A safra de soja foi recorde no Brasil: 155 milhões de toneladas, 23% acima de 2022. O Estado onde a produção mais cresceu foi o Acre: 115%. Passou de cerca de 20 mil toneladas em 2022 para 44 mil neste ano, produzidas em 12 mil hectares. Não são tantos, se comparados aos 130 mil hectares de Roraima e aos 500 mil de Rondônia. O crescimento da soja ocorre em antigas áreas de pastagens e lavouras. Sem desmatamento, a agropecuária acreana gera emprego, renda e riquezas com proatividade e inovação. E olha cada dia mais para o Pacífico.
O Acre tem cerca de 38 mil imóveis rurais, 2,7% dos registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Brasil. É menos da metade dos 80 mil imóveis rurais de Sergipe, o menor dos Estados. O número de imóveis rurais só é menor no Amapá (6,5 mil) e em Roraima (12 mil). Em 2023, não foi só a produção de soja que cresceu; a safra de milho também. O Acre produziu 190 mil toneladas de grãos. Não é pouco, dada sua estrutura agrária e de atribuição de terras.
A Amazônia é a região do Brasil onde o governo federal mais “federalizou” territórios, retirando-os da gestão estadual e da exploração privada, destinando-os a unidades de conservação integral e terras indígenas. Cada Estado tem uma situação. No Acre, a conversão de terras em áreas protegidas, por decreto federal ou estadual, alcança 4,9 milhões de hectares, ou 30% do Estado. São 31 terras indígenas e 17 Unidades de Conservação Integral.
Nas terras privadas, a legislação ambiental exige dos imóveis rurais destinar áreas à manutenção da vegetação nativa, como reserva legal e áreas de preservação permanente. Os imóveis rurais da Amazônia registraram essas áreas no CAR, sobre imagens de satélite com 5 metros de detalhe e em mapas digitais. Cada Estado é um caso. No Acre, o mundo rural é campeão nacional da preservação ao manter florestas em 6,2 milhões de hectares em fazendas, assentamentos, reservas extrativistas (Resex) etc. Isso representa 79% de suas áreas e 37,7% do Estado. Só no Tocantins, agricultores preservam fração superior à do Acre (39%). Na média, os produtores do Acre só exploram 21% de suas terras.
Áreas protegidas (terras públicas) e preservadas (sobretudo terras privadas) totalizam cerca de 68% do Acre. Somadas às florestas existentes em áreas militares, terras devolutas e imóveis ainda não inscritos no CAR, chega-se a 85% do Acre dedicado à conservação da floresta e a 86,5% em ambientes naturais (com as grandes superfícies hídricas e as formações não florestais).
Por sua localização geográfica, além de preservar a vegetação nativa e operar num contexto ambiental altamente restritivo, a agropecuária acreana luta por sua sustentabilidade. O Acre é o Estado mais ocidental do país, o mais distante do Atlântico e dos grandes mercados nacionais e internacionais. A conclusão da Ponte do Abunã sobre o Rio Madeira eliminou a balsa, trouxe economia, redução de custos e rapidez às carretas carregadas de grãos em direção a Porto Velho e alhures. De Porto Velho, os grãos seguem para diversos destinos, através da competitiva hidrovia do Rio Madeira. Se até agora a safra do Acre ainda caminha para o leste, esse sentido pode ser invertido, via Peru.
O Acre ampliou e diversificou a exportação de produtos agropecuários. Madeira, soja, castanha, milho, bovinos e suínos são os mais vendidos, desde 2019, para 63 países. Peru, Estados Unidos e Hong Kong são os principais parceiros comerciais do Acre. Uma fração da produção de grãos é usada localmente como ração. O frigorífico acreano Dom Porquito foi o primeiro habilitado, em 2022, para exportar carne suína ao Peru. Essa exportação atua de forma complementar no mercado peruano e respeita a produção local. A carne bovina já está autorizada para o Peru e crescerá nos próximos anos.
Lideranças do agronegócio do Acre negociam a abertura da exportação de soja e milho ao Peru e a importação de calcário e fertilizantes. Elas estarão presentes em Lima na feira Expoalimentaria. Quase 90% dos fertilizantes importados do Canadá por Mato Grosso, por exemplo, entram pelos portos de Santos-SP e Paranaguá-PR. A viagem poderá ser mais vantajosa a partir dos portos do Peru, via Acre? O crescimento das relações econômicas com o Peru prepara um novo futuro ao comércio com a China e o mundo.
O fortalecimento dos vínculos comerciais com Peru e China pode tornar o Acre um ponto estratégico de entrada e saída de bens e insumos, não apenas agropecuários, para os Estados brasileiros
Em 2024 entrará em operação no Peru Chancay, o maior porto de cargas da América Latina, a 80 quilômetros ao norte de Lima. Construído pela China, num investimento estimado em US$ 3 bilhões, ele trará novas oportunidades de desenvolvimento econômico para Peru, Equador, Colômbia e territórios isolados da Amazônia. A estatal chinesa Cosco Shipping comprou 60% da Terminales Portuarios Chancay S.A., da Volcan Compañía Minera S.A. O moderno Porto de Chancay, capaz de receber os maiores navios do planeta, unirá a produção e o comércio dessas regiões à rota marítima entre Ásia e América do Sul. Reduzirá tempo e custo de transportes. Há indicativos de abertura de rota de cruzeiros em Chancay e no Havaí, ampliando o negócio do turismo. Esse novo centro de gravidade sino-peruano poderá criar um corredor de exportação e importação para o Acre. Chancay emulará e drenará, pacificamente, riquezas e projetos.
Somente 8,7% do valor exportado pelo Acre e 1,7% do valor importado pelo Estado no primeiro quadrimestre de 2023 foram realizados pela Rodovia Interoceânica Brasil-Peru (via Assis Brasil). Com a construção e operação do Porto de Chancay, surgem novos horizontes para as empresas locais e regionais.
O fortalecimento dos vínculos comerciais com Peru e China pode tornar o Acre um ponto estratégico de entrada e saída de bens e insumos, não apenas agropecuários, para os Estados brasileiros. Quem cuida dessa perspectiva nas altas esferas federais e a integra em planos amazônicos? A decisão recente do governo federal de excluir do PAC a recuperação da BR-319, entre Porto Velho e Manaus, e não refazer seu asfaltamento, aposta na desaceleração do crescimento. A estrada seguirá intransitável no período chuvoso, manterá o isolamento do Amazonas e limitará a integração regional. Estudos de viabilidade da ligação ferroviária e rodoviária entre a cidade de Pucalpa (norte do Peru) e Cruzeiro do Sul (Acre) foram suspensos por decisão judicial.
A população local, sobretudo os mais de 1 milhão de produtores rurais no bioma Amazônia, assiste à distância às discussões acerca de seu futuro em elevadas cúpulas, alimentadas com fábulas sobre o potencial da bioeconomia florestal. Ninguém é contra descobrir e explorar recursos da biodiversidade. A Floresta Amazônica já entregou diversos tesouros de sua biodiversidade e, hoje, eles pouco servem ao desenvolvimento regional.
O primeiro e principal deles foi a borracha, da seringueira amazônica. Hoje, no Brasil, ela é produzida 99,5% fora da Amazônia. Só o Estado de São Paulo garante cerca de 60% da produção de látex do país. O mesmo ocorre com o amazônico guaraná. Apenas a nordestina Bahia produz 58% do guaraná nacional — mesmo Estado que produz 30% do cupuaçu e 25% da pupunha. Outro exemplo é o tambaqui: 39% da produção está no Piauí e no Maranhão.
O jambu (Spilanthes oleracea) ilustra os desafios do desenvolvimento com base na biodiversidade amazônica. Essa hortaliça, muito utilizada em pratos da culinária local (como pato no tucupi e tacacá), tem propriedades antioxidantes, diuréticas e anti-inflamatórias. Abundante em espilantol, substância bioativa versátil, seu óleo tem diversas aplicações em indústrias farmacêuticas e cosméticas. Uma linha conhecida de produtos de beleza contra efeitos do envelhecimento tem como base o jambu. A produção para atender às indústrias cosméticas não está no Pará ou na Amazônia. O jambu é cultivado em municípios como Botucatu, Jaboticabal e Pratânia, em São Paulo.
Na base da produção dos atuais e futuros tesouros da biodiversidade está a agropecuária. Sem uma agricultura estável, legalizada, tecnificada e sustentável na Amazônia, como agregar valor à biodiversidade local? Não haverá verticalização, agroindústria nem parques industriais e científicos. Muito menos sofisticados laboratórios de química fina e outros devaneios. Eles seguirão onde já estão: longe da Amazônia.
Em Rio Branco, as faculdades diplomam jovens que são condenados a buscar emprego no Sudeste, Centro-Oeste e alhures, longe da estagnada Amazônia, como ocorre com os achados da biodiversidade. Eles fazem com amargor o movimento inverso de seus pais e avós, pioneiros da Amazônia Ocidental.
Enquanto políticas públicas criminalizarem e marginalizarem os produtores rurais, ilegalizando-os por atos burocráticos, não haverá desenvolvimento. Sucessivos governos implantaram no bioma Amazônia, através do Incra, 2.312 assentamentos, onde instalaram meio milhão de famílias. No Acre foram mais de 30 mil famílias assentadas, em grande parte invisíveis no CAR e nas políticas públicas. Centenas de milhares foram incentivadas a migrar do Sul e Sudeste para projetos de colonização do Acre ao Pará. Décadas se passaram. A maioria ainda não recebeu o título de propriedade.
Eles re-existem, heroicamente. Produzem alimentos básicos à população das mais de 700 cidades e vilas da região. Vivem ameaçados e na insegurança, sem acesso a crédito, assistência técnica e vários programas governamentais. Como obter legalmente autorização de desmatamento ou crédito bancário sem o título de propriedade? Mãe de todas as batalhas, a regularização fundiária parece abandonada, em benefício da desejada desantropização ou desintrusão, uma espécie de eugenismo ambiental defendido aqui e lá fora.
No Brasil e no exterior, quais governos, instituições ou fundos estão dispostos a financiar programas para substituir as queimadas nos sistemas de produção por novas tecnologias agrícolas? Na preocupação ambiental de europeus e norte-americanos não há proposta de financiamentos para sanear e dotar de serviços de água e esgoto as capitais e cidades amazônicas. Elas apresentam os piores índices do país. Quem no exterior enxerga os desafios e necessidades da população da Amazônia?
Para projetar projetos sem a participação do povo da Amazônia, recursos estrangeiros e federais não faltam. Quem sabe ressuscitarão no Acre os projetos falidos da fábrica de preservativos, da piscicultura estatal, das reservas extrativistas e de outras “florestanias”, sobejamente fracassadas? Enquanto isso, cresce a teia do narcotráfico no Acre e na Amazônia.
No mundo urbano, o Amapá, um Estado florestal e preservado, tem a capital mais violenta do país. Em 2022, foram registrados 70 assassinatos por 100 mil habitantes em Macapá. Dez vezes o índice da cidade de São Paulo! Resultado de sua grave situação econômica e social. Quem no exterior tem esse tema da violência como prioritário ao falar de Amazônia? Sobre assassinatos, das cinco capitais mais violentas, três estão na Amazônia: Macapá é seguida por Manaus (53 assassinatos) e Porto Velho (42 assassinatos). As outras duas estão no Nordeste: Salvador (66) e Teresina (41 assassinatos por 100 mil habitantes em 2022). As dez capitais mais violentas estão na Amazônia e no Nordeste.
No Acre, depois da colheita da soja, em fevereiro, muitos agricultores plantaram milho “segunda safra” e, junto, o capim braquiária. Com a colheita do milho, o capim cresce. Lavouras se tornam pastagens. Restos de milho e braquiária alimentam o gado no inverno. Integrar lavoura e pecuária garante uma “terceira colheita” de carne e a adubação orgânica pelo gado. É grande a retirada de carbono da atmosfera em três ciclos anuais de fotossíntese e sua armazenagem no solo. Quem atrasou a colheita da soja tem plantado sorgo e até gergelim, menos exigentes em água. Isso é bioeconomia real. No presente. A agropecuária sustentável no Acre será “um negócio da China”?
Acre deriva de Aquir-í, “rio dos jacarés”, na língua dos apurinãs, habitantes originais das margens do Rio Acre, cujo nome foi estendido ao Estado. Os jacarés habitam a região há milhões de anos. O Museu dos Povos Acreanos apresenta o crânio de um Purussauro, gênero extinto de jacaré gigante. Ele viveu entre 20 milhões e 5 milhões de anos atrás, atingia 10 metros de comprimento e pesava mais de 5 toneladas. Jacarés enganam. Parecem dormir e estão despertos. Parecem lerdos e são rápidos, extremamente ágeis na água. Com o crescimento da produção de alimentos no Acre, muitas surpresas virão do provável casamento do jacaré acreano com o dragão chinês. Quer apostar?
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Informações valiosas. Que cheguem rapidamente ao bravo povo acreano, em busca de seu desenvolvimento.
Excelente artigo. Aprendemos muito com esses conhecedores do Brasil tão distantes do sudeste.
O Xi Jinping, não obstante o monstro comunistra na repressão e escravização do povo chinês, ele sabe desenvolver o país ao contrário desse trapo velho daqui que só faz engessar o país e aqueles dois irmãos inúteis lá do Acre que se revezaram durante 16 anos entre o governo do estado e o senado, por que não construíram a ponte que Bolsonaro construíu para tirar os mafiosos das balsas do cangote do produtor rural, inúteis
Sempre aprendendo com os atigos/aulas do Prof Evaristo
Seria melhor nao precisar dos chineses pra alavancar o Acre. Teriamos essa possibilidade talvez, nao fosse os desmandos e a vontade de manter o “ qto pior melhor”
Nao vou perder nunca a esperança de um Brasil melhor
Excelente explanação, estimado Professor! Que venha logo essa auspiciosa cruza de dragão com jacaré e que esse novo bicharoco devore e despedace os inimigos da agricultura, do bom progresso e da humanidade.