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Ilustração: Shutterstock
Edição 171

O processo

Tornar Bolsonaro inelegível é aplicar a ele o que foi omitido na condenação de Dilma quando, à revelia da Constituição, ela não perdeu os direitos políticos

Alexandre Garcia
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O relator Benedito Gonçalves teve imenso trabalho; precisou de 382 páginas para demonstrar a culpa de Bolsonaro em crime eleitoral de abuso de poder político e econômico. Quase o dobro do número de páginas de O Processo, de Franz Kafka. O cerne da questão é a confiabilidade das urnas sem comprovantes impressos dos votos digitais, tópico apresentado a embaixadores estrangeiros. O processo brasileiro vem de acusação do PDT, partido criado por Leonel Brizola, que em 1982 botou a boca no mundo quando percebeu que a contagem informatizada dos votos, feita pela Proconsult, contratada pelo TRE, poderia conduzir à vitória de Moreira Franco. A denúncia do risco de alteração dos resultados teria interrompido um processo de fraude e garantido a Brizola o governo do Rio de Janeiro. O episódio serviu para deixar o PDT com um pé atrás em relação à contagem eletrônica.

Em 2001, o PDT de Brizola uniu-se ao projeto do senador Roberto Requião (PMDB-PR) pelo comprovante do voto. Virou lei sancionada por FHC. Mas a Justiça Eleitoral pressionou, e a lei foi revogada em 2003. Em 2009, os deputados Flávio Dino e Brizola Neto propuseram nova lei de comprovante, que foi aprovada e sancionada por Lula, mas revogada pelo Supremo. Projeto do deputado Bolsonaro foi aprovado em 2015. Dilma vetou, e o veto foi derrubado por 71% dos congressistas. No entanto, o Supremo suspendeu a lei antes das eleições. Depois, declarou-a inconstitucional. Em 2021 ainda se voltou ao assunto, com o apoio do PDT de Carlos Lupi e Ciro Gomes, mas acabou arquivado. Agora é o motivo da condenação de Bolsonaro no TSE, provocada por ação movida, ironicamente, pelo PDT. É questão atualíssima, já que no ano que vem teremos eleições municipais, e é preciso perguntar se ainda não haverá comprovante.

Dallagnol Benedito Gonçalves Bolsonaro
Ministro Benedito Gonçalves, do TSE, durante julgamento do caso de Deltan Dallagnol | Foto: Reprodução/YouTube

O PDT denunciou Bolsonaro por ter convidado embaixadores credenciados no Brasil para uma conversa no Palácio da Alvorada. A conversa versava sobre riscos da contagem eletrônica pela ausência de um comprovante impresso do voto digital. Se a denúncia tivesse sido feita por outro partido, não seria de estranhar. Mas partiu do PDT, que teria tudo para honrar a memória de seu líder e nunca mais querer o risco de um caso como o Proconsult. Embaixadores que estiveram na reunião com Bolsonaro ficaram surpresos com a denúncia do PDT. Alguns me disseram que não viram crime algum na atitude do então presidente da República. Que eles, embaixadores, atenderam ao convite pelo mesmo motivo que os levou a aceitar ir ao TSE, 48 dias antes, para ouvir o então presidente da Justiça Eleitoral, Edson Fachin, expressar suas preocupações sobre o reconhecimento dos resultados da eleição presidencial. Entre as missões desses diplomatas está acompanhar o sistema de voto de um dos maiores eleitorados do mundo, num país de grande importância estratégica. É tarefa dos embaixadores relatar a seus governos o andamento de um processo eleitoral, para que seja avaliada a legitimidade dos resultados. Assim, se houve crime eleitoral no encontro do Alvorada, os embaixadores seriam todos cúmplices.

Os 51 milhões de eleitores de Bolsonaro no primeiro turno da última eleição são cassados no seu direito de votar de novo no candidato preferido

Sobre o julgamento no TSE, bolsonaristas escrevem nas redes sociais que ficou decidido fazer Bolsonaro carregar a cruz e ser crucificado. Torná-lo inelegível por oito anos é aplicar a ele o que foi omitido na condenação de Dilma quando, à revelia do parágrafo único do artigo 52 da Constituição, ela não ficou inelegível por oito anos, no julgamento do Senado, conduzido pelo presidente do Supremo.

Constituição
Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Agora, um crime de opinião — que não existe, pois a Constituição garante a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato (artigo 5º, inciso IV), e isso vale para todos, inclusive para o presidente da República. Pode um tribunal punir alguém por manifestar seu pensamento sobre urnas eletrônicas? A punição legítima, no caso de um político, vem da origem do poder, nas urnas. Se Bolsonaro tivesse desagradado os eleitores ao compartilhar suas preocupações com embaixadores, os eleitores o puniriam. Com Dilma, o descumprimento da Constituição foi corrigido pelos eleitores de Minas. Agora, os 51 milhões de eleitores de Bolsonaro no primeiro turno da última eleição são cassados no seu direito de votar de novo no candidato preferido.

Por medo da força eleitoral de Bolsonaro, torná-lo inelegível, “crucificá-lo”, como dizem os bolsonaristas, pode converter num cristo alguém que já é messias no nome. Como aconteceu com a facada, pode turbinar a força política de Bolsonaro, como um líder que não pode receber voto, mas ganha poder de voto ainda maior. O resultado pode ser um ganha-ganha para o ex-presidente. Não podendo ser eleito, e já tendo eleito tantos, depois de crucificado recebe ressurreição como Grande Eleitor.

Leia também “A caminho de um Brasil sem povo”

16 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Sugestão: entrevistar algum embaixador que participou desta reunião.

  2. Iramar Benigno Albert Júnior
    Iramar Benigno Albert Júnior

    E se não mudarem as urnas logo, elegerão prefeitos e vereadores da quadrilha, pois fizeram o teste para eleger um ladrão como presidente e deu certo, então nada mais os atrapalhará a colocar quem querem no poder.

    1. Alzira Conceição Pacheco de Lima
      Alzira Conceição Pacheco de Lima

      Como mudariam as urnas com acréscimo do voto auditável se está mais do que comprovado nesse artigo que isso não interessa ao TSE? Esse parlamento podre
      e corrupto é incapaz de fazer qualquer mudança que contrarie os seus interesses imediatos, sem contar que grande parte das “excelências” está atolada até o pescoço em falcatruas que são usadas para pressioná-los a andar na linha. O tal Lira que o diga!

  3. Ronaldo Rodrigues Rosa
    Ronaldo Rodrigues Rosa

    É sempre uma honra receber as análise do nobre Jornalista Alexandre Garcia. Mas o sistema é bruto e já está tudo desenhado. Além de inelegível, Bolsonaro será impedido de fazer campanha eleitoral, sob pena de multa e prisão, não há dúvida.

  4. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    o medo do sistema corrompido, de perder a tetas do dinheiro público, fazem pacto até com o diabo se for preciso!!

  5. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Será o Benedito?

  6. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Quem tem olhos ver tudo que se passa nesse país, o escrutínio público é uma questão de constituição cumprida e mais fundamental é a soberania nacional

  7. RICARDO TEIXEIRA DA CRUZ RIOS
    RICARDO TEIXEIRA DA CRUZ RIOS

    Parabéns Alexandre Garcia. Estamos em plena ditadura da toga e de Lula. Já perdi minhas esperanças no Brasil.

  8. Roseilton Porto de Aguiar
    Roseilton Porto de Aguiar

    E esse quadro tende a piorar com a entrada do ZÉnin no STF. Virá pra ajudar ainda mais a injustiça mantê-los no poder.

  9. Pedro Hemrique
    Pedro Hemrique

    Este é o país do faz de contas Sr. Alexandre! Tudo é possível desde que seja do meu jeito afinal de contas somos considerados inúteis perante o sistema que foi instalado!

  10. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    O descalabro jurídico protagonizado pelos atuais “donos” do poder judiciário neste país não tem similar.
    O próprio PDT, parido durante a disputa de Leonel Brizola e Ivete Vargas pela posse do PTB, acumula diversas manifestações pedindo maior transparência no processo de apuração da votações eletrônicas. Mas aos olhos dos nossos justiceiros, a urna eletrônica é o único equipamento imune a fraudes e desvios em toda a galáxia.

  11. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    O que ficou claro, além da perseguição, é de que o STF mostrou que também é comunista. E isto dá para dizer sem problema nenhum, pois como o Lula, devem ter orgulho de serem comunistas. O São Benedito deve rir bastante ao ler esta coluna do Alexandre…. Garcia. O meu contenrrâneo é um jornalista de alto padrão. Mas suas palavras não fazem cosquinha na consciência dos ministros do STF, TSE e STJ, além daquels do TCU> Eles devem estar pensando de o pessoal da OESTE daqui a algum tempo também entrará na faca… das interpretações que valam mais do que a lei e a CF escrita.

  12. Bruno Araujo Barbaresco
    Bruno Araujo Barbaresco

    Vc acha mesmo Alexandre, ue em 2026 teremos candidato de oposição? E se tivermos, ele terá chance de ganhar se as urnas forem as mesmas? Nesse andar dessa carruagem, até lá, não teremos mais, nem adversários políticos e talvez nem Congresso. Até a Constituição é capaz de ter sido refeita.

  13. Ricardo
    Ricardo

    Tornar Bolsonaro inelegível é só escárnio. No Brasil das urnas eletrônicas agora só ganha quem o estamento burocrático quiser.

  14. Amaury Nasser
    Amaury Nasser

    Mais um craque no time Oeste.

  15. Ronaldo Rodrigues Rosa
    Ronaldo Rodrigues Rosa

    Os comunistas que governam o Brasil são ardilosos. Além de tornar Bolsonaro inelegível, vão proibir o ex presidente de fazer campanha para outros candidatos, sob pena de multa de 1 milhão por hora. O sistema é bruto, sujo, corrupto e covarde. Não há dúvida.

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