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Deputada federal Sílvia Waiãpi | Foto: Divulgação/PL
Edição 175

‘São pessoas que estão sob cárcere verde’

A deputada federal Sílvia Waiãpi denuncia os abusos de ONGs e as leis que emperram o progresso dos indígenas

Paula Leal
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Sílvia Waiãpi foi a deputada federal menos votada do Brasil em 2022, com 5.435 votos. Ela diz que não se elegeu com pautas indígenas e que sofreu boicote até do seu partido, o PL. Sílvia acusou dirigentes da sigla em seu Estado, o Amapá, de repassar menos dinheiro do fundo eleitoral a ela do que às outras candidatas mulheres, pelo fato de ela ser indígena. Além disso, disse que se recusou a apoiar um candidato ao governo do Amapá, adversário do então presidente Jair Bolsonaro. “Eles me humilharam, fizeram atrocidades comigo, porque me recusei a ser desleal com o meu candidato, Jair Bolsonaro”, afirma em entrevista a Oeste.

Sílvia nasceu na aldeia da etnia Wajãpi, no Amapá, mas foi adotada e registrada em Macapá quando era bem pequena. Já adulta, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde estudou e ingressou nas Forças Armadas — foi a primeira mulher indígena a entrar para o Exército brasileiro e chegou ao posto de segunda tenente. É formada em fisioterapia, em política e estratégia, e em liderança estratégica pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Em 2018, participou do governo de transição do então presidente Jair Bolsonaro e foi secretária nacional da Saúde Indígena, pasta vinculada ao Ministério da Saúde. 

Sílvia é uma voz que destoa de boa parte das bandeiras defendidas por movimentos indígenas. Enquanto organizações não governamentais arrecadam milhões sob o pretexto de defender pautas indígenas, Sílvia denuncia os abusos de entidades que exploram os indígenas e ganham dinheiro para condená-los a viver no passado. Ela também critica a legislação brasileira, que impede esses povos de ser autossustentáveis, de produzir e vender o que é plantado em suas terras. “Quer dizer que eles precisam viver de cesta básica, não podem ser livres economicamente?”, questiona. Em entrevista concedida por telefone, a deputada também falou sobre a CPI que investiga as ONGs, a questão do marco temporal de terras indígenas e a crise sanitária enfrentada pelos ianomâmis. A seguir, os principais trechos.

Sílvia foi a primeira mulher indígena a entrar para o Exército Brasileiro e chegou ao posto de segunda tenente | Foto: Reprodução/Redes Sociais
A CPI que investiga a atuação das ONGs na Amazônia foi instalada em junho deste ano. Qual é a importância dessa investigação?

A CPI é uma questão de soberania nacional. É um clamor de pessoas que vivem, principalmente, no Norte do país e veem suas vidas deterioradas por interferência de organizações não governamentais. Muitas ONGs já foram identificadas nessa CPI, e esperamos que sejam revelados outros nomes. O dinheiro dessas organizações é gasto com propaganda para, supostamente, proteger o indígena. Mas na realidade esse dinheiro está sendo usado para financiar a escravidão desse povo. Muitos, inclusive, são usados como objeto de pesquisa. Muitos antropólogos se beneficiam da miséria de um povo. Eles ganham dinheiro para ficar observando um povo que está morrendo e nada fazem para mudar isso? É doloroso. 

Como responde às críticas de que a senhora vai na contramão da luta pelos movimentos indígenas?

Posso ir contra a luta de um movimento. Mas não sou contra o direito de ser e existir e da dignidade de um povo. E jamais contra a soberania de um país. Não sou obrigada a pensar como todos. Então meu pensamento não pode ser livre? Quer dizer que, para eu ser considerada indígena, sou obrigada a pensar aquilo que querem que eu pense? Será que não posso, através da minha experiência e da minha observação, ter a minha própria análise sobre os fatos? Não quero condenar meu povo a viver no ano de 1500. Quero que os povos indígenas tenham o mesmo acesso que eu tenho.

“Há um incentivo para que os indígenas permaneçam no passado, sem acesso à tecnologia e aos avanços da medicina”

Por que não existem mais indígenas que pensam como a senhora?

Porque eles são perseguidos. As ONGs fazem uma lavagem cerebral para que os indígenas não aceitem certas políticas, sob o pretexto de que a cultura vai desaparecer. Aqueles que são convencidos pelas ONGs abafam a vontade, por exemplo, de ter energia elétrica. 

Algumas organizações questionam o fato de um indígena querer usar o Sistema Único de Saúde. Minha sobrinha, grávida do quinto filho, morreu durante o parto porque foi obrigada a ter o filho na aldeia, sem poder ir à maternidade. Cinco crianças ficaram sem a mãe. Existe, por parte de muitas organizações, uma proteção poética do povo indígena. Há um incentivo para que os indígenas permaneçam no passado, sem acesso à tecnologia e aos avanços da medicina.

Sílvia é uma voz que destoa de boa parte das bandeiras defendidas por movimentos indígenas | Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei sobre o marco temporal de terras indígenas, que defende que só podem ser demarcadas as terras já ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. O texto foi enviado ao Senado. No STF, o julgamento foi suspenso em junho por um pedido de vista do ministro André Mendonça. O placar, por enquanto, está em 2 a 1 contra a tese do marco temporal. Como a senhora enxerga a questão? 

Por que a Constituição é inconstitucional? A Constituição estabeleceu a data da sua promulgação como marco do tempo. Essa discussão ocorre para criar uma guerra de conceitos e tentar conquistar o apoio dos indígenas a essa tese. Mas de que adianta demarcar uma terra se a legislação proíbe o indígena de produzir nela? São pessoas que estão sob cárcere verde. Veja o exemplo da tribo dos índios paresis, em Mato Grosso. Eles furaram o bloqueio de 1500 por dominarem a expertise da agricultura e resolveram produzir em suas próprias terras. Foram multados pelo Ibama, proibidos pelo Ministério Público Federal e pela Funai de plantar em suas terras, porque estariam danificando o solo. Quer dizer que eles precisam viver de cesta básica, não podem ser livres economicamente? 

Como a legislação brasileira impede o progresso dos indígenas?

Recentemente, a Funai anulou uma normativa do governo anterior que permitia ao indígena obter uma licença do Ibama para produzir em sua própria terra. O indígena não pode produzir fazendo uso da agricultura mecanizada, só pode produzir para sua própria subsistência. Ele vai tirar dinheiro de onde? Além de não poderem vender a produção excedente, os indígenas são induzidos pelas ONGs a falar mal da agricultura brasileira, que alimenta metade do mundo. No caso dos indígenas paresis, eles são obrigados a vender a soja para outros produtores abaixo do preço, ainda que seja de melhor qualidade. E não podem exportar o excedente, porque o mercado internacional não aceita comprar a soja produzida na terra deles. Essa política está condenando povos. 

No início do ano, a imprensa noticiou a crise sanitária enfrentada pela Terra Indígena Yanomami, a maior reserva indígena do Brasil, com casos de malária e desnutrição grave. Por que isso acontece naquele território?

Isso ocorre há muitos anos. Aquele povo foi condenado a viver no isolamento, sem acesso a nada. Eles se alimentam de peixe, do biju, que vem da mandioca, de raízes, do que eles coletam na mata, e da caça. Quando chove, não tem caça, e o peixe também não aparece, porque a água fica turva. E vão comer o quê? Vão comer raízes. Existe um cogumelo muito nutritivo que é alimento dos ianomâmis, fácil de coletar, mas que não se encontra mais na floresta. As ONGs estão vendendo esses cogumelos no mercado. O Instituto Socioambiental (ISA) [o ISA é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público que tem equipes e escritórios permanentes em São Paulo, Distrito Federal e quatro Estados amazônicos, além de atuação nas regiões do Vale do Ribeira, Xingu e Rio Negro] vende o cogumelo, mas não reverte esse dinheiro para o povo. 

Cogumelos Yanomami vendidos pelo Instituto Socioambiental | Foto: Divulgação
A senhora foi a primeira mulher indígena a entrar para o Exército Brasileiro. Como enxerga o papel das Forças Armadas na política indigenista no Brasil?

O Exército Brasileiro sempre cuidou dos indígenas como um patrimônio, como um dos maiores exemplos de sobrevivência na selva. Sabemos que, em lugares inóspitos, os indígenas dependem do sistema de saúde do Exército Brasileiro. Muitas vezes, os indígenas só têm acesso a alimentos, remédios e assistência médica por meio de aviões da Aeronáutica. Quando impedimos os indígenas de ter esse acesso, alimentamos organizações criminosas que se beneficiam dessas carências. 

A senhora foi a deputada federal menos votada do Brasil, com 5.435 votos. Como foi sua campanha? 

Eu não me via na política. Fui convocada pelo então presidente Jair Bolsonaro, em 2018, para fazer a transição de governo. Logo depois, assumi o cargo de secretária nacional de Saúde e vi muita interferência do meio político no Poder Executivo. Queria denunciar esses abusos e resolvi me candidatar em 2022. Não tive tempo para fazer campanha. Fiquei 30 anos fora do meu Estado. Quando retornei em 2022, tive de conhecer as pessoas da minha cidade. Não tive direito a cota, como as outras mulheres do partido. Lutei para receber R$ 100 mil [Sílvia recebeu do PL R$ 100 mil do fundo eleitoral e R$ 26 mil do fundo partidário], já no fim da minha campanha, mas houve candidata que chegou a receber R$ 1 milhão. Eles me humilharam, fizeram atrocidades comigo, porque me recusei a ser desleal com o meu candidato, Jair Bolsonaro. Integrantes do meu partido, no Amapá, disseram que eu só teria direito a estúdio para gravar a propaganda eleitoral se eu aceitasse apoiar adversários de Jair Bolsonaro, do governo do Estado e do Senado. Eu não quis trair meus princípios, mesmo que isso custasse meu mandato.

Como a senhora avalia a situação do cacique Serere, preso desde dezembro passado por participação em atos contra a eleição de Lula? 

A Funai não se manifesta. Já oficiei ao órgão, mas não obtive resposta até hoje. Vemos o completo desinteresse da Funai e do Ministério dos Povos Indígenas em proteger e lutar pela liberdade do Serere. Em janeiro de 2017, um indígena, parente da atual ministra dos Povos Indígenas, foi preso com mais de duas toneladas de maconha plantadas em terras indígenas. Muitos correram para defendê-lo. E o Serere, qual crime ele cometeu? Ele não pode questionar? Serere acreditou que foi lesado e lutou até onde foi possível para ter uma resposta. Será que ele não pode ser protegido porque é um indígena que pensa diferente?

Desde que assumiu como deputada, a senhora já conversou com Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas? 

Sonia Guajajara foi candidata a vice-presidente em 2018 [ela formou chapa com Guilherme Boulos, do Psol], e a principal pauta dela era a liberação da maconha. Mas é a mesma ministra que proíbe plantação de soja, milho e arroz em terras indígenas. E é a favor da liberação da maconha? Tive um único contato com a ministra, quando questionei, em uma audiência pública na Comissão da Amazônia, se ela iria facilitar o acesso da Polícia Federal a terras indígenas onde houvesse plantio de maconha. Fui hostilizada e vaiada, inclusive por indígenas que ela levou para apoiá-la. Outro deputado disse que não me reconhecia como indígena. Temos vários indígenas ocupando espaços, tanto no governo quanto no Parlamento. Todos nós, eleitos, moramos em apartamento, bebemos água gelada, tomamos banho de água quente, nos cobrimos com cobertor, com lençóis. Podemos pedir comida pelo iFood. Mas alguns de nós condenam o indígena a viver no ano de 1500, enquanto estão gozando dos benefícios inerentes ao cargo.

Sílvia também critica a legislação brasileira, que impede os povos indígenas de ser autossustentáveis, de produzir e vender o que é plantado em suas terras | Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

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9 comentários
  1. ROGÉRIO B C FUNFAS
    ROGÉRIO B C FUNFAS

    Difetente dos demais dePuTados federais da bancada do Amapá, Silvia Wajapi é uma verdadeira PATRIOTA!

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Parabéns por sua atuação, Silvia. E completando, o Amapá precisa nos livrar de criaturas como Randolfe Rodrigues.

  3. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    É o governo do amor semeando ódio onde quer que coloque seus tentáculos.

  4. Douglas Gonzaga da Silva
    Douglas Gonzaga da Silva

    Parabéns Paula pela belíssima entrevista. Parabéns deputada Sílvia, que a sua coragem e inequívoco mérito, sejam exemplo para demais servidores públicos.

  5. Patricia Fonseca Pereira
    Patricia Fonseca Pereira

    Excelente. Precisamos de mais deputados como ela.

  6. Eratostenes Araujo
    Eratostenes Araujo

    Registro os meus cumprimentos à Revista Oeste e à deputada Silvia Waiãpi. Já a ouvi se pronunciando no Congresso Nacional e me causou muita satisfação pelo seu desempenho. A classifiquei como integrante do pequeno grupo dos atuais parlamentares que se encontram, qualitativamente, na camada superior dessa legislatura.

  7. Rosely M G Goeckler
    Rosely M G Goeckler

    Excelente entrevista, Paula! Adoro ouvir a Deputada Sílvia!

    É necessário dar voz a esses indígenas! Não posso acreditar q não queiram conforto e poder produzir para seu sustento e desenvolvimento!

  8. Marcos Antonio
    Marcos Antonio

    Parabéns. à Deputada Silvia Waiãpi, precisamos de mais indígenas se manifestando sobre a politica indigenista. O interesse internacional nas terras indígenas precisa ser exposto. A ONU e a União Europeia fazem parte desse problema.

  9. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Se nós estamos condenados à miséria pelos governos de esquerda imagina os índios

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