Na semana passada, um grupo de hackers do Sudão atrapalhou por duas horas as atividades da rede social X (ex-Twitter). O grupo, que se intitula Anonymous Sudan, não extorquiu dinheiro ou exigiu a libertação de presos políticos. Apenas pediu que o empresário Elon Musk providenciasse uma rede Starlink no país.
Afinal, o que é Starlink?
Basicamente, é uma rede de conexão à internet via satélite lançada por Musk em 2019 por meio de sua empresa SpaceX. Mais de 4,5 mil pequenos satélites (quase metade do total de satélites em órbita) fornecem sinal a quem compra uma antena em qualquer das áreas cobertas pela rede.
Elon Musk, como sempre, não pensa pequeno. Seu plano é expandir essa rede para 42 mil satélites, conectando um espaço sem fronteiras. Sua área de atuação pode ser praticamente infinita. A internet pode chegar à Antártida, às ilhas do Pacífico, aos oceanos, aos desertos, às grandes florestas.
O fim das operadoras de celular?
Uma das perspectivas apresentadas pela Starlink é tornar as operadoras de celular obsoletas. Operadoras (como Claro, Vivo etc.) precisam de torres, milhares de quilômetros de cabos e centrais operacionais espalhadas por vastos territórios. Para se expandir, enfrentam problemas jurídicos e logísticos.
Quem vai precisar de todo esse aparato quando o globo terrestre virar uma vasta área de sinal wireless vindo do céu? Há quanto tempo você não usa a sua operadora para telefonar para alguém, quando tem o WhatsApp conectado ao wi-fi? Segundo a revista TechLife, a Apple, pensando no futuro (próximo), já está testando conectar automaticamente seus futuros iPhones aos satélites Starlink, caso a rede de celular ou o sinal wireless não estejam disponíveis.
O temor do monopólio
As possibilidades da Starlink são tão vastas que já levam ao receio de que uma única empresa não poderia ter tanto poder. Segundo matéria da TechLife, a União Europeia já separou um fundo de 2,4 bilhões € para desenvolver sua própria rede de satélites de comunicação a ser lançada em 2027. Outra concorrência vai partir da Blue Origin, a empresa espacial do grupo Amazon.
O regime comunista chinês não quer se tornar refém do “imperialismo ianque” e tem planos de lançar uma rede paralela de 13 mil satélites. O ainda vago projeto é conhecido como GW, ou Guowang, que significa — obviamente — “rede estatal”. Segundo o Washington Post, cientistas chineses estão reclamando abertamente que o GW está atrasado demais em relação à Starlink.
Os chineses estão especialmente nervosos com um projeto paralelo da SpaceX chamado Starshield, ligado ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Com certo tom de paranoia, pesquisadores militares chineses declararam num artigo para uma revista acadêmica que, “assim que o Starshield estiver concluído, será equivalente à instalação de câmeras de vigilância em rede em todo o mundo. Nessa altura, as operações militares, incluindo o lançamento de mísseis balísticos, mísseis hipersônicos e aviões de combate, dificilmente escaparão da monitorização dos Estados Unidos”.
A conexão sem fim
Satélites de comunicação não são novidade. Eles costumam ter o tamanho de um ônibus e permanecem operacionais por mais ou menos uma década. Costumam ser poderosos. Mas são caros e transitam numa órbita de aproximadamente 35 mil quilômetros acima da superfície. Para um sinal chegar até eles e voltar, demora um tempo considerável. Além disso, um satélite de dez anos, no atual ritmo de evolução tecnológica, tem uma eternidade. Em pouco tempo estarão a caminho da obsolescência.
Os satélites da Starlink são muito menores — mais ou menos do tamanho de um tampo de mesa. Por estarem em órbita bem mais baixa, o tempo de comunicação com eles é quase instantâneo. São praticamente descartáveis. A vida útil de um Starlink é de cinco anos. Quando ficam obsoletos, eles simplesmente caem e são queimados pelo atrito com a atmosfera.
O jornal britânico The Times contou uma história que ilustra a diferença entre as duas tecnologias: o norte-americano Bruce Lawrence deixava a família em Knoxville, no estado do Tennessee, e ia pescar nos confins do Alasca. Em alto mar, seu barco usava o tradicional provedor KVH. Ele conseguia mandar uma mensagem pelo WhatsApp. A mensagem chegava à sua casa depois de uma hora ou duas. Lawrence chegou a pagar US$ 14 mil (o equivalente a quase R$ 70 mil) de conta quando esqueceu seu equipamento ligado acidentalmente.
Lawrence trocou o KVH pela Starlink. Comprou o kit de instalação por US$ 2,5 mil e paga cerca de US$ 250 pelo serviço mensal. Agora ele conversa com a família por videoconferência. E assiste a séries e filmes dos serviços de streaming Netflix navegando no meio do Oceano Pacífico.
Aviões conectados à Starlink recebem até 350 Mbps (megabites por segundo), o que permite, segundo o site da empresa, que “todos os passageiros acessem internet com capacidade de streaming ao mesmo tempo”.
Do Alasca à Ilha do Marajó
O meio milhão de habitantes do Marajó e do delta do Rio Amazonas sentiram o impacto da Starlink no comecinho deste ano. Segundo reportagem do jornal paraense O Liberal, o serviço está facilitando muito a vida dos locais, cansados do velho sistema de conexão.
“Morador do município de Portel, no Marajó, o servidor público municipal Léo Coelho conta que a Starlink está estimulando a economia local”, relata o Liberal. “‘Como no Marajó ainda funciona a internet via rádio, a Starlink revolucionou esse serviço por aqui’, conta. Segundo ele, vários negócios estão usando a nova internet, como postos de gasolina, supermercados, lojas de confecção e outros, possibilitando a agilidade no pagamento via Pix. ‘Era uma dificuldade fazer transação via Pix no Marajó’, recorda.”
A própria prefeitura de Portel está usando a Starlink para emitir documentos como cartão do SUS e carteira de identidade. Moradores da Ilha do Marajó estão fazendo viagens de barco de até 12 horas pelas regiões mais inóspitas sem perder a qualidade do sinal. O que revoluciona as relações humanas e abre caminho para pequenos negócios baseados em redes sociais e pagos via Pix. “Eles instalam o equipamento pequeno [da Starlink] nas embarcações”, declarou o secretário-regional de governo do Estado, Jaime Barbosa. “O sinal pega no rio cercado de floresta ondem vivem muito poucas comunidades.”
O site Livre, de Cuiabá, revelou outra grande mudança proporcionada pelos satélites da SpaceX: “Mais de 6 mil alunos de escolas públicas localizadas em regiões remotas do Amazonas e do Pará, este ano, terão acesso à internet. As unidades de ensino onde eles estudam foram conectadas à constelação de satélites da Starlink, empresa de Elon Musk”. A iniciativa de duas organizações não governamentais deve “proporcionar acesso à internet de alta velocidade a cem escolas no Amazonas e no Pará”.
Ucrânia: a Starlink vai à guerra
Elon Musk é considerado por alguns como um simpatizante de Vladimir Putin. Não foi o que pareceu quando ele garantiu a conexão à internet pela Starlink. Soldados ucranianos puderam manter suas comunicações durante a invasão russa.
No Brasil o serviço está classificado como disponível, e os preços oferecidos vão de R$ 2 mil pelo equipamento e assinatura a partir de R$ 184
No início do ano, Musk fez um gesto em sentido contrário — vetou o uso da rede Starlink para possibilitar ataques de drones ucranianos de longo alcance contra as forças russas. A Starlink, segundo ele declarou numa conferência em Washington, “não foi criada para virar uma arma”.
Musk foi cobrado por um alto funcionário do governo ucraniano para escolher um lado na guerra, mas (segundo o New York Times) o ministro Mykhailo Fedorov assumiu outro tom e declarou que “Elon Musk é um dos maiores doadores privados na nossa futura vitória”, tendo contribuído com US$ 100 milhões para a instalação da Starlink. Musk já avisou que não vai poder manter a Starlink funcionando na Ucrânia “para sempre”.
Mas já fizeram um grande trabalho, segundo matéria do Washington Post: “Os analistas dizem que — em conjunto com serviços comerciais de imagens de satélite, como Planet Labs e Maxar — a Starlink pode fornecer às tropas informações quase instantâneas sobre o que está acontecendo no campo de batalha. As tropas na Ucrânia dizem que a usaram para transmitir ao vivo feeds de drones e para melhorar a precisão do fogo de artilharia, economizando munição. Também permitiu que os soldados mantivessem contato com amigos e familiares”.
O Atlas da tirania
O site da Starlink no Brasil mostra um mapa de disponibilidade de cobertura do serviço no mundo. Existem países onde o serviço está disponível, outros onde está na “lista de espera”, e vários onde é classificado como “em breve”.
No Brasil o serviço está classificado como disponível, e os preços oferecidos vão de R$ 2 mil pelo equipamento e assinatura a partir de R$ 184. O dispositivo é instalado pelo próprio usuário e viaja com ele para qualquer ponto do Brasil. O controle do aparelho é feito por um aplicativo de celular.
Pelo mapa, a Starlink está disponível no Brasil, Colômbia, Peru e Chile, na América Latina, e também na América do Norte e em quase todo o Caribe. Cobre toda a Europa, Austrália, Filipinas, Malásia, Nova Zelândia, Brunei e Japão. A África tem três países cobertos — Nigéria, Quênia e Moçambique.
Os países em cinza-escuro são os não cobertos e sem perspectiva de cobertura. Formam um Atlas da tirania Cuba, Venezuela, Rússia, Bielorrússia, Irã, Síria, Afeganistão, China e Coreia do Norte.
Driblando os aiatolás
Uma prova da importância geopolítica cada vez maior da Starlink é a notícia de que kits de recepção foram contrabandeados para o interior do Irã durante os protestos do final de 2022. Imagens de antenas da Starlink instaladas no topo de casas e edifícios no Teerã se espalharam nas redes sociais.
Um ativista pela liberdade de expressão no Irã que não quis se identificar declarou à revista Time: “É mais fácil não falar nada sobre números. Eu não quero que eles [as forças de segurança] saibam pelo que procurar, a escala. Deixe que eles adivinhem”.
Hoje, a ditadura dos aiatolás retomou o controle da situação. O regime possui o botão de ligar e desligar da internet no país. Quando protestos espontâneos se espalharam pelo Irã em 2019, os aiatolás tiraram a internet do ar por uma semana. Em 2022, a morte de uma mulher, Mahsa Amini, pela “polícia da moralidade” encontrou a resistência das antenas chapadas da Starlink. Segundo o Wall Street Journal, cerca de 200 antenas foram contrabandeadas no Irã disfarçadas por ativistas norte-americanos em embalagens de fornos de micro-ondas e outros eletrodomésticos. A iniciativa teve o apoio do governo dos Estados Unidos.
A vez de Cuba?
A deputada republicana Maria Elvira Salazar pediu diretamente a Elon Musk que repetisse a ação realizada na Ucrânia em Cuba: “Eu agradeço ao senhor Elon Musk”, declarou Salazar ao site Fox News. “E adoraria que ele fizesse o mesmo por Cuba. Nós estamos tentando alcançá-lo e à sua tecnologia porque ela basicamente envia a mesma mensagem para essas pessoas: você não está sozinho.”
Maria Elvira, que é filha de refugiados cubanos, tentou uma solução mais modesta para quebrar a censura do Partido Comunista à internet durante os protestos de julho de 2021. Ela propôs uma Operação Starfall — instalando retransmissores de internet por meio de balões estratosféricos para prover acesso à comunicação quando uma ditadura derruba o sinal de internet.
“Se a administração Biden tivesse fornecido conectividade à internet aos cubanos, teríamos 5 milhões de cubanos nas ruas de Havana”, disse Salazar à Fox News. “É impossível para o regime cubano prender 5 milhões de pessoas.”
A perspectiva de usar balões para retransmitir o sinal de internet parece uma lembrança nostálgica perto das possibilidades oferecidas pela Starlink.
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Interessante.
Sou usuário da Starlink há cerca três meses funcionando muito melhor do que a anterior iintrenet por satélite. Maior velocidade, menor latência, sem limite de dados e por praticamente o mesmo valor mensal. Pesou o investimento inicial, mas está valendo a pena. Cabe uma correção sobre o texto da reportagem: os valores divulgados não incluem os impostos e se referem apenas ao chamado Plano Residencial que não permite manter conexão em deslocamentos. E cuidado com falsos sites que já apareceram oferecendo equipamentos grátis. Acessem apenas o site oficial da empresa.
Esse Elon Musk é uma benção que caiu do céu, tá combatendo os comunistas de todo mundo como se fosse um país ultrapotente, primeiro do mundo em tecnologia
Pois é Erasmo, e ainda tem este efeito colateral altamente benéfico! No mundo de hoje a liberdade de informação é a melhor arma contra todo totalitarismo que só sobrevive às custas de manter as pessoas submetidas pela ignorância.