

    A Folha não passa de um jornal decadente , com um quadro de jornalistas idiotas.

  16. Eronilde Santos
    Eronilde Santos

    Imprensa vergonhosa, desonesta, militante, carcomida (como diz Ana Paula Henkel), nojenta mesmo. Excelente artigo, Branca Nunes.

    1. Rosely de Vasconcellos Meissner
      Rosely de Vasconcellos Meissner

      Espero que a Folha seja processada por danos morais e calúnia.

  17. José Camargo
    José Camargo

    Eu não tenho mais paciência com essa gente.Portanto,diante da vilania da jornalista e da torpeza da Folha,pergunto: Quem está “comendo” quem?

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