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Edifício-sede da Eletrobras, no centro do Rio de Janeiro | Foto: Montagem Revista Oeste/Fernando Frazão/Agência Brasil
Edição 179

O PT quer a Eletrobras

Especialistas e operadores do mercado não estão apenas preocupados com o rumo da maior empresa de energia elétrica da América Latina. Estão amedrontados

Carlo Cauti
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A privatização da Eletrobras “foi uma bandidagem”, “uma sacanagem” e um “crime de lesa pátria”. Esses foram os adjetivos usados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para descrever a desestatização da elétrica, realizada em junho de 2022. 

Desde a campanha eleitoral, Lula deixou claro que, caso voltasse ao Planalto, reverteria a venda da ex-estatal. Ganhou as eleições. Está cumprindo a promessa. 

Especialistas e operadores do mercado não estão apenas preocupados com o rumo da maior empresa de energia elétrica da América Latina. Estão amedrontados. E a disputa já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF).

PT tentando tratorar a legislação

Em abril, o governo ajuizou no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para reverter partes da operação. Principalmente a que limita o direito de voto a 10%, independentemente da quantidade de ações. A regra foi incluída no estatuto da Eletrobras para evitar que outra empresa ou investidor assuma o controle da elétrica, que depois da privatização teve o capital pulverizado entre centenas de milhares de acionistas. 

A desestatização da Eletrobras foi realizada com uma oferta subsequente de ações, conhecida no mercado como follow-on. A Eletrobras emitiu 802 milhões de novas ações, colocadas à venda ao valor de R$ 42 cada uma. Foi um sucesso. Mais de 370 mil trabalhadores brasileiros investiram na empresa através do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ou seja, colocaram na elétrica boa parte dos recursos que receberiam depois de se aposentar, confiando em obter melhores retornos. Outras centenas de milhares de pessoas compraram ações via fundos, bancos ou corretoras. 

No total, entraram para os cofres do governo quase R$ 34 bilhões, em uma das maiores operações da história do mercado de capitais brasileiro. A mais importante desde 2010, quando a Petrobras também levantou recursos com a mesma modalidade, obtendo R$ 120 bilhões.

Eletrobras
Edifício-sede da Eletrobras | Foto: Divulgação/Agência Brasil

“O primeiro ponto que deve ficar claro: o governo ganhou muito dinheiro com a privatização da Eletrobras. Querer reverter esse processo não apenas custaria caríssimo, como seria quase um estelionato. Algo de uma gravidade comparável somente ao confisco da poupança pelo Collor”, disse um membro do primeiro escalão do Ministério de Minas e Energia, que preferiu não se identificar.

As manobras do PT para obter o controle da empresa estão apenas começando. Mas os efeitos já são visíveis no mercado. Poucas semanas depois da privatização, a cotação da Eletrobras na Bolsa de Valores de São Paulo quase dobrou, chegando perto dos R$ 130 bilhões em capitalização. As ações começaram a despencar 24 horas após a vitória eleitoral do PT, no começo de novembro do ano passado. Hoje, a empresa voltou a um valor inferior ao pré-desestatização. 

Reconquista na marra

Mesmo com essa queda, se quisesse recomprar a Eletrobras, o governo teria de ressarcir os outros acionistas com cerca de R$ 50 bilhões. Dinheiro que não tem. Por isso a ideia de retomar o controle da elétrica na marra, de forma indireta.

Com a privatização, o Planalto ficou com cerca de 43% das ações da empresa, mas pelas regras da privatização só tem 10% dos votos. E é esse ponto que o governo quer reverter no STF. A Corte poderia declarar inconstitucional apenas esse trecho do processo de desestatização, entregando ao governo quase metade dos assentos no Conselho de Administração da Eletrobras. 

tribunal de contas - Prédio do STF
Fachada do Palácio do STF, em Brasília | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

“É evidente que essa investida do governo não tem fundamento econômico”, afirma um consultor do setor energético. “Se o interesse fosse maximizar as receitas ou aumentar o valor do patrimônio público, poderia tranquilamente permanecer com sua fatia acionária, receber os dividendos proporcionais e ganhar com a valorização da empresa na bolsa. Algo que ocorreria naturalmente, considerando que a gestão privada consegue ser sempre mais eficiente que a pública. Existem casos parecidos de estatais que foram privatizadas quando estavam quase quebradas e que hoje dão lucros recordes, como Vale e Embraer.”

Segundo o especialista, o que move o governo “é uma questão ideológica”. “O PT acha que o Estado deve dirigir a economia”, observa. “Eles acreditam que as maiores empresas do Brasil devem permanecer sob controle público. E, claro, querem colocar membros do partido, aliados e sindicalistas no conselho da Eletrobras. Assim como fizeram logo no começo deste ano com Petrobras e Itaipu.”

Não por acaso, um dos primeiros atos do novo governo Lula foi revogar a Lei das Estatais, que previa uma quarentena de 36 meses para políticos entrarem em conselhos de estatais. O prazo foi encurtado para 30 dias. O Senado tentou resistir, e o Planalto apelou mais uma vez ao STF: o então ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a lei, em um de seus ultimíssimos atos antes de se aposentar.

Ricardo Lewandowski suspendeu a Lei das Estatais pouco antes de se aposentar | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Cláusula anti-Lula

Durante a campanha, Lula tentou adiar a privatização da Eletrobras. “Espero que os empresários sérios que querem investir no setor elétrico brasileiro não embarquem nesse arranjo esquisito que os vendilhões da pátria do governo atual estão preparando para a Eletrobras”, escreveu no Twitter no começo do ano passado.

Nenhum investidor, muito menos estrangeiro, teria comprado papéis da elétrica com um risco como esse. Por isso, o Ministério da Economia criou um dispositivo adicional, estabelecendo que, caso algum acionista atingisse mais de 50% das ações da companhia, assumindo de fato o controle, deveria apresentar obrigatoriamente uma oferta aos outros investidores para comprar todas as ações em circulação, por um valor 200% maior do que a mais alta cotação dos últimos 504 pregões.

Essa cláusula, elaborada para blindar a Eletrobras de uma eventual reestatização, ficou conhecida na Faria Lima — não por acaso — como “anti-Lula”. O PT tentou derrubá-la na Justiça. Sem sucesso. O Tribunal de Contas da União (TCU) a considerou legítima. O partido então escalou a disputa para o STF. 

“Esse é outro ponto que é preciso ter em mente: a privatização da Eletrobras não foi um ato de voluntarismo”, explicou o advogado de um importante escritório de advocacia de São Paulo, que também preferiu manter anonimato. “Ela superou todos os trâmites legais antes de se concretizar. E foram muitos. Não se pode acabar com tudo isso com uma canetada. Prejudicaria a segurança jurídica de todo o Brasil.”

A privatização foi aprovada pela Câmara, pelo Senado e pelo TCU, que chancelou a operação por 6 votos contra 1. O único contrário foi do ministro Vital do Rêgo, ex-deputado e ex-senador, nomeado no TCU por Dilma Rousseff em 2014. Nenhum recurso apresentado pelo PT no STF para barrar a privatização teve êxito. Mas agora as coisas poderiam mudar.

O ministro Vital do Rêgo foi o único a votar contra a privatização da Eletrobras | Foto: Janine Moraes/Agência Câmara
Apagão é a mais nova investida

Na madrugada de 15 de agosto, o Brasil amanheceu sem energia elétrica. Um gigantesco apagão acabou prejudicando quase todos os Estados da federação. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) demorou vários dias para elaborar um relatório preliminar e tentar explicar os acontecimentos. Para o governo foram suficientes poucos minutos para culpar a privatização da Eletrobras pela queda de energia. 

“A Eletrobras não demonstrou respeito”, disse Rui Costa, ministro da Casa Civil. Para Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, a privatização “fez muito mal” ao sistema elétrico. Até a primeira-dama Janja da Silva sentiu a necessidade de expor no Twitter sua indignação com a desestatização da elétrica. 

O que todos omitiram é que, quando a Eletrobras era pública, houve dezenas de grandes apagões. Nove deles somente durante os governos Dilma. 

“Associar a Eletrobras ao apagão não procede”, explica o consultor do setor elétrico. “Existem várias empresas que operam no setor elétrico no Brasil. Pode ter acontecido algo com qualquer uma delas. Além disso, há a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o ONS e uma série de outros órgãos de gestão e fiscalização. Evidentemente, é um pretexto para um ataque político. Para preparar a opinião pública para a ideia de revogar essa privatização.” 

Entre 2002 e 2017, a conta da corrupção e da ineficiência de gestão chegou a assustadores R$ 260 bilhões em valor atualizado

No dia seguinte ao apagão, a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou ao STF um parecer favorável ao governo para que a União tenha mais poder de voto na Eletrobras. “O Supremo tem um teor político, não é exclusivamente jurídico”, observou o mesmo consultor. “Esse tipo de voto é muito comum em casos de empresas com capital pulverizado, as chamadas corporations. No Brasil, isso tem embasamento legal. Então, não há onde atacar nesse ponto. O que eles alegam é que a União não votou e não recebeu por isso. Falso em ambos os argumentos. Votou a favor e recebeu muito dinheiro.”

“O governo quer manter a geração de energia elétrica estatal, mas no longo prazo todas as empresas do setor serão privatizadas”, afirma Altino Ventura, ex-presidente da Eletrobras. “Isso é algo saudável para a economia brasileira e para o governo também, que assim obtém mais recursos para se concentrar em questões realmente importantes, em atividades próprias, como segurança, educação. A infraestrutura deve ser deixada para empresas privadas. Até como forma de atrair capital estrangeiro privado. O que deve garantir o correto funcionamento do sistema são as agências reguladoras, que formulam as estratégias e o planejamento para o futuro do Brasil.”

Altino Ventura, ex-presidente da Eletrobras | Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Volta à cena do crime

A volta do controle político na Eletrobras preocupa os investidores, principalmente, por uma razão: corrupção. Um cálculo realizado pela gestora 3G Radar estimou que, durante o período das gestões petistas da elétrica, entre 2002 e 2017, a conta da corrupção e da ineficiência de gestão chegou a assustadores R$ 260 bilhões em valor atualizado.

A própria Eletrobras admitiu os prejuízos com a roubalheira. Em um documento entregue, em 2016, à Comissão de Títulos e Câmbios (SEC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, a elétrica revelou perdas de R$ 302,5 milhões entre 2014 e 2015 em razão de práticas de corrupção. 

Em 2022, a Eletrobras recebeu R$ 139,6 milhões da empreiteira Andrade Gutierrez, num acordo de leniência por causa de casos de corrupção envolvendo a construtora. O prejuízo total provocado por pilhagem e incompetência, descobertas pela Operação Lava Jato, chegou a ser três vezes maior do que o valor de mercado da Eletrobras. 

Todavia, o que realmente devastou as contas da elétrica foi a péssima gestão pública. A manutenção de empresas de distribuição de energia no Norte e Nordeste, a construção de gigantes hidrelétricas na Amazônia, a retomada da construção de Angra III, e o custo com o impacto da aceitação da política elétrica do governo Dilma foram portentosas alavancas de destruição de valor da Eletrobras, gerando bilhões de reais de prejuízo. Chegou-se ao paradoxo de que empresas privadas do setor elétrico com um terço do tamanho da Eletrobras pagavam mais impostos ao governo federal do que a estatal.

Angra III: a retomada de sua construção contribuiu para derrubar o valor de mercado da Eletrobras | Foto: Divulgação Governo Federal
Grandes manobras já começaram

As articulações do governo para retomar o controle da Eletrobras ganharam mais visibilidade com a saída do CEO. Wilson Ferreira Jr., um dos executivos mais respeitados do setor elétrico, renunciou ao cargo poucas horas antes do mega-apagão. 

“Ele foi forçado a deixar o cargo por um conselho de administração que está se alinhando às vontades do governo”, afirmou o CEO de uma importante empresa elétrica privada. “Nem mesmo a venda de imóveis da companhia ele pôde fazer em paz. Ele não aguentou e foi embora.” 

Ferreira era considerado pelo governo a encarnação da privatização da Eletrobras. Durante sua gestão, a empresa foi desestatizada. E ele levou adiante planos de enxugamento da folha de pagamentos que irritaram o Planalto, como o plano de demissão voluntária (PDV). 

Wilson Ferreira Jr.: o ex-CEO da Eletrobras foi forçado a deixar o cargo | Foto: Eletrobras/Divulgação

Ivan Monteiro, seu sucessor, até então presidente do conselho, foi alto executivo da Petrobras e do Banco do Brasil, e tem bom trâmite no governo Lula. Uma das primeiras medidas tomadas por ele foi retirar todos os retratos dos ex-presidentes da Eletrobras da sala de reuniões. Quase uma damnatio memoriae com o seu antecessor.

Para muitos observadores, a oferta da “cabeça” de Ferreira foi uma tentativa da gestão da Eletrobras de mostrar boa vontade ao Executivo e evitar que a ADI prossiga, criando mais dano para a empresa. Todavia, mesmo que essa operação seja bem-sucedida, se o governo voltar às práticas de populismo energético da era Dilma, como a famigerada MP 579 — em que foram baixados à força os preços da energia elétrica —, não haverá salvação para a Eletrobras. 

Quando questionado sobre a razão pela qual não aceitava negociar com Adolf Hitler, mesmo na hora mais tenebrosa da Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill respondia que “não adianta tentar negociar com o tigre quando a sua cabeça já está dentro da boca dele”. Os conselheiros da Eletrobras deveriam emoldurar essa frase na sala de reuniões.

Leia também “O PT está quebrando a Petrobras. De novo”

10 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    As atividades típicas de estado são: saúde, educação e segurança. Os demais devem ficar com a iniciativa privada.
    A mão do estado esquerdista busca sem nenhum pudor o controle absoluto de todos os meios de produção e por extensão da população.
    O estado empresário é pior agente econômico em qualquer tempo e lugar.
    Além de improdutivo é fonte de corrupção e cabide de empregos, gerando prejuízos a toda a sociedade.
    As ideias do atual desgoverno é totalmente estúpida e visa exclusivamente atender a sua militância insana.
    O caso da Eletrobrás é pior ainda, pois a união como acionista lucrará muito mais do que como gestora, principalmente petista que já se mostrou em passado recente.

  2. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Parabéns Carlo, excelente exposição. Lembro apenas que a capitalização da Eletrobrás não se compara a da Petrobras da qual participei em 2010 como acionista minoritário e naquela oportunidade pagamos R$26,30 por ação PN e a UNIÃO para não perder participação fez a famigerada CESSÃO ONEROSA que nos custou US$8,51 o barril de 5 bilhões de barris enterrados no pre-sal para serem pesquisados e explorados pela Petrobras, ou seja US$42,55 bi. Esse nosso investimento em 2010 somente vimos algum retorno em 2020 com a Petrobras saneada a partir do governo Temer e do governo Bolsonaro.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Excelente explanação, Carlo Cauti.

  4. Laercio Turco
    Laercio Turco

    Enquanto o ” sistema ” mandar no país vai ser sempre essa m….
    Responsável são os deputados e senadores não fazem uma reforma política adequada com voto distrital e impresso!!!

  5. MNJM
    MNJM

    Petralhada incompetente e corrupta. Difícil entender com o povo ainda tem a coragem de votar nesse partido nefasto, retrógado, que voltou a cena do crime para detonar o país. Gentinha da pior espécie em conluio c/ um STF militante político que deveria apenas focar em defender a Constituição e não fazer política

  6. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Os PTralhas continuam destruindo o Brasil.

  7. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O PT já deveria ter sido cassado há tempo mas não, voltou pra comandar o país através de fraudes e as empresas estatais que eles dizem que Bolsonaro tá vendendo as empresas que é do povo brasileiro, as empresas estatais não é do povo, as empresas estatais são deles

  8. Marcio Antonio Curi
    Marcio Antonio Curi

    A incompetência é a irmã mais velha da burrice, da falta de vergonha, da ladroagem, da insensatez, da estupidez etc e também daqueles q nunca conseguiram ver quão nefasto é um desgoverno sem base honesta e tão somente absorvedor de recursos públicos e alheios. Quem não tem competência não se estabelece ou cai fora!

  9. LUIZ ANTONIO DE SANTA RITTA
    LUIZ ANTONIO DE SANTA RITTA

    Não se esqueça que Lula quer emplacar Mantega na Presidência da Vale, empresa que também foi privatizada, mas que por ora, ele não detém o Controle acionário, como fez para tirar Roger Agnelli.

  10. Silas Veloso
    Silas Veloso

    O butim d sempre da esquerdalha

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