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Edição 182

Da farsa do aquecimento global à farsa da ‘ebulição global’

Fomentar o medo é uma técnica bem conhecida de propaganda política para defender uma narrativa

Christopher Lingle
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Um fenômeno de dois pesos, duas medidas, se aplica à aceitação de ações individuais e das ações de agentes políticos. Um indivíduo que declara uma emergência quando ela não existe, por exemplo, gritando “fogo” em um cinema lotado, seria devidamente punido; mas funcionários públicos podem fazê-lo sem atrair o mesmo escrutínio.

De acordo com António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, “a era do aquecimento global acabou” e “a era da ebulição global chegou”. Claro, essa declaração foi feita com pouca ou nenhuma noção de perspectiva ou da possibilidade de que qualquer ser humano sensato a desafiasse ou refutasse.

Esse comentário é a referência mais recente ao que está acontecendo com o clima e o tempo. Depois que o aquecimento desacelerou, a mudança climática se tornou o termo operativo, mas isso se mostrou insuficientemente alarmante.

António Guterres, secretário-geral da ONU | Foto: Divulgação/ONU

Por sua vez, a ação climática tornou-se o antídoto necessário para uma “emergência climática” ou “crise climática”. Depois de completar o ciclo, com o foco mais uma vez no fetiche das altas temperaturas durante uma onda de calor sazonal, localizada e previsível, a alegação é que estamos no meio de uma ebulição climática.

Mesmo sem conhecimento científico, per se, os livros de receitas destacam que a “ebulição” ocorre quando a água é aquecida a 100 °C no nível do mar. Quanto ao secretário-geral da ONU, é possível que ele saiba que a água vai ferver a temperaturas mais baixas em maiores elevações, mas é improvável que ele tenha estado em altitudes tão elevadas em Portugal, sua terra natal, para observar um ponto de ebulição próximo das médias globais recentes.

Embora seja comum que as referências ao clima atual sejam exageradas, isso não necessariamente indica mudanças ou tendências nas condições climáticas. Além da ideia de temperaturas “em ebulição”, manchetes que sugerem que as temperaturas atuais estão “incendiárias” ou “escaldantes” indicam um mal-entendido do que esses termos significam.

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Talvez usar o medo e o proxenetismo à ignorância seja melhor do que a coerção para impor uma narrativa. A persuasão em busca de acordos de cooperação é o que se espera de uma democracia liberal e representativa, mas ela está ameaçada tanto pelo populismo de “esquerda” quanto pelo de “direita”.

Acontece que o uso de termos extremos no debate climático não é exagero ou hipérbole, uma vez que exagero ou hipérbole exigem que haja um elemento de verdade nas declarações. Os termos usados para expressar o efeito das altas temperaturas no corpo humano são enganosos, desonestos e factualmente incorretos.

Fomentar o medo é uma técnica bem conhecida de propaganda política para defender uma narrativa, como é o caso de relatar as condições climáticas momentâneas como se fossem evidência de mudanças climáticas futuras ou irreversíveis. Um exemplo de como um evento climático isolado é retratado como evidência de um panorama geral das condições gerais pode ser visto em um relatório recente da National Public Radio.

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Observando as medições de um único sensor de temperatura da água na Baía de Manatee, perto do Parque Nacional dos Everglades, na Flórida, que chegou a 38,3 °C, os dados foram relatados como “chocantes”, como se refletissem altas temperaturas médias na região da Baía da Flórida. Em seguida, afirmaram que as temperaturas “abrasadoras” “poderiam” representar um grande risco para os corais e outras formas de vida marinha.

Vale destacar que a palavra “poderiam” nesse contexto não revela conteúdo real, já que esses termos condicionais não oferecem informação nem comprovação da probabilidade do evento referido. Os defensores dessa narrativa esperam que a maioria dos cidadãos não esteja interessada e aceite de bom grado as declarações de autoridades políticas cujo objetivo é enganá-los ou assustá-los, para que aceitem as políticas públicas corretivas que forem impostas.

Em todo caso, não havia dados que comprovassem a alegação das condições “chocantes” da água no resto da Baía da Flórida. Além disso, a afirmação de que as temperaturas são “abrasadoras” é no mínimo confusa, uma vez que sofrer uma queimadura de água é comumente conhecido como escaldante.

Pôr do sol no Parque Nacional de Everglades, na Flórida, nos Estados Unidos | Foto: Domínio Público

Quanto à escaldação, queimaduras de segundo grau podem ocorrer após exposição por três segundos a água a 60 °C, enquanto uma queimadura de terceiro grau requer pelo menos cinco segundos de exposição à mesma temperatura. A temperatura da água do mar medida por uma única boia na costa da Flórida está longe dessas temperaturas e varia ao longo de 24 horas, chegando a cair 10 °C à noite.

Claro, o calor no ar ambiente também está muito longe do que seriam temperaturas “ferventes” ou “abrasadoras”. Mas não existe uma “ciência estabelecida” sobre as temperaturas máximas do ambiente que causam incômodo pelo calor.

Na verdade, sabe-se mais sobre o efeito de temperaturas ambientes baixas no corpo humano. Se a temperatura cair abaixo do limite inferior, 28 °C, mais energia é usada para manter a temperatura interna no nível ideal e, se as temperaturas estiverem muito baixas, podem ocorrer calafrios, causando contrações musculares involuntárias para gerar calor.

A termorregulação da temperatura corporal é necessária para a manutenção da vida humana e a sobrevivência das células humanas para seu desenvolvimento, em vez de superaquecimento ou morte. O corpo humano faz homeostase para manter o equilíbrio, mantendo a temperatura interna central em uma faixa segura, não importando as temperaturas fora do corpo, para que não ocorram falhas nos órgãos.

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Resultados de pesquisas realizadas na Universidade de Roehampton indicam que temperaturas ambientes superiores a 40 °C podem tornar alguns humanos incapazes de reduzir o calor excessivo, de modo que as funções corporais se tornam anormais. Eles indicam a existência de uma “zona termoneutra”, de temperaturas em que o corpo não precisa aumentar a taxa metabólica nem usar mais energia para atingir a temperatura central normal de 37 °C.

Infelizmente, a divulgação da “narrativa climática” conseguiu fazer com que os cidadãos ignorassem que suas liberdades e seus direitos estão em perigo em decorrência da imposição de políticas públicas repressivas que estão sendo apresentadas como solução

Ainda que as altas temperaturas possam afetar a saúde cardiovascular (por exemplo, durante ondas de calor ou no combate a incêndios), isso não é uma questão de mudança climática. A formação de coágulos sanguíneos (isto é, trombogênese) pode ocorrer devido à exposição prolongada e ininterrupta ao calor extremo, mas isso depende das características físicas e de condições individuais.

Claro, poucas pessoas são expostas a temperaturas extremamente altas por longos períodos e, se o forem, existem muitas ações evasivas que elas podem tomar para se proteger. Em todos os casos, é amplamente sabido que o maior causador de mortes por temperaturas extremas ocorre nas faixas mais baixas de leitura do termômetro, mesmo na África e na Ásia.

Infelizmente, a divulgação da “narrativa climática” conseguiu fazer com que os cidadãos ignorassem que suas liberdades e seus direitos estão em perigo em decorrência da imposição de políticas públicas repressivas que estão sendo apresentadas como solução. Enquanto os alemães estão sendo obrigados a adotar bombas de calor caras, os norte-americanos estão sendo repreendidos por usar fogões a gás e pela possibilidade de que seu uso seja proibido no futuro.

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Infelizmente, os cidadãos esqueceram a intenção original da transição de uma monarquia autocrática para a democracia — garantir os direitos de todos os cidadãos e defender a propriedade privada como base para a liberdade humana e a dignidade pessoal.

Enquanto a República americana foi fundada para refrear o poder político e limitar o governo arbitrário, a democracia agora é apresentada como um jogo de “tudo ou nada”, como se qualquer restrição a um governo democrático levasse ao seu desaparecimento. 

Mais recentemente, governos do mundo todo descobriram que assustar seus cidadãos os induziria a aceitar, e até aplaudir, políticas de repressão em troca da promessa de que os indivíduos seriam protegidos de um único vírus. A perda de direitos e liberdades em resposta ao medo gerado durante a pandemia de covid-19 é um prenúncio do que será considerado necessário para evitar a ameaça existencial à humanidade em decorrência de condições climáticas extremas e da mudança climática.


Christopher Lingle é pesquisador sênior visitante do AIER, professor visitante de economia na Escuela de Negócios da Universidad Francisco Marroquín, na Guatemala, pesquisador do Centro para a Sociedade Civil (Nova Delhi), consultor de economia política internacional do Instituto Asiático de Diplomacia e Assuntos Internacionais (AIDIA — Catmandu), pesquisador sênior internacional do Property Rights Institute (Estados Unidos), pesquisador sênior no Center for Market Education (Malásia) e pesquisador sênior visitante no Instituto Advocata (Colombo, Sri Lanka). Suas áreas de interesse de pesquisa são economia política e economia internacional, com foco em economias de mercados emergentes e reformas de políticas públicas na Europa Central e Oriental, Ásia Oriental, América Latina e África Austral.

Leia também “A verdade por trás do autoritarismo”

6 comentários
  1. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Beleza de artigo! Nada como um artigo desses pra nós alertar contra o autoritarismo

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    É a milícia do politicamente correto em ação.

  3. Gilson Galera
    Gilson Galera

    ameaçar criando medo para vender proteção: uma prática universal das gangues.

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Pra saber o mínimo sobre mudanças climáticas, Nova Ordem Mundial, ONU, Metacapitalistas e outras barbaridades provocadas pelo comunismo sofisticado enganador, leia Clima e Aquecimento Global de Ricardo Felicio e Os Donos do Mundo de Cristina Jimenes

  5. Adriano Paulino Dias
    Adriano Paulino Dias

    É a velha narrativa do medo. Só o conhecimento liberta. Sou professor em Língua Portuguesa e o que desminto em sala de aula sobre a má ciência geográfica, não dá para enumerar.

  6. Joviana Cavaliere Lorentz
    Joviana Cavaliere Lorentz

    Cada vez mais convicta de que “aquecimento global” e ebulição global” são apenas metáforas. Nada a ver com o clima, mas sim com o desvendar da trama esquerdista tão caprichosamente ocultada por décadas.

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