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Prédio de luxo St. Barths, no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo, que teve sua construção embargada pelo Ministério Público | Foto: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Edição 176

A burocracia ‘invade’ um prédio de luxo

A prefeitura paulistana e o Ministério Público de São Paulo se unem na tentativa de demolição de edifício que, em 2015, teve projeto aprovado pelo poder público

Anderson Scardoelli
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Em setembro de 2015, a prefeitura de São Paulo expediu alvará de aprovação do projeto de um prédio residencial de luxo no número 1.246 da Rua Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, no bairro do Itaim Bibi. Com o aval inicial do poder público, a construtora São José seguiu adiante com o empreendimento imobiliário.

Imagens de março de 2016 do Google Street View já mostram anúncios da construtora avisando que o local, próximo à Avenida Brigadeiro Faria Lima, abrigaria a obra do projeto batizado de St. Barths. Quatro meses depois, o terreno baldio tinha sido ocupado pelo estande de vendas do “breve lançamento”.

Os anos se passaram, e a construção do St. Barths, com apartamentos de 382 e 739 metros quadrados, saiu do papel. Todo o processo foi público e aconteceu diante dos olhos das autoridades. Pelo Google, é possível conferir, por exemplo, que em abril de 2018 o empreendimento estava em fase de terraplanagem. Em maio de 2019, a estrutura começou a ser erguida. Em março de 2020, os 23 andares do projeto já eram visíveis. E as obras seguiram — registros de março deste ano mostram que as sacadas dos apartamentos estavam em fase de acabamento.

prédio - burocracia
O empreendimento St. Barths, anunciado em março de 2016 | Foto: Google Street View
prédio - St. Barths
Em julho de 2016, o projeto ganhou estande de vendas no local em que seria construído | Foto: Google Street View
Abril de 2018: obras iniciadas, fase de terraplanagem | Foto: Google Street View
estrutura de prédio - início de obra
Em registro de maio de 2019, é possível conferir que a estrutura estava começando a ser erguida | Foto: Google Street View
prédio erguido
De responsabilidade da construtora São José, o prédio St. Barths já estava erguido em março de 2020 | Foto: Google Street View
obra embargada
Março de 2023: obra embargada, mas já em fase de finalização | Foto: Google Street View
Burocratas de plantão entram em cena

Em 2023, com a obra em fase final, os apartamentos estavam prestes a ser disponibilizados para futuros moradores, certo? Errado. Do começo do ano para cá, entrou em ação a burocracia do poder público. O projeto de alto padrão, que segundo a construtora ainda não vendeu nenhuma das 20 unidades disponibilizadas, foi paralisado. Agora, o St. Barths corre o risco de ser demolido.

A demolição começou a ser discutida a partir de movimentação feita pelo então vereador paulistano Antonio Donato (PT). No dia 9 de fevereiro deste ano, ele, que no mês seguinte tomou posse como deputado estadual, enviou ofício à prefeitura da capital paulista. No documento, o petista denunciou possíveis irregularidades na obra. De acordo com Donato, o prédio foi construído sem ter alvará de execução (construção) — algo diferente do alvará do projeto, segundo diferenciação da burocracia paulistana.

Depois da denúncia, a prefeitura de São Paulo, sob comando de Ricardo Nunes (MDB), posicionou-se em relação ao caso. Num primeiro momento, em fevereiro, o Executivo municipal afirmou ter aberto “apuração preliminar interna para averiguar eventuais responsabilidades de servidores na condução do processo em questão”.

Além de afirmar que iria apurar se houve negligência por parte de servidores diante da construção do prédio, a prefeitura embargou a obra — já em fase final — e multou a São José em R$ 2,5 milhões. A gestão de Nunes alegou que a empresa descumpriu o Código de Obras da cidade. Aparentemente, ninguém do Executivo paulistano havia percebido quaisquer irregularidades na construção ao longo dos últimos cinco anos, período em que a estrutura foi erguida. 

Denunciada por um vereador do PT, com a obra embargada e alvo de multa por parte da mesma prefeitura que anos antes havia concedido o alvará de aprovação do projeto, a construtora São José também passou a ser alvo do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Ainda em fevereiro, a Promotoria de Habitação e Urbanismo do MPSP abriu inquérito contra a empresa. O intuito, segundo o órgão, era investigar como um prédio foi erguido no decorrer dos últimos anos sem a devida autorização.

O prefeito de São Paulo Ricardo Nunes fala à imprensa no Palácio do Planalto
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, defende a demolição do prédio de luxo construído no decorrer dos últimos cinco anos | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Obra parada e risco de demolição

A situação do empreendimento St. Barths ganhou novos capítulos nas últimas semanas. No dia 27 de julho, o MPSP anunciou que acionou a Justiça, por meio de ação civil pública, com dois pedidos: o pagamento de indenização de R$ 479,8 milhões por “danos urbanísticos e ambientais que se comprovem irreversíveis” e a demolição do prédio.

“A ação afirma que o edifício foi construído em desconformidade com a legislação vigente, sem alvará de execução, indeferido em três instâncias em virtude da ausência do certificado de pagamento de 3.514 Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), não havendo previsão legal para regularização do empreendimento”, afirmou o MPSP. “Para a promotoria, o município não fiscalizou corretamente a obra, o que permitiu a construção dos 23 andares.”

Assim, o Ministério Público confirmou que a burocracia está por trás da possibilidade de se demolir um prédio construído em área nobre da capital paulista. Por meio de comunicado, o órgão indicou que a irregularidade não está relacionada a um eventual problema estrutural, que poderia colocar em risco futuros moradores e outros imóveis próximos. Nada disso. O imbróglio se dá em decorrência da ausência dos tais Cepacs.

Três dias depois do comunicado do MPSP, a prefeitura de São Paulo avisou que realizou o mesmo procedimento: ação na Justiça pedindo indenização e demolição do “edifício de alto padrão construído irregularmente”.

O prefeito Ricardo Nunes fez questão de ressaltar que não aceitará a situação de prédios como o St. Barths. “É muito importante a prefeitura dar uma demonstração de não aceitação de irregularidade, de falta de ética.”

“Desejo que a Justiça conceda esse pedido da administração municipal, que fique inclusive muito claro que na cidade de São Paulo não se admite que as pessoas façam ações em descumprimento à legislação.”
(Ricardo Nunes)

Nunes, contudo, não explicou por que não aceitou antes a alardeada “irregularidade” envolvendo um empreendimento imobiliário no bairro do Itaim Bibi. Não externou a razão de, mesmo já sendo uma autoridade pública, não ter feito nada a respeito até o início deste ano. Em 2018, quando a obra começou a ser erguida, ele cumpria seu segundo mandato de vereador. Em janeiro de 2021, assumiu o cargo de vice-prefeito e tornou-se prefeito em maio do mesmo ano, em decorrência da morte de Bruno Covas.

“O que mais impressiona é pensar que não tem fiscalização na cidade”, afirma a arquiteta Cind Octaviano. “Como a prefeitura não percebe que um prédio está sendo construído sem os devidos alvarás e as devidas licenças? Isso é um grande problema da gestão pública.”

O que são Cepacs?

Símbolo da burocracia dessa história, os Cepacs são um título que funciona como uma espécie para o direito de construir determinadas obras. Neste caso específico, eles são adquiridos via leilões realizados pela Bolsa de Valores do Brasil, a B3. O processo é obrigatório para obras realizadas em três regiões chamadas de Operações Urbanas Consorciadas (OUC): Faria Lima, Água Espraiada e Água Branca.

Com o dinheiro arrecadado com os Cepacs, o Executivo paulistano consegue financiar obras e outras ações públicas na região. Segundo o MPSP, a construtora responsável deveria ter arcado com R$ 61,8 milhões (valores de 2021) para conseguir regularizar a situação — e assim escapar do risco de demolição atualmente em discussão.

ouc - faria lima
Mapa da OUC Faria Lima, na zona oeste da cidade de São Paulo | Foto: Divulgação/Prefeitura de São Paulo
Nenhum apartamento vendido até agora

Com a obra embargada pela prefeitura, a construtora responsável pelo projeto afirmou, por meio de nota enviada ao jornal O Estado de S. Paulo no fim de junho, que nenhum apartamento do St. Barths havia sido vendido. “Frisamos que nenhuma das unidades do empreendimento foi comercializada, conforme a nossa política de respeito aos clientes, mercado e demais parceiros.”

“É bastante estranho a construtora não ter vendido nenhum apartamento”, observa Cind Octaviano. “Normalmente, existe um cronograma fisco-financeiro, em que os empreendimentos já começam com parte vendida”. O engenheiro civil Vitor Affonso concorda: “As construtoras normalmente, em contato com imobiliárias, conseguem vender na planta e arrecadar parte do dinheiro para arcar com os custos da obra”.

Outra coisa que intrigou os especialistas foi o tempo que o edifício demorou para ser construído. “Não são necessários cinco anos para se construir 23 andares”, afirma Cind. “Provavelmente, a construtora deve ter passado por algum tipo de problema”. Segundo Affonso, o tempo de construção para um prédio semelhante, por uma construtora relativamente boa, é de 24 a 36 meses. Ou seja, de dois a três anos. “Cinco anos é praticamente o dobro do tempo convencional”, diz.

Depois dos pedidos de demolição do edifício, a empresa, que tem mais de 40 anos de atuação e projetos em 11 Estados brasileiros, demonstrou confiança de que a estrutura seguirá em pé. A construtora acredita que o Poder Judiciário irá vetar a ideia de demolir o prédio. 

“A construtora São José já se manifestou nos autos da ação movida pelo Ministério Público demonstrando que a lei não permite a demolição do empreendimento e tem convicção de que isso será reconhecido pela Justiça”, afirmou a empresa, em nota divulgada no fim de julho. “O próprio MP deu parecer contrário à demolição imediata do empreendimento pedida pela prefeitura, indicando que é necessário, no mínimo, debater a questão perante a Justiça.”

“De todo modo, a construtora São José segue buscando uma solução consensual junto às autoridades, sempre deixando claro que está disposta a cumprir todas as exigências legais para regularizar o empreendimento.”
(Construtora São José)

Poder público cria burocracia e pode ‘vender’ solução

A discussão sobre a demolição — ou não — do St. Barths talvez nem precise chegar aos tribunais. Embora o caso específico não tenha sido incluído no processo de revisão do plano diretor da cidade, o que ocorreu em junho, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, vereador Milton Leite (União Brasil), chegou a dizer que um projeto de lei poderia ser formulado para anistiar empreendimentos imobiliários com determinadas irregularidades — o que ocorreu, mas, por ora, só com imóveis isentos do IPTU (e isso não é o caso do St. Barths).

“Quando nós tratamos do Plano Diretor, não tratamos da São José. Devemos tratar da anistia dos imóveis irregulares e da forma de sanção que aplicaremos sobre eles”, disse Leite, durante coletiva de imprensa no fim de maio. “Não só ele, todos os demais imóveis em situação irregular são passíveis de regularização, a chamada anistia.”

Ou seja, o poder público paulistano poderia ser responsável por “vender” a solução para a burocracia que ele mesmo criou.

Leia também “Máquina parada”

7 comentários
  1. João Simoncello Filho
    João Simoncello Filho

    Não tenho opinião formada sobre a situação descrita. Gostaria apenas de comentar a frase da arquiteta Cind (falta fiscalização). No bairro em que resido há dezenas de edifícios altos sendo construídos em condições que comprometem as calçadas e ruas. Aquelas são destruídas e estas também. Buracos imensos, desníveis … nunca consertados nem pelas construtoras, nem pela prefeitura que – creio eu – quer aguardar o término das construções, o que nunca vai ocorrer … Pergunto-me: esses edifícios não pagam taxas? Estas não deveriam servir para a manutenção do local durante a construção? Quando as construturas dão entrada em seus projetos na PMSP, não se lhes exige que tenham uma área operacional para colocar betoneiras, estocar entulho, armazenar tijolos … que não sejam as calçadas e ruas? Quando o plano diretor permite ou um bairro é eleito pelas construtoras, acontece de tudo por lá, menos fiscalização. Bom senso, então, nem aparece.

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esse absurdo é no Brasil todo

  3. Julio José Pinto Eira Velha
    Julio José Pinto Eira Velha

    Nada que uma conver$$$$$inha ao pé de ouvido, não possa resolver, o negócio é notório, criar dificuldades, para vender facilidades.

  4. XY / XX
    XY / XX

    Isso tem o nome de corrupçao. Tenho certeza que a tecnica da mafia itlaliana brevemente estara instalada no Brasil. Corrupto que ………. fora do pinico no outro dia amanhecera mais furado que uma peneira de garimpo, com o famoso disparo de uma escopeta 12 mm com cano cortado. Em todas as reportagens que encontra a sigla PT ja nao tenho duvidas que irei tomar conhecimento de corrupçao, vantagens indevidas, coisas fora da lei………. O POVO TEM QUE COLOCAR UM FIM A ESSE PARTIDO NEFASTO, GLOBALISTAS COMUNISTAS, ou o Brasil jamais tera forças para voltar a progredir.

  5. ITALO CARVALHO FERRAZ
    ITALO CARVALHO FERRAZ

    Vão demolir nada…já vi isso por aqui…estão esperando quem pague a propina, ops, taxa, para regularizar.

  6. Otacílio Cordeiro Da Silva
    Otacílio Cordeiro Da Silva

    Já ouvi dizer que ninguém precisa ter medo de o mundo acabar por fogo ou por água. A burocracia é que vai acabar com ele.

  7. Alexandre Chamma
    Alexandre Chamma

    Seria trágico se não fosse cômico. Essa insegurança jurídica permeia esse Brasil do atraso. Um idiota de um vereador desse partido/quadrilha consegue impedir a entrega de moradias para a cidade mais populosa e caótica no quesito moradia. Pobre país….

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