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Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados | Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Edição 171

Arthur Lira no olho do furacão

Principal líder do Congresso Nacional, o presidente da Câmara, Arthur Lira, vira o inimigo número 1 do projeto de poder de Lula

Silvio Navarro
Rute Moraes
Rute Moraes
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Há dois meses, o governo Lula compreendeu que o principal entrave — talvez o único — para o sucesso do seu novo projeto de poder é a Câmara dos Deputados. A Casa é a última instituição que ainda impõe alguns limites para o consórcio que administra o país fazer o que quiser. Mas, quando se enfrenta um regime totalitário, a resistência tem um custo — e o presidente da Câmara, Arthur Lira (AL-PP), está sentindo isso na pele.

A história começou no dia 2 de maio e foi contada na Edição 163 de Oeste. Desde então, a crise se agravou. Naquela manhã, Arthur Lira decidiu conversar diretamente com Lula. Não havia intermediários. O deputado levava a mensagem de que o Projeto de Lei nº 2630, redigido no gabinete de um deputado do Partido Comunista do Brasil, impondo mordaça nas redes sociais e limitando a monetização na internet, não passaria no plenário.

Lira disse também que as operações financeiras atabalhoadas dos ministros, principalmente a dupla Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), que liberaram R$ 10 bilhões em emendas parlamentares na véspera da votação, só pioraram as coisas. O recado era claro: como a ampla maioria da Casa não tem alinhamento ideológico com o governo, os deputados querem decidir sobre o destino do Orçamento — e não mais barganhar emendas. Outro detalhe: a distribuição de cargos em estatais no varejo tampouco dará resultado, porque faltariam postos para acomodar tanta gente. A base de Lula tem só 130 votos.

Lula teve de recuar. Lira afirmou em entrevista: “A Câmara não vai fazer sacrifícios para o governo”. Começou uma guerra.

Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrega do projeto do novo arcabouço fiscal para o Congresso (18/4/2023) | Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Publicamente, o petista culpou sua articulação política pelo fiasco naquele dia, ameaçou demitir o ministro Alexandre Padilha, mas tudo não passava de fachada para os jornais. Nos bastidores, Lula mandou fustigar Lira — “tirá-lo da frente”, segundo os comentários nos corredores do Congresso. Como o projeto de lei sobre a censura na internet era algo já combinado pelo governo com o Supremo Tribunal Federal (STF), o castigo foi inevitável. Entrou em cena a Polícia Federal, comandada pelo ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública).

O deputado alagoano passou a ser perseguido implacavelmente pela PF em Alagoas. Não é exagero afirmar que a superintendência local realiza mais ações e diligências sobre o caso do que qualquer outro Estado combate o crime organizado, por exemplo. Lira teve processos antigos destravados no Supremo e passou a ser criticado pela velha imprensa como alguém que trava o governo no Congresso — embora não haja uma única ideia colocada no papel pelos ministros para ser votada. 

Nesta semana, surgiu outra frente de ataque: a vida pessoal de Lira começou a ser devassada, com acusações graves feitas pela ex-mulher, numa operação que tem as digitais do senador Renan Calheiros (MDB-AL), seu arqui-inimigo há décadas (leia abaixo).

Colocado contra as cordas, Lira cedeu o mínimo e ajudou a aprovar apenas as medidas provisórias centrais, como a que organizava a imensa Esplanada dos Ministérios e o reajuste do Bolsa Família. Aos líderes dos partidos do chamado Centrão, ele admitiu que tem reagido conforme as ameaças de processos antigos no Supremo — o último deles foi destravado pelo ministro Dias Toffoli horas antes da votação do PL 2630. Nesta semana, fez questão de participar da micareta jurídica promovida por Gilmar Mendes em Portugal. É uma forma de se aproximar dos ministros da Corte.

No Legislativo, Lira armou sua retaguarda em duas Comissões Parlamentares de Inquérito: deixou a CPI do MST, com maioria da oposição, correndo na Câmara, e emplacou seu aliado, Arthur Maia (UB-BA), no comando da CPMI do 8 de janeiro. Pode parecer pouco, mas não é. No caso dos sem-terra, ele força a esquerda — Gleisi Hoffmann à frente — a se mobilizar ao menos três vezes por semana para se defender diante da TV Câmara. A comissão virou uma dor de cabeça e tem acirrado os ânimos do próprio MST, que cobra proteção do Palácio do Planalto. Na CPMI do 8 de janeiro, ele participa indiretamente por meio do presidente da comissão.

Lira também reduziu as aparições nos corredores da Câmara — as principais reuniões têm ocorrido na Residência Oficial, longe da imprensa.

A briga com Renan

Há décadas, Renan Calheiros é conhecido no Senado por montar dossiês contra seus adversários. Em 2007, quando seu mandato estava por um fio, com cinco processos de cassação em andamento no Conselho de Ética, ele usou todas as armas. Os principais alvos foram Jarbas Vasconcelos (MDB-PE) e Pedro Simon (RS), que ele conseguiu destituir da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na época. Depois, o amazonense Jefferson Peres (PDT) e os goianienses Marconi Perillo (PSDB) e Demóstenes Torres (DEM). Contra os dois últimos, mandou o assessor Francisco Escórcio, conhecido como Chiquinho, instalar câmeras escondidas no hangar do Aeroporto de Brasília. Sobre aeronaves, seus arapongas montaram planilhas mostrando que Tasso Jereissati (PSDB-CE) abastecia a sua com dinheiro do Senado.

Em maio, na época desses vídeos, Renan participou de um jantar com políticos no interior de Alagoas. Disse que “Lira não iria durar até a metade de junho” na presidência da Câmara. A principal operação da Polícia Federal contra os aliados de Lira começou no dia 1º de junho

Quinze anos depois, a história se repete com Arthur Lira. Renan tem afirmado nas redes sociais que o presidente da Câmara agrediu a ex-mulher, Jullyene Lins, quando eram casados. O senador a incentivou a dar três entrevistas. O ruído só não foi maior porque o caso ocorreu há 17 anos e só veio à tona agora, o que pode sugerir armação política. Renan também tem divulgado informações sobre operações da Polícia Federal em seus perfis.

Não para por aí. A reportagem de Oeste obteve vídeos com discursos de Renan atacando Lira em Alagoas. As imagens mostram como o senador age em palanques improvisados e como funciona a política num Estado onde ainda impera o coronelismo. O pano de fundo é que os dois rivais vão se enfrentar na disputa por uma cadeira no Senado em 2026.

Em maio, na época desses vídeos, Renan participou de um jantar com políticos no interior de Alagoas. Disse que “Lira não iria durar até a metade de junho” na presidência da Câmara. A principal operação da Polícia Federal contra os aliados de Lira começou no dia 1º de junho. A determinação teria partido da Superintendência Regional da PF, atualmente comandada pela delegada Luciana Paiva Barbosa, nomeada por Lula neste semestre. 

O presidente da Câmara já afirmou, inclusive numa conversa reservada com o ministro Flávio Dino na Residência Oficial da Câmara, que seu grupo está sendo monitorado em Brasília e Alagoas. Quem tem intermediado esses encontros entre os dois é o líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), a quem Lira já chegou a sugerir que assumisse o crachá de Alexandre Padilha na articulação política. Até agora, as conversas não deram em nada. As ações policiais não arrefeceram e têm vazado diariamente na imprensa.

Foto: Reprodução Estadão
Foto: Reprodução Piauí
Foto: Reprodução Folha de S.Paulo
Foto: Reprodução/Instagram Folha de S.Paulo

É impossível prever se as operações da Polícia Federal vão emparedar ou não Arthur Lira. Parte da sua força está no bloco que o elegeu: ninguém até então havia conseguido 464 dos 513 votos possíveis para comandar a Câmara — Ibsen Pinheiro, em 1991, e João Paulo Cunha, em 2003, conseguiram 434. Para se ter uma dimensão do que isso significa, o impeachment de Dilma Rousseff foi aprovado com 367 votos. Lira repete esses números com frequência nas reuniões a portas fechadas. Por enquanto, o que se pode afirmar é que Lula e seus aliados colocaram Arthur Lira no olho do furacão. E que ele tem (muitos) votos na Câmara.

Leia também “O Supremo navega na inconstitucionalidade”

10 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Sou alagoano, e aqui o grande inimigo da população se chama Renan Calheiros. Temos que expulsá-lo da política. Hoje ele continua forte, pois elegeu o filho senador e agora ministro dos transportes. Uma vergonha!

  2. RICARDO TEIXEIRA DA CRUZ RIOS
    RICARDO TEIXEIRA DA CRUZ RIOS

    Eu quero ver se Arthur Lira tem coragem mesmo para enfrentar Lula. Pobre Estado de Alagoas representado por essas escórias Arthur Lira e Renan Calheiros.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Ninho de cobra da mulesta, quem é a Anaconda? Cascavel, jararaca e naja tem de sobra, a flauta de Lula tá entupida

  4. Marcelo DANTON Silva
    Marcelo DANTON Silva

    CPMI do ABUSO de AUTORIDADE com foco no stf golpista abusados nazzita fascistas
    Essa é a resposta….

  5. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    A Câmara dos Deputados parece ser a última trincheira contra os desmandos e inconstitucionalidades cometidas neste país por todas as “autoridades” em busca do poder autocrático.
    Se o SISTEMA não for travado na Casa Parlamentar não será surpresa se diante da revolta social, o povo em manifestações provocar a fuga do país do “presidente” e outras “autoridades” como ocorreu a um ano atrás no Sri Lanka.

  6. João José Augusto Mendes
    João José Augusto Mendes

    Eu gostaria de saber quando foi que um representante fora das capitanias hereditárias, foi presidente de uma das casas. Só como informação um representante de São Paulo representa 750 mil paulistas e, um representante do nordeste representa 350 mil nordestinos. Não tem algo de muito errado nisso???? Lembrando no governo Sarney um representante das capitanias hereditárias, mais precisamente Mombaça, quando ficou na cadeira do presidente promoveu um churrasco na sua terra natal Mombaça, com direito a transporte pago por nós, os idiotas contribuintes. Só lembrando São Paulo gera mais de 30% de toda riqueza do pais.

    1. Vanessa Días da Silva
      Vanessa Días da Silva

      O problema é que o número de senadores.por estado é o mesmo independente do tamanho da população. Um Randolfes se elege com o mesmo número de votos do pior deputado de SP

  7. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Com Bolsonaro cassado, se Lira conseguir enfrentar esse atual desgoverno pode chegar muito forte para qq cargo nas próximas eleições até de Presidente da República.

  8. CARLOS ALBERTO DE MORAES
    CARLOS ALBERTO DE MORAES

    Se o Presidente da Câmara dos Deputados não consegue se defender dos ataques da esquerda (executivo, imprensa e judiciario), imaginem o cidadão comum.
    Estamos perdidos.

  9. MNJM
    MNJM

    Silvio, texto deixa muito claro a baixaria do Congresso. Renan o maior pilantra do parlamento, envolvido em diversos inquéritos, mas é amigo dos togados que participam de festinhas todos juntos e misturados.
    Lira não é nenhum santo tb.

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