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Senador Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso Nacional | Foto: Pedro França/Agência Senado
Edição 173

A ‘randolfização’ da política

A média mensal de ações constitucionais na Suprema Corte protocoladas por partidos políticos foi o dobro durante o governo Bolsonaro na comparação com os primeiros seis meses de Lula

Loriane Comeli
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Grande parte de importantes discussões políticas do país tem sido decidida pelo Judiciário. Esse fato vem sendo constatado há alguns anos, mas a judicialização da política se intensificou a partir de 2018, no governo de Jair Bolsonaro. Contrários ao programa político que ganhou nas urnas, os partidos de esquerda usaram e abusaram dos tribunais para boicotar propostas conservadoras e fazer valer a agenda progressista. Em muitos casos, o Judiciário atendeu ao clamor da esquerda e anulou decisões políticas.

O próprio presidente Lula, já eleito, em 27 de janeiro, descreveu o modus operandi da esquerda e, com certo cinismo, admitiu a culpa. “A gente perde uma coisa no Congresso Nacional e, ao invés de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar”, disse Lula, durante uma reunião com ministros e governadores. “Tenho pedido aos meus colegas líderes do partido que é preciso parar de judicializar a política. Nós temos culpa de tanta judicialização.”

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O número de ações constitucionais ajuizadas desde 2018 mostra a corrida de partidos políticos e sindicatos ao Supremo Tribunal Federal (STF): a média mensal de ações constitucionais na Suprema Corte foi o dobro durante o governo Bolsonaro na comparação com os primeiros seis meses de Lula.

Isso é o que mostra um levantamento feito por Oeste, considerando as chamadas ações constitucionais: a Ação Direta de Constitucionalidade (ADI), que serve para questionar leis e normas federais que afrontam dispositivo expresso da Constituição Federal; a Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), utilizada para casos em que a ADI não é aceita, como normas anteriores à CF; a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC), para validar leis; e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), quando a norma constitucional ainda não foi regulamentada por lei.

Entre o primeiro e o último dia do mandato do ex-presidente, foram ajuizadas 1,8 mil dessas ações constitucionais, o que perfaz uma média de 37,5 ações por mês. Nos seis meses de Lula, foram protocoladas 113 ações — isso dá uma média de menos de 19 ações por mês.

O levantamento de Oeste inclui todas as ações ajuizadas pelos partidos — algumas vezes contra normas estaduais ou municipais, e não apenas contra o governo de Jair Bolsonaro — e também por outras entidades de classe, como associações e sindicatos.

O levantamento revela que nos últimos quatro anos os principais partidos de esquerda — PT, Rede, Psol, PDT, PCdoB e PSB — interpuseram (ou fizeram parte de) quase 500 ações no STF. Nos seis primeiros meses de 2023, essas mesmas legendas foram apenas oito vezes ao STF — e não para protocolar ações contra medidas do governo Lula.

Senador Randolfe Rodrigues e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal | Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Durante o governo Bolsonaro, cunhou-se o termo “randolfização” da política, uma referência às quase cem vezes que a Rede, partido do senador Randolfe Rodrigues (AP), foi à Justiça para ganhar no “tapetão” as discussões perdidas na arena política. Na época, a oposição, encabeçada pelo então deputado Paulo Martins (PL-PR), chegou a sugerir uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para acabar com a “randolfização”.

A ideia, que não prosperou, era exigir que o partido, antes de ingressar com uma ação constitucional no STF, obtivesse apoio de pelo menos 1% da população. “Isso impede a ‘randolfização’ da política, de um partido com pouca representatividade entrar com duas, três ações por semana no STF”, declarou Martins à Jovem Pan na época. “Vai poder entrar, desde que tenha real relevância.”

Apesar da fama da Rede, o recordista de ações no Supremo é o PDT, mesmo partido que conseguiu a inelegibilidade de Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no fim do mês passado. A sigla foi 104 vezes à Corte. Aliás, foi o PDT quem abriu o rol das ações contra o governo Bolsonaro. Nos primeiros meses, tentou inclusive anular a reforma administrativa feita por Medida Provisória, que reduziu o número de ministérios. 

Em 2020, no início da pandemia de covid-19, o PDT conseguiu derrubar parte da Medida Provisória de Bolsonaro que limitava às agências reguladoras federais o poder de baixar restrições de locomoção. Com uma liminar do então ministro Marco Aurélio Mello, depois referendada pelo plenário, Estados e municípios foram autorizados a também impor lockdowns.

Também na pandemia, o PSB conseguiu uma liminar do ministro Luiz Edson Fachin para impedir o governo do Rio de Janeiro de fazer operações policiais enquanto perdurasse o estado de calamidade pública no país. Dois meses depois, no começo de agosto, o plenário do STF, por nove votos a dois, chancelou a decisão.

A última ação ajuizada pela oposição no governo Bolsonaro, no fim de dezembro, quando Lula estava prestes a assumir o governo, questionou a Lei das Estatais, aprovada ainda no governo de Michel Temer. O PCdoB conseguiu uma liminar do agora ex-ministro Ricardo Lewandowski para invalidar os artigos da lei que proibiam indicações políticas para os cargos de diretor e de membro do conselho de administração das empresas públicas do país.

Dessa forma, Lula pôde nomear para a Petrobras e o BNDES companheiros que atuaram diretamente nas últimas eleições — o que era uma vedação da norma. A liminar ainda não foi referendada pelo plenário da Corte.

A esquerda também correu ao STF quando Bolsonaro concedeu indulto ao ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) para isentá-lo da pena de nove anos e dez meses de prisão, em regime fechado, imposta pelo STF por ofensas a ministros da Corte. Foram quatros ações do PDT, Psol, Rede e Cidadania para anular o decreto, de abril de 2022. Em maio deste ano, o STF, por dez votos a dois, considerou o decreto inconstitucional e revogou o indulto.

No caso da reforma da Previdência, aprovada em 2019, foram pelo menos 13 ADIs. Relatadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, nenhuma das ações foi julgada. Até agora, o ministro negou as liminares. 

Entre as poucas ações ajuizadas pela oposição nestes últimos seis meses, duas questionam os decretos de Lula que distorcem o Marco Legal do Saneamento e duas são contra a MP que recriou o Imposto sobre Exportação de Petróleo

Também choveram ações contra os decretos de armas de Bolsonaro que regulamentavam o Estatuto do Desarmamento, facilitando a aquisição e posse de armas e munição a pessoas sem antecedentes criminais. O STF se intrometeu, ainda, no piso da enfermagem. Ajuizada pela Confederação Nacional de Saúde e Hospitais (CNSaúde), a ação questionava a falta de recursos públicos e privados para custear um salário maior para a categoria. 

Alegando que a lei não especificou a origem dos recursos para elevar o salário de enfermeiros, técnicos, auxiliares e parteiras, o ministro Luís Roberto Barroso deferiu a liminar em agosto do ano passado, suspendendo a lei. Somente agora, no governo Lula, considerou a lei constitucional e, ao validar a liminar, por maioria, o STF decidiu que o piso no setor privado vale, desde que não haja acordo coletivo. No setor público, o pagamento deve ser feito na medida dos repasses do governo federal. 

Ações no governo Lula

Entre as 113 ações ajuizadas no primeiro semestre deste ano, uma delas é do próprio presidente Lula, o mesmo que no começo do ano fez o mea culpa pela judicialização da política. Ele tomou a dianteira da esquerda e, em seu nome, juntamente com a Advocacia Geral da União (AGU), pediu ao STF a nulidade de parte da lei que autorizou a privatização da Eletrobras. O petista quer recuperar parte do poder de voto na empresa desestatizada em 2021. E não descarta uma tentativa de invalidar por completo a privatização da companhia, que fechou 2022 com lucro superior a R$ 3,5 bilhões.

Outra dessas ações da esquerda em 2023 é para anular os acordos de leniência da Lava Jato. Psol, PCdoB e Solidariedade querem livrar das multas as empreiteiras envolvidas no bilionário esquema de corrupção e desvio de recursos públicos por meio da Petrobras e de outras estatais. No meio jurídico, o pedido é visto como uma aberração, pois pretende anular acordos celebrados livremente pelas construtoras. Sob relatoria de André Mendonça, o pedido de liminar ainda não foi apreciado.

As demais ações ajuizadas pelos partidos da base de Lula se referem a leis estaduais. Nenhuma contesta medidas do governo.

Barroso e Moraes
Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, em sessão no STF | Foto: Reprodução/STF
Ações da oposição

Entre as poucas ações ajuizadas pela oposição nestes últimos seis meses — foram 12, sendo duas pelo PL, três pelo Podemos e sete pelo Novo —, duas questionam os decretos de Lula que distorcem o Marco Legal do Saneamento, duas são contra a Medida Provisória que recriou o Imposto sobre Exportação de Petróleo, e duas são contra uma portaria da Funai que restringiu a liberdade religiosa de indígenas ianomâmis. Estas duas últimas foram julgadas e sumariamente extintas. Por fim, a terceira ação do Podemos questiona a portaria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determina o fim dos hospitais de custódia para criminosos inimputáveis. 

Autocontenção às favas

Em alguns pareceres e decisões que discutem decretos e leis aprovados no governo de Bolsonaro, aparece um princípio do Direito que, de maneira geral, tem sido ignorado pelo Judiciário: o dever de autocontenção. Em linhas gerais, quer dizer que os juízes e tribunais só devem interferir em decisões claramente inconstitucionais e permitir a vigência de leis e decretos que seguiram o trâmite natural de aprovação. É um remédio para o ativismo judicial.

Leia também “Os figurantes”

5 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Espero que o povo do Amapá esteja se mobilizando para tirar esta péssima criatura chamada Randolfe Rodrigues da política nacional. Jair Bolsonaro venceu lá ano passado e já é um bom indício. E como diria Fiuza: Randolfe, o comunista do apartamento no Leblon, com vista para o Amapá.

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    A Constituição Federal foi colocada de lado neste país.
    Estamos vivendo um ciclo de renascimento de Sodoma e Gomorra.
    Resta saber quem se transformará em estátua de sal.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Se depender do povo essas instituições brasileiras não existiriam. Todos sabemos que isso é uma situação surrealista que estamos vivendo. Esperemos que as autoridades não criminosas acerte tudo juntos com toda população

  4. Paulo Roberto Oliveira
    Paulo Roberto Oliveira

    Uma ficção institucionalizada, que aparecem pessoas de todos espectro ideológico, mudando os processos decididos em plenário. Mais nem tudo está perdido, setembro está bem próximo, exigir e cobrar dessa cambada, cumprimento das pautas que iremos colocar. Uma fundamental, que as próximas eleições serão com comprovante do voto, entenderam STF, podemos mandar o desenho, em xaso de dúvida.

  5. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Randolfe é uma fraude,uma caricatura como político e um ser humano detestável. Se o tirassem da política iria viver do que?dinheiro público roubado também acaba.

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