Eu vou pra Maracangalha, cantou Dorival. Aí o outro Dorival foi pra Maracangalha: chegou, viu e venceu.
Não que fosse um Vencedor, desses com “V” maiúsculo e legenda triunfal. Dorival ganhava e perdia. Às vezes perdia mais que ganhava. Já o Dorival Primeiro, o que cantou a Maracangalha, era só triunfo.
Triunfo da vida transformada em poesia à beira-mar. Triunfo do charme e do timbre como potência nacional. Triunfo do requebrado como instituição inquebrantável. Um campeão olímpico invencível de chapéu de palha.
O outro Dorival, não. Charme não encheria sua barriga jamais. Para ir a Maracangalha tinha que suar. Muito. Se ficasse na rede era bola nas costas.
Ele suou e fez suar. Dobrou o vento contra — e vento ninguém dobra. Não tinha coqueiros lhe fazendo reverência — como fazem para os poetas quando venta. Suas vitórias tinham sido transformadas em derrota. Não existe castigo mais amargo.
O primeiro Dorival conquistou o país e virou lenda. O segundo Dorival conquistou o país e o continente — e levou um pé no traseiro.
Na Era de Ouro dos Ofendidos, poderia ter ido ganhar a vida como vítima profissional. Meia dúzia de lamúrias nas lives certas e estaria feita mais uma cama quente banhada em lágrimas doces.
O problema é que Dorival não era manhoso. Nem charmoso. Nem fogoso. Nem vitorioso. Andara servindo de SOS para os que caíam pelas tabelas rumo ao inferno do rebaixamento.
De repente esse Dorival sem graça pegou uma constelação apagada e a levou a brilhar de novo no firmamento. Campeão em dobro. Sem manha nem chapéu de palha — eis o seu pecado.
De quem veio aquele gesto de comiseração que parece quase nada, mas pode ser tudo na hora de aprender, ou lembrar, que na derrota nasce a próxima vitória, entre outros clichês maravilhosamente verdadeiros?
Aí essa constelação foi entregue a um português folheado a ouro, depois a um argentino multimidiático. E foi um fracasso atrás do outro. Constelação apagada de novo. Cadê o Dorival?
Tá bem ali, só que do outro lado. E a constelação tinha nova chance de voltar a brilhar. Só que Dorival, o preterido, o chutado, o campeão deserdado, o ganhador transformado em perdedor num peteleco, não deixou a constelação voltar a brilhar. Ele estava do outro lado. Para mostrar que a vida às vezes, de vez em quando, quando cisma, quando dá a louca, é justa.
É bonito ver a vida sendo justa. Mas o Dorival, esse mesmo que não quis virar vítima profissional, também não quis a vingança. Estava agora com a faca e o queijo na mão para celebrar sua revanche. Mas não quis. Quantos mais não quereriam? Contem aí nos dedos.
Não tripudiou. Não jogou na cara (só um pouquinho, e depois de muitos pedidos, que ninguém é de ferro). Não fez do seu triunfo uma facada moral nos oponentes que o desdenharam. Sua emoção na vitória não estava montada no gozo pela derrota alheia. Talvez seja isso a que se chama de dignidade. A minha glória não depende do seu fracasso.
O argentino multimidiático sumiu na derrota. Como fazia o português folheado a ouro. Como fazia aquele comandante pastoral da seleção. A constelação derrotada pelos operários do Dorival ficou à míngua, vagando a esmo no campo da batalha iniciada em Maracangalha. Quem foi ampará-los?
Quem foi levantar suas cabeças de atletas, de homens? De quem veio aquele gesto de comiseração que parece quase nada, mas pode ser tudo na hora de aprender, ou lembrar, que na derrota nasce a próxima vitória, entre outros clichês maravilhosamente verdadeiros? Quem atravessou o front para dar moral à constelação despedaçada?
Foi ele. Dorival. O ex. O que foi deixado na estrada pelos que ele tinha levado longe. O que se virou a pé, sem reclamar que lhe tinham tirado o horizonte. Um passo de cada vez. Até chegar longe de novo.
Agora poderia sobrevoar gargalhando a constelação decaída. Mas Dorival prefere o pé no chão e o semblante sério. Foi com as próprias pernas honrar os que não conseguiram derrotá-lo.
Eu vou pra Maracangalha, eu vou. Eu vou de chapéu de palha, eu vou. Segura essa, Brasil! Malandro é o gato, que come peixe sem ir à praia. Aprende essa ginga reta. Toca o teu berimbau, Dorival. Ensina os espertalhões a dançar.
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Muito bom Fiuza. Palmas a Dorival Junior.
sensacional !!
Fiuza, gênio.
Que texto lindo…maravilhoso..Fiuza estava inspirado!!! Se eu fosse o Dorival, emoldurava e pendurava na parede..Salve o Tricolor Paulista…
Cara eu sou flamenguista…mas esse texto foi uma surra de mãe, aquela que dói mas ensina, aquela que arde mas educa. Parabéns mais uma vez Fiúza!
Justíssima homenagem ao sincero, equilibrado, injusticado e persistente Dorival Junior!!! Parabéns a ele e ao Fiuza!
Espetacular, como sempre, seu texto! Mestre Fiuza, uma análise magnífica do evento esportivo da semana, que pode ser apreciada, por snlsogis, para outros eventos recentes, de outros segmentos. Satisfação em ser seu leitor.
*analogia
Me Desculpe! Existe a maravilhosa ironia de Fiuza! Torcedores esta facil compara com Dorival! Porem Fiuza eh genial em suas ironias! Vamos refletir… A Vida eh linda!
Genial. Obrigado Fiuza !!!!!
Eu sou do Clube da Fé. Só com muita fé nós receberíamos um técnico desta qualidade, graças a diretoria do Flamengo. Por sinal, a referida patota merece altos cargos no atual governo, dada a sua incapacidade cognitiva.
Brilhante meu xará. Agora eutou ouvindo que o Flamengo está considerando em contratar aquele outro mencionado no seu artigo Tite. Aquele mesmo que deixou os jogadores brasileiros curtindo sua mágoa por ter perdido a copa, sozinhos. Aquele que disse que não irira cumprimentar o Presidente Bolsonaro porque, políticamente, era contra ele, sem considerar o respeito pelo cargo.
SENSACIONAL! Suave ironia. Gargalhei internamente para manter minha sobriedade externa. Muito bom! Texto-lição para muitos.
Li com um sorriso. Saudações Tricolores ****
Mestre fiuza!