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Ilustração: Shutterstock
Edição 176

Petrobras: o PT volta ao ataque

Mais uma vez no poder, PT volta a aplicar a mesma receita na estatal: manutenção de preços artificialmente baixos, planos de investimentos mirabolantes e aparelhamento político

Carlo Cauti
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“Não aprenderam nada, não esqueceram nada.” Bastaria essa frase para reassumir a gestão da Petrobras no novo governo do PT. Pronunciada pelo político francês Charles Talleyrand depois da restauração da dinastia Bourbon ao trono, a frase se adapta perfeitamente às escolhas da recém-empossada diretoria da estatal petrolífera. Praticamente idênticas às do período de 2003 a 2016: manutenção de preços artificialmente baixos, planos de investimentos mirabolantes, aparelhamento político. A mesma receita que, no passado recente, levou a maior empresa brasileira ao desastre.

A única diferença são os casos de corrupção descobertos pela Operação Lava Jato. Até o momento, não registrados. 

Petrobras na mira de Lula

Durante a campanha eleitoral de 2022, a Petrobras foi um dos alvos favoritos do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Qualquer ocasião era válida para atacar a política de paridade de preços internacionais dos combustíveis (PPI), a venda de ativos menos rentáveis e a distribuição de dividendos. 

Charles-Maurice de Talleyrand, político francês | Foto: Wikimedia Commons

Depois de eleito, Lula escolheu como presidente da Petrobras o ex-senador Jean Paul Prates (RN-PT). Imediatamente, a velha cartilha petista passou a ser aplicada na estatal. A PPI foi arquivada, e a Petrobras voltou a vender combustíveis no mercado brasileiro a um preço mais baixo do que o mercado internacional. Obviamente, amargando prejuízos em seu balanço. 

“Da última vez que isso ocorreu, entre 2010 e 2014, a Petrobras acumulou um rombo de cerca de R$ 240 bilhões”, explica Pedro Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Na época, a então presidente Dilma Rousseff tentou manter a inflação artificialmente baixa forçando a Petrobras a reduzir o preço dos combustíveis. Deu certo até a eleição, e a herdeira de Lula ganhou um novo mandato. Mas as contas da estatal ficaram devastadas. 

Quando Dilma entrou no Planalto, a Petrobras era a sétima maior empresa do planeta. No final da presidência, a companhia petrolífera tinha se tornado a mais endividada do mundo. As ações despencaram, passando de R$ 40 para R$ 6. Uma das mais rápidas e intensas destruições de valor da história econômica do Brasil. 

Segundo Rodrigues, desta vez o resultado negativo vai demorar um pouco mais para aparecer, pois a cotação do barril de petróleo está mais baixa do que na época, assim como o câmbio do dólar. “Mas é algo inevitável”, salienta o diretor do CBIE. “Não tem como fugir da matemática. A Petrobras se tornou a única companhia petrolífera do mundo que torce para que o preço do petróleo não suba. Cada dólar a mais não se torna lucro, como acontece com qualquer outra empresa do setor, mas prejuízo.”

Cálculos da Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom) mostram que a Petrobras estaria atualmente praticando preços defasados em 20% para o diesel e em 21% para a gasolina em relação às cotações internacionais. 

“O diesel deveria aumentar R$ 0,90 por litro para estar alinhado com o resto do mundo”, explica Sergio Araújo, presidente executivo da Abicom. “Caso contrário, são R$ 0,90 de prejuízo por litro que a Petrobras deve aguentar. Multiplicados por bilhões de litros vendidos por ano, se transformam em um rombo gigante. É um ganho razoavelmente pequeno para o bolso do consumidor, mas é um estrago enorme para a Petrobras. E para todo o Brasil.”

Os resultados negativos começaram a aparecer já no balanço do segundo trimestre do ano, o primeiro da gestão da diretoria escolhida por Jean Paul Prates. O lucro líquido despencou 47%. A dívida subiu 8,2%. O pagamento de dividendos desabou 83%. Mesmo assim, Prates declarou que o desempenho foi “consistente” e a “rentabilidade foi mantida de maneira sustentável, com total atenção às pessoas”.

Não é possível estimar com certeza o tamanho do prejuízo que a estatal vai enfrentar nos próximos meses, pois a empresa representa cerca de 80% de toda a capacidade de refino brasileira. Isso dificulta uma análise mais precisa, já que há muitas variáveis regionais envolvidas dependendo da localização da refinaria. No caso das importações, esse cálculo é mais fácil. Mas elas representam apenas 20% do consumo brasileiro. Especialistas realizaram cálculos que mostram que o impacto deveria ser de cerca de R$ 14 bilhões por trimestre.

Concorrência predatória

A manutenção artificialmente baixa dos preços também provoca danos colaterais em toda a economia nacional. Para os concorrentes particulares da estatal, a competição se torna impossível. A atuação predatória da Petrobras acaba forçando as empresas privadas de extração e refino a interromper suas produções. Com o risco de desabastecimento para o mercado interno.

“No Brasil, cerca de 20% da produção de combustíveis derivados vem de empresas particulares”, diz Evaristo Pinheiro, presidente da Refina Brasil, associação que reúne as refinarias particulares. “Se a Petrobras atuar dessa forma, mantendo os preços tão baixos, a atividade dessas plantas se tornará antieconômica. Diferentemente da estatal, elas não conseguem amargar um prejuízo operacional. Por isso, é muito provável que em setembro tenhamos problemas de abastecimento.”

Não por acaso, Prates ordenou que as plantas da Petrobras intensificassem as atividades de refino de combustíveis, chegando a 93% da capacidade produtiva. Colocando sua infraestrutura sob um estresse intenso.

“Se essa política de preços artificialmente baixos continuar, existe o risco de fechamento das refinarias particulares no Brasil”, explica Pinheiro. “Com perda de milhares de empregos e fuga de investimentos estrangeiros. E redução da concorrência no setor. A Petrobras vai voltar a ter o monopólio. Para o presidente Lula, fazer concorrência com a Petrobras é algo ruim. Não é. Faz bem para toda a economia brasileira. Matar o refino privado no Brasil significa prejudicar o crescimento futuro do país.”

Lula com as mãos sujas de petróleo durante visita à plataforma de Angra, em 2010 | Foto: Divulgação
A volta da gastança 

Se com a manutenção de preços mais baixos do que o mercado a Petrobras está perdendo bilhões de reais, com a volta dos planos faraônicos de investimentos ela vai gastar outros bilhões. O governo quer mais investimentos por parte da estatal, na mesma linha do que foi feito nas passadas gestões petistas. Mesmo que isso resulte em menor remuneração para os acionistas. Entre os quais está o próprio governo, que detém a maioria das ações. Por isso, na semana passada, a Petrobras anunciou uma revisão da política de dividendos, reduzindo a distribuição dos lucros de 60% para 45% do fluxo de caixa livre. 

As reivindicações eleitoreiras de Lula foram atendidas. Mas o governo vai perceber em breve que ele era o principal beneficiário dos dividendos da Petrobras, enquanto maior acionista da empresa. Foi graças a esse dinheiro que o então ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguiu garantir que as contas públicas fechassem no azul durante os anos da pandemia. Mesmo com os gigantescos gastos do auxílio emergencial. 

Pode parecer surpreendente, mas o mercado reagiu relativamente bem à mudança na política de dividendos. As ações da Petrobras se mantiveram na faixa dos R$ 33. “Foi algo ruim, mas os investidores esperavam algo muito pior”, explicou Rodrigues. “Ocorreu o mesmo quando foi aprovado o arcabouço fiscal: a expectativa com esse governo é tão baixa que, quando sai uma decisão negativa, porém não desastrosa, o mercado sobe.”

O próprio plano estratégico de investimentos da Petrobras para o período de 2023 a 2027 prevê um aumento de US$ 72 bilhões para US$ 100 bilhões em investimentos. Mas ainda é menos que os US$ 236,5 bilhões investidos durante o período da gestão de Graça Foster, de 2012 a 2016. Ou seja, ainda existe espaço para gastar mais. 

Boa parte desse dinheiro deveria ir para a construção de novas refinarias. Outro filme já visto no passado recente da Petrobras. Com desfechos trágicos. 

Petrobras
Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco | Foto: Divulgação

A Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que deveria custar R$ 12 bilhões, superou os R$ 100 bilhões e se tornou a refinaria mais cara do mundo. Um vexame internacional para a Petrobras e para o Brasil. A construção, que teve início em 2003, nunca foi concluída. Deveria ser realizada em parceria com a Venezuela, com o projeto de refinar o petróleo venezuelano mais “pesado”. Acabou que Caracas não colocou um tostão. A Lava Jato descobriu inúmeras irregularidades e casos de corrupção envolvendo a planta. Na gestão passada, a Petrobras tentou vender a infraestrutura, não deu certo. A nova diretoria tirou a refinaria do elenco dos ativos que deveriam ser vendidos, e quer colocar mais dinheiro. 

Sem contar os casos de péssimo uso do dinheiro da Petrobras no exterior, emblematicamente representado pela refinaria de Pasadena (Estados Unidos). Um negócio que custou quase R$ 2 bilhões aos cofres da estatal, para a compra de uma planta velha e inútil para a estratégia de produção da empresa. 

Foi também por causa dessas decisões insensatas que a Petrobras chegou a acumular uma dívida monstruosa, superior a R$ 492 bilhões. Após seis anos de gestão diametralmente oposta, esse valor diminuiu para R$ 280 bilhões.

“Mesmo que o Brasil precise de fato aumentar sua capacidade de refino para atender ao mercado interno, a Petrobras não tem um bom histórico de gestão de investimentos durante os governos do PT”, afirma Rodrigues. “Além disso, para a Petrobras não faz sentido investir em uma tecnologia já antiga, como a das refinarias. Ela deveria se concentrar no que sabe fazer melhor, e que garante mais retorno: a extração de petróleo em águas profundas. Nesse setor ela já é líder mundial, e poderia melhorar ainda mais.” 

O tripé da gestão petista da Petrobras só poderia ser completo com a volta do aparelhamento. A própria nomeação do ex-senador Prates no comando da estatal ocorreu em violação à Lei das Estatais e ao estatuto da própria empresa

Se a Petrobras voltar a investir em refinarias, estará violando um acordo assinado em 2019 com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para reduzir sua posição dominante no mercado. A estatal tinha se comprometido a vender 50% da sua capacidade de refino para operadores particulares. 

O único lugar onde a Petrobras é forçada a prestar contas de verdade não é sequer no Brasil. É no tribunal de Nova York, nos Estados Unidos. Por causa da voragem nas contas da estatal provocadas pela péssima gestão e pelos escândalos de corrupção, a Petrobras foi obrigada a pagar mais de R$ 3,6 bilhões em multas para encerrar uma investigação criminal. E outros cerca de R$ 15 bilhões para investidores norte-americanos que foram prejudicados. Dinheiro dos brasileiros jogado fora por responsabilidade de diretorias nomeadas pelo PT no passado. 

Petrobras
Petrobras | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Aparelhamento disfarçado

O tripé da gestão petista da Petrobras só poderia ser completo com a volta do aparelhamento. A própria nomeação do ex-senador Prates no comando da estatal ocorreu em violação à Lei das Estatais e ao estatuto da própria empresa, que veda políticos e dirigentes partidários por 36 meses após o fim do mandato. Prates foi senador até 2023. 

Outros três membros do Conselho de Administração da Petrobras foram nomeados mesmo sendo considerados inelegíveis. São eles: Pietro Mendes, secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; Efrain Cruz, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (MME); e Sergio Rezende, dirigente do PSB.

Todas as instâncias de governança interna da estatal vetaram os nomes. O governo forçou a barra usando sua maioria na assembleia dos acionistas para aprová-los. Não contente, nomeou o próprio Mendes presidente do Conselho. Muitos observadores esperam que ele e Prates sejam a correia de transmissão das vontades do governo na gestão da Petrobras, que voltará a ser utilizada como instrumento de política fiscal, social e política, em detrimento de sua função empresarial de extrair petróleo. 

Outra clara violação das regras foi a nomeação de Sergio Caetano Leite como CFO da estatal. No passado, ele e Prates eram sócios na Expetro, uma consultoria ligada ao setor de petróleo. Leite também atuou como subsecretário do Consórcio Nordeste, enquanto o colega foi senador pelo Rio Grande do Norte. E sua mulher, Fernanda Hauptli Caetano Leite, era assessora parlamentar de Prates no Senado. Para a Transformação Digital e Inovação da Petrobras, Prates indicou Carlos Augusto Barreto. Em 1985, os dois estudaram na mesma turma do Colégio São Bento — um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro.

Jean Paul Prates, presidente da Petrobras | Foto: Agência Brasil

O aparelhamento do Conselho é só a ponta do iceberg. Pois o próprio órgão colegiado pediu que a Petrobras avalie a contratação de assessores para cada uma das 11 vagas de conselheiro, com salários de até R$ 90 mil. Cargos e salários seriam escolhidos pelos próprios membros do Conselho. 

“A Petrobras pode voltar a se tornar um gigantesco cabide de empregos”, diz Rodrigues. “Esse aparelhamento político vai ser difícil de ser desfeito. Terá consequências nos próximos anos.”

De fato, na gestão da Petrobras o PT não esqueceu nada e não aprendeu nada. O mesmo que os Bourbon há dois séculos. A família europeia voltou a cometer os mesmos erros, e perdeu o trono em poucos anos. Definitivamente. No caso da Petrobras, o Brasil vai enfrentar novamente as amargas consequências dos erros de gestão já vistos no passado. Resta saber se o desfecho será o mesmo.

Leia também “O dilema da Shein”

12 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Adolfo Sachsida e Paulo Guedes iniciaram o caminho para privatização da Petrobrás, que é o melhor caminho. Mas o Ladrão voltou a cena do crime e atrapalhou tudo.

  2. Paulo Roberto Polidoro
    Paulo Roberto Polidoro

    O que impressiona é a passividade de nós, povo. Mesmo sabendo que a história está repetindo, nada fazemos.
    É como o gado, que entra na baia, sabendo que na outra ponta vai morrer, mas nada faz.
    Somos um povo medíocre. Até quando seremos assim ?

    1. Marcus Borelli
      Marcus Borelli

      Não somos um povo medíocre, somos um povo com medo por causa dos sinistros do stf.

      1. José Geraldo Xavier
        José Geraldo Xavier

        Isso e ninguém contém o Morais

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esse PT é pior do que a praga do Egito no tempo de Abraão

  4. Janás Félix
    Janás Félix

    Pois bem, como falamos aqui na Bahia… Tudo como dantes no quartel de Abrantes. O Brasil nas mãos dessa petezada maléfica nem nos meus piores pesadelos, e a história vai se repetindo, com uma certa diferença, a morte da “lava jato” situação complicada demaissssss.

    1. Afonso Celso Pereira Barretto
      Afonso Celso Pereira Barretto

      A questão não é a gestão furtiva do PT nesta estatal ou em qualquer outra. Não há um só brasileiro consciente que confie nesta seita. Mas sim…. as duas cabeças da Petrobras. A Petrobras foi construída com todos os benefícios e incentivos fiscais inerentes a uma empresa estatal, somado ao sacrifício do povo brasileiro que participou destes investimentos. Mas por uma jogada econômica em benefício de alguns investidores, a PETROBRAS se transforma em um Cia mista…e a divisão ficou clara. E o que era pra ser doce …AZEDOU…Ou seja …o lucro passou a ser rateado por bonificação em dividendos, e os prejuízos custeados pelo bolso da população brasileira. Até no Paraguai o combustível é mais barato. Está bi polaridade econômica desagradou a todos… a Deus e ao Diabo. Nesta caso o diabo não era o consumidor/população. Pra finalizar exige-se da Petrobras uma definição… ou ela assume a identidade fiscal de uma empresa privada e vá dar seu jeito em um mercado aberto, sem regalias fiscais e operacionais. Ou a de uma gestão estatal. Até um frentista com 2° grau possui está noção. Enfim a Petrobras nunca serviu aos brasileiros… Mas agradou sempre a políticos, petroleiros, acionistas, empreiteiros…. E uma classe de marajás eternizados em sua administração, com salário que dá inveja nos EMIRADOS.

  5. Ricardo Galliani
    Ricardo Galliani

    Imagina se SOCIALISTAS amariam uma empresa que da “lucro” para o CAPITALISMO! Esse povo quer destruir tudo que gera lucro e traz dividendo para o país!

  6. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Está em cartaz o remake de um filme produzido por péssimos roteiristas, diretores, atores, cinegrafistas, etc.
    A bilheteria, no caso consumidores e mercado, serão os maiores prejudicados.
    É mais do mesmo com amplas possibilidades de ampliação dos prejuízos que mais uma vez serão arcados pela sociedade.
    No original os criminosos foram processados, condenados e presos. Mas descondenados pelo judiciário ativista, estão livres e o chefe da quadrilha ainda recebeu tratativa diferenciada do Bonner “o senhor não deve mais nada para a justiça”.
    No remake provavelmente nem processo teremos.

  7. Roberto Keller
    Roberto Keller

    É vender as ações da Petrobrás enquanto vale alguma coisa e rodar com etanol que, além de tudo, ainda é mais limpo de hidrocarbonetos. Em todos os sentidos.

  8. MNJM
    MNJM

    Excelente texto. Onde tem PT tem incompetência, cabide de emprego e roubalheira. Está no DNA desse partido nefasto. Parte da sociedade não enxerga, talvez por falta de esclarecimento ou por benefício próprio como é o caso da velha mídia .

  9. Edson Carlos de Almeida
    Edson Carlos de Almeida

    Sem novidade no front petista…..

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