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Ilustração: Montagem Revista Oeste/Fortis Design/Shutterstock
Edição 181

Bomba fiscal no horizonte

O estrondo será sentido com o aumento de impostos, o contingenciamento de gastos, uma possível desvalorização do real, o aumento da dívida pública e uma eventual alta nos juros

Carlo Cauti
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“O futuro a Deus pertence.” Foi com essas palavras que a ministra do Planejamento, Simone Tebet, apresentou o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, enviado em 31 de agosto, último dia útil previsto por lei, ao Congresso Nacional. O futuro das contas públicas brasileiras pode até pertencer ao Todo-poderoso, mas a bomba fiscal que o governo está armando para o próximo ano cairá diretamente no bolso do contribuinte brasileiro. E ela vai explodir via aumento de impostos, contingenciamento de gastos, efeitos macroeconômicos negativos, uma possível desvalorização do real, aumento da dívida pública e eventual alta nos juros.

Para desenhar o orçamento do ano que vem, o Executivo começou pelos gastos, prevendo que vai precisar de R$ 2,188 trilhões para cumprir as promessas eleitorais. Um número gigantesco por si só, equivalente a cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Mas o que preocupa ainda mais é o aumento de gastos embutidos nesse montante: R$ 129 bilhões.

O Planalto insiste que o ano que vem vai fechar as contas públicas no azul, revertendo o rombo de cerca de R$ 150 bilhões previsto para este ano. Um vermelho que está aumentando ao longo dos meses. De janeiro a julho, o governo central já acumulou um déficit primário de R$ 78 bilhões. 

Resultado muito diferente do passado. Em 2022, no último ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro, as contas públicas fecharam com um superávit de R$ 125,9 bilhões, cerca de 1,27% do PIB. Mesmo sendo o último ano da pandemia de covid-19, que gerou gastos gigantescos, principalmente com o Auxílio Emergencial.

Ilustração: Nuttapon Averuttaman/Shutterstock
Futuro sombrio das contas públicas

Vai ser muito difícil botar as contas do país de novo nos trilhos da sustentabilidade. “Não nego o tamanho do desafio”, declarou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Desafio criado pelo próprio governo, que nos últimos meses aumentou as despesas em mais de 31%. Mas jogou a culpa em uma suposta redução das receitas. Não procede. Elas se contraíram em apenas 5,3%. O governo gastou seis vezes mais. 

Para o ano que vem, a dimensão do problema já tem números definidos. Para alcançar a receita indicada no PLOA, o governo espera que o Congresso aprove um aumento de receitas que somam R$ 168,52 bilhões. “Isso só pode vir de um lugar: aumento de impostos”, explica o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. 

O ministro Haddad admitiu que será muito difícil obter essa aprovação. “Não estamos negando a dificuldade”, disse Haddad. “Estamos reafirmando o compromisso da área econômica em obter o melhor resultado possível, levando em consideração a opinião do Congresso Nacional”. 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O governo pode até contar com a boa vontade do Legislativo. Ou pagar outros bilhões de reais via emendas parlamentares para garantir o voto de deputados e senadores — desde o começo do ano, já gastou cerca de R$ 20 bilhões nessa modalidade. Mesmo assim, existe a possibilidade de que os congressistas se recusem a aumentar de forma tão brutal os impostos. No país com a maior carga tributária entre os emergentes, e com serviços públicos de Terceiro Mundo, as bases eleitorais dificilmente compreenderiam. O custo político seria desproporcional. 

Gastar é preciso, poupar não é preciso

O que está totalmente ausente na proposta orçamentária para 2024 é qualquer corte de gastos. Um orçamento que parece se adaptar perfeitamente à máxima da ex-presidente Dilma Rousseff quando questionada sobre sustentabilidade das contas públicas: “gasto público é vida”. 

“Será muito difícil que o Congresso aprove o aumento da carga tributária para financiar gastos”, observa Velloso. “Quaisquer que eles sejam, investimentos ou aumentos salariais. O pessoal do governo tem uma visão muito simplória, quase primitiva. Eles se deram um objetivo e, para alcançá-lo, querem aumentar a receita. Em cortar gastos ninguém fala. Mas vão acabar tendo que cortar custos, sim. O orçamento não comporta mais gastos. A arrecadação está diminuindo”. 

Segundo o economista, o governo vai escolher o caminho mais fácil: cortar investimentos. Que já estão próximos do zero. O contingenciamento já foi antecipado no final de agosto por Paulo Bijos, secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento. Ele declarou em entrevista que, caso o governo não consiga alcançar o resultado de déficit zero por causa de uma redução nas receitas, não hesitará em contingenciar suas despesas no começo de 2024. “Mais do que querer ou não querer fazer, havendo frustração de receitas, será uma necessidade contingenciar”, declarou Bijos. 

Paulo Roberto Bijos, secretário de Orçamento Federal | Foto: Reprodução/Senado Federal
Governo se obrigou a gastar

A maior tragédia do orçamento brasileiro, todavia, é que, dos mais de R$ 2 trilhões em despesas previstas, R$ 1,976 trilhão são destinados às despesas obrigatórias. Ou seja, aquelas que constitucionalmente o governo não pode deixar de pagar nem modificar. A maioria delas é composta por salários de funcionários, aposentadorias e pagamento de juros da dívida pública. Somente R$ 211,9 bilhões são para as despesas discricionárias, quando o governo pode escolher onde aplicar, ou 8% do total do orçamento. Os investimentos são uma pequena fração disso. 

Uma crítica antiga ao balanço público, mas que foi provocada pelo próprio governo quando decidiu aumentar o salário mínimo, elevando automaticamente toda uma série de outras despesas e benefícios obrigatórios. Ou também inserindo na PEC do arcabouço fiscal a obrigatoriedade de aumentar os gastos públicos em 0,6% do PIB. O que equivale a um aumento de R$ 68,5 bilhões para o ano que vem. 

De onde vão tirar o dinheiro?

Entre as novas fontes de receitas indicadas pelo governo para a PLOA de 2024 estão a tributação de offshores e de fundos de investimento exclusivos e a extinção dos juros sobre capital próprio (JCP). Mas a principal medida apresentada pelo governo para garantir um aumento de arrecadação de cerca de R$ 54,7 bilhões é o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), reintroduzido pelo Projeto de Lei (PL) nº 2.384/2023, aprovado pelo Senado Federal na última semana de agosto. 

O voto de qualidade prevê essencialmente que julgamentos empatados no Carf serão considerados vitória da União. O governo Bolsonaro tinha alterado essa regra, passando a considerar o empate em favor do contribuinte. O executivo Lula reverteu esse entendimento. Em favor do governo. Em detrimento das empresas. Em nome da “sustentabilidade fiscal”.

lula - governo - centrão
Presidente Lula | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Mesmo assim, os especialistas em contas públicas e analistas do mercado financeiro estão muito céticos sobre esses recursos. Em relatório, a equipe de economistas da XP Investimentos salientou que prevê uma “alta incerteza” na possibilidade de obter uma arrecadação dessa proporção. 

“A proposta final aprovada pelo Congresso prevê uma série de descontos de multas e juros, além da possibilidade de pagamento parcelado em 12 vezes, por meio de compensação de prejuízo fiscal de CSLL sem limite ou precatórios”, escreveram os economistas da corretora em relatório.

O BTG Pactual foi mais preciso. O economista Fábio Serrano calculou que a mudança no Carf pode arrecadar cerca de R$ 11 bilhões por ano. Cerca de 20% de quanto foi previsto pelo governo. 

O voto de qualidade no Carf não é a única medida que vai acabar frustrando as expectativas arrecadatórias do governo. As outras mudanças terão muito provavelmente uma arrecadação muito menor do que o esperado pelo governo. 

 “A tributação de fundos exclusivos, por sua vez, deve ter a alíquota aplicada ao estoque reduzida de 10% para 6%, enquanto a extinção do JCP deve sofrer forte resistência política”, salientou a XP em relatório. Na conta final, o governo vai conseguir arrecadar apenas R$ 85 bilhões. Cerca de metade dos R$ 168 bilhões necessários para fechar as contas zeradas.

Ilustração: Shutterstock
Fabricando números

Mas a parte menos crível de toda a peça orçamentária do ano que vem são os R$ 43,3 bilhões que foram identificados como “transações tributárias”. 

“Ninguém sabe de onde vai vir esse dinheiro”, diz Gabriel Leal de Barros, economista da Ryo Asset. “O governo não detalhou. Simplesmente colocou no PLOA. Basicamente, tiraram da cartola e chamaram de ‘novo relacionamento da Receita Federal com os contribuintes’. Entendo isso como se fossem dois Refis. Um com a Receita e outro com a Procuradoria-Geral da Fazenda. O problema é que já temos um Refis rolando: o ‘Litígio Zero’, que o governo acabou prorrogando porque arrecadou muito menos do que previa. Entraram só R$ 3 bilhões dos R$ 20 bilhões orçados. Um prelúdio de 2024.”

Por último, existe um problema legal na ação do governo. Muitas das receitas adicionais provêm de medidas provisórias (MPs) assinadas pelo presidente Lula. Isso é inconstitucional, pois o art. 150 da Constituição Federal impõe o respeito do princípio da legalidade na criação de novos tributos, que só podem ser introduzidos via proposta de lei (PL). Existem algumas exceções, como o Imposto Extraordinário Guerra, o Imposto Importação, o Imposto Exportação, o IOF e o IPI. Nenhuma delas cabe no caso do PLOA ou dos impostos sobre offshores ou fundos exclusivos. 

A Câmara já reagiu a esses abusos. Deixando caducar, por exemplo, a MP que criou um novo imposto sobre a exportação de petróleo. Tanto que o próprio Haddad declarou que “o Congresso tem poder excessivo”, provocando a ira do presidente da Câmara, Arthur Lira. 

“A situação do orçamento do ano que vem é resumível em uma frase: ‘Se correr o bicho pega, se parar o bicho come'”

Se o Legislativo não colabora, o governo aposta na ajuda no Supremo Tribunal Federal (STF). Haddad também declarou abertamente que os outros Poderes precisam participar do orçamento. Decisões do STF começaram a beneficiar os cofres públicos, como a suspensão da redução de alíquota de PIS/Cofins sobre receitas financeiras das empresas que usam a tributação do lucro real ou a exclusão de benefícios fiscais do ICMS da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Decisões tomadas mesmo violando princípios gerais do Direito, como o da coisa julgada. A tão decantada “harmonia entre os Poderes”. 

Segundo os economistas, se o ano que vem fechar com déficit primário, os efeitos macroeconômicos imediatos serão uma alta na dívida pública, aumento da inflação, desvalorização do real e possível nova subida dos juros. “As curvas de juros longas já estão precificando isso”, diz Velloso. “O mercado está se preparando”.

Ilustração: Nicola Galiero/Shutterstock
Orçamento não para de pé

Para Barros, da Ryo Asset, a situação do orçamento do ano que vem é resumível em uma frase: “Se correr o bicho pega, se parar o bicho come”. 

“Se o Haddad conseguir viabilizar tudo que pediu no PLOA, teremos um aumento brutal da carga tributária”, afirma o economista. “Difícil ocorrer. O Congresso já deixou claro que não topa elevar tudo isso. Se não aumentar os impostos, teremos um rombo no orçamento do ano que vem. O governo pode também tentar medidas heterodoxas, como vender petróleo que será extraído no futuro do pré-sal. A famosa ‘antecipação de receita orçamentária’, vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Terão que pedir para o Tribunal de Contas da União (TCU) liberar. E já sabemos que os ministros da corte não seguem necessariamente uma postura técnica.”

Por último, o governo inseriu no PLOA uma previsão do PIB para o ano que vem demasiadamente elevada”, observa Velloso. “Isso também para aumentar artificialmente as receitas previstas. Mais uma narrativa que vai dar errado. Esse PIB para 2024 é chute.” O cenário internacional está muito mais adverso do que no passado. Especialmente os Estados Unidos, que vão entrar em recessão em breve. Isso vai gerar efeitos graves no Brasil, pois o mundo vai fugir do risco e dos emergentes. Além disso, a China está enfrentando uma crise estrutural, com o estouro da bolha imobiliária. E a União Europeia enfrenta a estagflação. 

“O orçamento de 2024, assim como o arcabouço fiscal recém-aprovado no Congresso, já não para de pé em uma situação de forte crescimento”, diz Velloso. “E muito menos em uma de turbulência. O Brasil vai enfrentar dificuldades nos próximos meses. Apertem os cintos”.

Ilustração: Shutterstock

Leia também “A volta da Odebrecht”

20 comentários
  1. Laercio Turco
    Laercio Turco

    Nada de novo..!!
    Isso já era previsto q o Brasil com esse governo q vai nos afundar mais um pouco!!
    É o amor!!!!!!!

  2. Paulo César de Castro Silveira
    Paulo César de Castro Silveira

    Não tem almoço grátis.

  3. Odilon Soares Teixeira da Silveira
    Odilon Soares Teixeira da Silveira

    “Gastar é preciso, poupar não é preciso” vou passar a cantar a música do Caetano desse jeito a partir de hoje…

  4. Marcos Japiassu
    Marcos Japiassu

    Esses ladrões irresponsáveis vão arruinar o país.

  5. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Governo de direita preza pelo equilibrio das contas publicas, e depois vem a esquerda para esculhambar tudo novamente. Isto não pode continuar assim.

  6. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Sejamos sinceros.
    Entre todos os que fizeram o L, alguém em sã consciência acreditou que o descondenado pelo Fachin e transformado em presidente pelo Supremo Imperador Alexandrus I, o Calvo, faria algo diferente?
    Este é o modus operandi do partido e não há qualquer sinal de mudança em suas ações, muito pelo contrário.
    Estamos revivendo um passado sombrio de onde todos saímos perdedores.
    A partir do próximo ano as pedalas serão inevitáveis para maquiar o orçamento e já temos elementos suficientes para instaurar um processo de impeachment contra o atual executivo.
    É impossível uma família com renda de R$ 10.000,00 ostentar gastos de R$ 20.000,00 sem nenhuma consequência.

  7. Jarlan Barroso Botelho
    Jarlan Barroso Botelho

    O que se poderia esperar de um Ministro da Fazenda que não sabe NADA de economia e admitiu que passou em economia colando de um colega estudioso? Junte-se a isso, uma Ministra do Planejamento completamente desnorteada, que não consegue planejar nem mesmo um jantar em família. E para finalizar, um presidente com um histórico (ou seriam antecedentes?) absoluamente não recomendável. Temos a tempestade perfeita. Salve-se quem puder.

  8. Lúcia Helena Fagundes Romanhol
    Lúcia Helena Fagundes Romanhol

    O aluno que fez três meses de curso de economia e ainda colou é o ministrE da economia!isso pra não lembrar que o aluno foi considerado o pior prefeito de São Paulo! Esperar o que de um incompetente deste?vai tocar violão e deixe o cargo pra quem entende,infeliz!

  9. hamilton luiz langer
    hamilton luiz langer

    Cadê o L

  10. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Como FHC e seus correligionários economistas, cientistas sociais e juristas aceitam isso? Fizeram o “L” pensando que governariam o pais?.
    Revista Oeste, convide-os para entrevistas e posicionamentos sobre o que acham de nossa DEMOCRACIA RELATIVA.
    Acredito que, como são tão ou mais velhinhos que eu (78) poderiam informar aos jovens leitores e eleitores se viram no regime militar autoritarismo maior que o praticado por este atual estranho poder coligado Executivo e Judiciário.
    Oportuno cobrar-lhes também porque abandonaram o VOTO IMPRESSO que tanto defenderam em 2015? Democracia é transparência e auditoria do voto como vários ilustres políticos, juristas e celebridades pregaram no passado.

  11. MNJM
    MNJM

    Parabéns pelo texto. De volta a cena do crime, quebrarão o país.. .

  12. Ricardo Gouveia Vitale
    Ricardo Gouveia Vitale

    O PTerrorismo é a ilegalidade por natureza. E assim conduzem o Brasil: chegaram numa fraude eleitoral, e estão conduzindo o Brasil via inconstitucionalidades e ilegalidades. É ditadura!

  13. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Excelente análise, infelizmente pra nós financeiramente na diálise

  14. Rosangela J . Dias
    Rosangela J . Dias

    Gostei muito de seu artigo, parabéns!

  15. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Simone Estepe sabe fazer orçamento, ela vai pedir dinheiro pra a Venezuela

  16. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Só sobreviverão os partícipes do Estado obeso e incapaz.

  17. Maki K
    Maki K

    Com tudo isso acontecendo de fato e de real no Brasil, o Consórcio midiático que comina o Mundo, não noticia esses fatos do Brasil. Muitos países pensam e acreditam que o Brasil está vivendo uma maravilha com o fim do “Fascismo”.É por essas e outras que muitos investidores estrangeiros perderam muito dinheiro no Gov da Dilma.

  18. Jaques Goldstajn
    Jaques Goldstajn

    Corretíssimo pensamento sobre nós prepararmos!😌

  19. Carlos Roberto Biasi
    Carlos Roberto Biasi

    Já vimos esse filme colorido ! irão quebrar o pais !!

  20. Otacílio Cordeiro Da Silva
    Otacílio Cordeiro Da Silva

    Adoro ler os seus textos, Carlo. É algo como um pregador falando de vida eterna para um ateu, mas mesmo assim, eu gosto.

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