O jornal The New York Post nos informou que, no último 31 de julho, George Jetson completou seu primeiro aniversário. Nossos parabéns ao garotão, que tem um futuro brilhante pela frente em Orbit City.
Mas, afinal, quem é George? É o patriarca da família Jetson, do desenho animado futurista criado pelos estúdios Hanna-Barbera em 1962 para se contrapor à sátira pré-histórica dos Flintstones. Segundo pesquisa do New York Post, George Jetson teria nascido em 31 de julho de 2022. E o desenho é ambientado no ano de 2062.
Como lembra o Post, “apesar do cenário de ficção científica, o programa era uma comédia típica patriarcal dos anos 1960, (…) discutiam por causa de dramas típicos de trabalho e família”. Apesar do seu convencionalismo, Os Jetsons, segundo a revista The Smithsonian, “permanece como a mais importante peça do futurismo do século 20”.
O futuro mostrado pelos Jetsons era a projeção de uma família de classe média nos Estados Unidos de 1962. Assim como a série The Flintstones, da mesma produtora Hanna-Barbera, projetava essa realidade na pré-história. Muitas das previsões tecnológicas do desenho Os Jetsons foram certeiras, segundo a matéria do Post. Alguns exemplos de acertos e erros:
- Os Jetsons conversavam à distância com outras pessoas através de um “videofone”. Hoje, teleconferências são a coisa mais normal do mundo, via Google, Zoom ou outros aplicativos.
- A família contava com a ajuda de uma “criada” robô chamada Rosie, que até usava avental. Ainda não chegamos aos robôs faxineiros, mas já temos aspiradores de pó robotizados, como o Roomba. E a era dos robôs já começou nos laboratórios. Logo eles estarão entre nós.
- Os Jetsons já tinham TVs de tela plana.
- Carros voadores? Estamos chegando lá. Até a brasileira Embraer está desenvolvendo seu próprio modelo de eVTOL, como é tecnicamente conhecido esse tipo de veículo.
- George Jackson trabalhava apenas três horas por dia, três dias por semana, em um trabalho manual. Esse parece ser um erro de previsão duplo dos criadores dos Jetsons. Estamos trabalhando cada vez mais, sendo cada vez menos em trabalhos manuais.
Os Jetsons revelou ser um modelo de futurologia otimista. A regra na ficção científica costuma ser o pessimismo. Pense na anarquia selvagem da série Mad Max. Ou na cidade melancólica, permanentemente chuvosa, do filme Blade Runner. Adivinhar o futuro quase sempre reflete o estado de espírito e as condições psicológicas de quem faz as previsões. Nós nos projetamos nelas.
A Amazônia de Hollywood
Em 1984, por exemplo, James Cameron transformou um pesadelo em filme. Cameron havia sonhado com um robô que o perseguia sem parar. E assim nasceu o sucesso O Exterminador do Futuro, com Arnold Schwarzenegger e seu “I’ll be back” com sotaque austríaco. Em 1991, veio O Exterminador do Futuro 2, um fenômeno de bilheteria. Foi nesse filme, ambientado em 2029, que o mundo foi assombrado por um exército de robôs assassinos de olhos vermelhos.
Essa imagem é usada até hoje como ilustração dos males que podem ser causados pela inteligência artificial. A visão ultra dark do autor não permite nem um toque de otimismo para o futuro. Em Avatar, de 2009, Cameron já havia se transformado definitivamente num cineasta militante. Na sua fantasia ambientada em 2154, o distante planeta Pandora é uma espécie de Amazônia psicodélica segundo a visão de astros e estrelas ativistas de Hollywood. Nela, selvagens puros e bem-intencionados lutam contra militares malvados e capitalistas sem coração. Achar que daqui a 131 anos a realidade poderá ser resumida nessa visão simplista mostrou que Cameron havia perdido sua capacidade de pensar longe. Ideologia não combina com futurologia.
É muito difícil imaginar um futuro sem estar preso de algum jeito ao presente de quem o imagina. O grande Júlio Verne (1828-1905) refletia, em praticamente todos os romances que escreveu, o mundo do século 19 em que viveu. Como as políticas coloniais das potências europeias. E a ideia de que todo progresso científico e tecnológico é fruto de um velho membro da Academia com sua longa barba branca e seus rompantes de gênio idoso.
Mas Júlio Verne foi, antes de tudo, um profeta da tecnologia. Esta é uma pequena lista de alguns dos inventos que rechearam seus livros:
- Em Vinte Mil Léguas Submarinas (1870), Júlio Verne concebeu a ideia de um submarino movido a eletricidade. O submarino do livro foi batizado de Nautilus — o mesmo nome dado ao primeiro submarino nuclear da marinha dos Estados Unidos a viajar sob a calota polar, em 1958.
- Em 1863, Verne escreveu um livro chamado Paris no Século XX — que só foi descoberto e publicado em 1994. Nele, o escritor fala de uma forma de comunicação instantânea e global bem similar ao que viria a ser a internet mais de um século depois.
- No mesmo livro, o escritor fala de um aparelho chamado “fonotelefoto”, que permitia fazer o que chamamos hoje de videoconferência.
- Ainda em Paris do Século XX, o autor cita a possibilidade de se construírem edifícios com controle climático — criando o conceito de ar-condicionado.
Visto com os olhos de hoje, Júlio Verne parece um bastião de otimismo.
Outro exemplo de relativo otimismo com o futuro se revelou em 2001, uma Odisseia no Espaço, uma parceria entre o escritor Arthur C. Clarke e o visionário cineasta Stanley Kubrick. Em 1968, o filme achava que a Pan American faria voos regulares para a Lua com espaçomoças servindo refeições aos passageiros. Em 2023, ainda não temos ninguém morando na Lua — e a Pan American faliu em 1991.
Sua continuação, 2010: O Ano em Que Faremos Contato (de Arthur C. Clarke e Peter Hyams), lançado em 1986, levantava algumas questões realmente interessantes. Partia de uma premissa equivocada na sua previsão: a de que, em 2010, Estados Unidos e União Soviética estariam à beira de uma guerra nuclear por causa da Nicarágua. Cinco anos depois do lançamento do filme, a União Soviética desabou.
2010 mostra (ao contrário de 2001) um relacionamento construtivo entre os humanos e o computador HAL 9000. Além disso, tem um final grandioso e (perdão pelo spoiler) coloca a humanidade num projeto maior, cósmico, existencial — a criação de um segundo Sol no sistema solar em coordenação com uma inteligência superior e não identificada.
Quase todas as outras tentativas de pensar adiante parecem pessimistas. O futuro, pensado por escritores e roteiristas de cinema e quadrinhos, se transformou num inferno à nossa espera. Em quase todas essas obras o mundo foi destruído ou abalado por desastres naturais e guerras apocalípticas. Outras viraram uma caricatura sociológica rasteira com respostas simplistas.
Metropolis, o clássico alemão de 1927 dirigido por Fritz Lang, mostrava uma sociedade moldada pelo conceito marxista de luta de classes: a elite vive na superfície, os trabalhadores sofrem no subterrâneo. Ironicamente, os líderes nazistas Adolf Hitler e Joseph Goebbels gostaram tanto do filme que, dez anos antes de tomarem o poder, convidaram o diretor a se tornar um “ariano honorário”, renegando sua origem judia. Fritz Lang fugiu da Alemanha na mesma noite em que recebeu esse convite. O filme continua impressionando pela ousadia técnica realizada há quase um século.
O livro 1984, escrito por George Orwell e publicado em 1949, imagina a ditadura stalinista da União Soviética como uma distopia futura — o totalitarismo do Grande Irmão invertendo o sentido das palavras, controlando cada gesto de cada cidadão. Esse “futuro”, hoje, funciona em países como a China, a Coreia do Norte e a Venezuela. “Se você quiser imaginar o futuro, pense numa bota pisando num rosto humano para sempre”, diz um implacável membro do partido.
Um contraponto light a essa visão sombria foi produzido em 1930, em Hollywood — Just Imagine, que tenta prever o mundo de 1980. Os cidadãos de Nova York se deslocam em aviões particulares, tomam pílulas que substituem as refeições, e a formação de casais é uma tarefa do governo. Bebês são escolhidos pelos pais numa dessas máquinas de fast-food e bebidas.
Dois filmes em particular parecem ter previsto o passado, o presente e talvez o futuro de certo país. Um deles foi dirigido em 1985 por Terry Gilliam, do grupo Monty Python. Mostra em estilo retrô uma sociedade futura imaginária dominada por uma imensa burocracia estatal. A máquina do governo é tão dominante que um eletricista particular (interpretado por Robert de Niro) só consegue atender seus clientes em perigosas operações clandestinas. Nome do filme: Brazil.
Temos também Judge Dredd, criado nos quadrinhos britânicos em 1977 por John Wagner. O personagem ganhou uma versão para o cinema em 1995, com Sylvester Stallone no papel título. Nessa história, juízes do século 22 acumulam também os papéis de policiais e executores. Felizmente, superjuízes com tantos poderes existem apenas na ficção científica. Não é mesmo?
Na realidade, esses exemplos mostram que ninguém pode adivinhar o futuro. O melhor a fazer é cuidar do presente com racionalidade e liberdade de pensamento. Isso não vai impedir que um meteoro caia no Pantanal ou que um laboratório chinês deixe escapar outro vírus mortal. Mas evitará que a histeria catastrofista do tipo “mudanças climáticas” determine nossos passos. E permitirá alguma clareza para enxergar o caminho que nos aguarda.
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Muito bom artigo, Dagomir.
Prezado Dagomir, além de uma matéria cativante, parabéns pela união do seu texto com os vídeos!
Muito legal essas lembranças, algumas estão se consumando, principalmente aqui no Brasil.
Ainda q precário, segue instigante prever o futuro