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Sérgio Moro | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil - pt pl
Sergio Moro | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Edição 186

‘Há uma tentativa de reescrever a história’

O ex-juiz e hoje senador Sergio Moro diz que as contestações sobre sua atuação na Lava Jato são produto de um clima de revanchismo do governo Lula

Rute Moraes
Rute Moraes
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Antes de se tornar o “rosto” da Lava Jato, operação que desvendou o maior esquema de corrupção da história do Brasil, o ex-juiz Sergio Moro já havia atuado em outros casos emblemáticos. Entre eles, o do Banestado — escândalo de corrupção que aconteceu no Banco do Estado do Paraná; e a Operação Fênix, que resultou em uma das condenações do traficante Fernandinho Beira-Mar. 

Natural de Maringá, no interior do Paraná, o hoje senador de 51 anos acredita que há uma “tentativa de reescrever a história como se a corrupção nos governos do PT não tivesse acontecido”. “No fundo, essas contestações são produto de um clima de revanchismo instaurado no país pelo governo do presidente Lula”, afirmou. “O grande problema é que os fatos são coisas teimosas. Como a Petrobras recuperou R$ 6 bilhões de pessoas que confessaram crimes de corrupção se não existiu corrupção?”

Depois de 22 anos de magistratura, Moro deixou a carreira para se tornar ministro da Justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em 2020, contudo, deixou o cargo em meio a uma suposta interferência do Planalto na Polícia Federal (PF). Desde então, assiste aos processos que julgou serem anulados pelo STF. Em especial, o que condenava o atual presidente por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

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O senador Sergio Moro | Foto: Agência Brasil

Lula fora condenado em três instâncias e julgado por nove juízes diferentes. Mas teve as sentenças anuladas pelo ministro Edson Fachin, do STF, sob o argumento de “erro processual por incompetência de foro” — o chamado “erro de CEP”. Em junho de 2021, o Supremo também considerou Moro “parcial” e anulou as provas no julgamento do caso do triplex no Guarujá.

“Tenho absoluta tranquilidade, na minha consciência, de que agimos conforme a lei”, avaliou o senador. “Aliás, fizemos um grande trabalho ao responsabilizar, em uma extensão que não se conhecia no país, pessoas poderosas por crimes reais de corrupção.”

Nesta entrevista, além de falar sobre os temas que envolvem a Lava Jato, Moro comentou, entre outros assuntos, a possibilidade de mudar de partido, o desfecho da CPMI do 8 de Janeiro, a ação do governo em resposta ao ataque contra Israel e os métodos do ministro Alexandre de Moraes. Confira os principais trechos.

Apesar de o Hamas ter atacado Israel, o governo Lula ainda não reconheceu oficialmente o grupo como terrorista. Como o senhor avalia isso?

Desde o primeiro momento, condenei o Hamas e esses atos terroristas. Esses atentados possuem um caráter étnico, de racismo. O nível das atrocidades caracteriza os atos como crimes contra a humanidade. Em relação a esse tema, não se pode ter meias-palavras e não se pode ter contextualização. Tem que ser repudiado por todos, independentemente das cores partidárias ou dos países. Além disso, o Hamas não representa o povo palestino. Ele é um grupo terrorista que, inclusive, causa sofrimento aos próprios palestinos, seja por uma questão ditatorial no país, seja porque o resultado dessas ações tem sido a retaliação por parte de Israel. Critiquei a nota oficial do governo, porque ela foi fraca no repúdio a esses acontecimentos. Um país que ocupa a presidência da Comissão de Segurança da ONU e do G20, como o Brasil, teria que ter uma posição mais incisiva diante dessas graves violações dos direitos humanos. Quando há um background, já que lideranças do PT sinalizaram positivamente em favor do Hamas em declarações públicas, seria ainda mais necessária uma declaração incisiva por parte do governo. É importante destacar que essa posição não representa o sentimento da população brasileira, que ficou horrorizada com o nível de barbárie dos ataques.

Neste ano, o senhor enfrentou diversas contestações no âmbito da Operação Lava Jato. Por quê?

No fundo, essas contestações são produto de um clima de revanchismo instaurado no país pelo governo Lula. Todos esses atos e decisões são conhecidos há muito tempo. Foram amplamente publicizados à época. Tenho absoluta tranquilidade, na minha consciência, de que agimos conforme a lei. Aliás, fizemos um grande trabalho ao responsabilizar, numa extensão que não se conhecia no país, pessoas poderosas por crimes reais de corrupção e ainda obter a recuperação de bilhões de reais por meio da Lava Jato. Só a Petrobras já reconheceu publicamente que recuperou mais de R$ 6 bilhões por causa dessas investigações. Lamento, no entanto, esse clima de revanchismo e de moralidade dúbia. É interessante destacar uma coincidência infeliz: muitas vezes, aqueles que atacam a Lava Jato do ponto de vista político-partidário e, de certa forma, relativizam a corrupção são os mesmos que relativizam a barbárie moral no Oriente Médio. Para um país, é importante economia, renda, emprego, mas tem uma coisa que é fundamental: a moral. Hoje, infelizmente, vivemos em um período de certa decadência moral.

Há uma tentativa de enterrar a Lava Jato?

Há uma tentativa de reescrever a história, como se a corrupção não tivesse acontecido. O grande problema é que os fatos são coisas teimosas. Como a Petrobras recuperou R$ 6 bilhões de pessoas que confessaram crimes de corrupção? De onde vieram os US$ 100 milhões que os gerentes da Petrobras mantinham em contas secretas no exterior? De onde veio o valor de suborno comprovadamente pago a agentes políticos? Que, por sua vez, eram padrinhos de nomeações políticas na Petrobras. Não é apenas a Lava Jato. A coisa vai além. O governo atuou e atua para enfraquecer a Lei das Estatais. Essa foi uma ação inicial deste governo. Essa lei foi uma iniciativa positiva da Lava Jato, sendo aprovada pelo Congresso. Qualquer pessoa em seu juízo normal sabe que é importante colocar freios no loteamento político-partidário das estatais brasileiras, que produziram desastres econômicos não só no Brasil, mas no mundo. Há essa tentativa de reescrever a história, mas, igualmente, de voltar a uma realidade que os brasileiros querem longe.

Lula ao lado de imagem da fachada da empresa Odebrecht, em São Paulo | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/Flickr
Em setembro, o ministro Dias Toffoli, do STF, anulou todas as provas do acordo de leniência celebrado pela Odebrecht, no âmbito da Lava Jato. Essas decisões podem ser revistas no futuro?

Essa decisão foi objeto de recurso no STF e deve ser reavaliada, pois foi proferida com base em uma premissa falsa de uma informação incorreta prestada pelo Ministério da Justiça. Temos o caso gigantesco da Odebrecht, que é uma empresa que confessou a prática de suborno sistemático, tendo, inclusive, um departamento de propina. A empresa reconheceu esses fatos, fez um acordo de leniência que permitiu a recuperação de bilhões de reais ao Brasil e, sem cuidado, o Ministério da Justiça informou que não havia cooperação jurídica internacional para a obtenção da prova. Fato que foi desmentido pela Associação Nacional dos Procuradores da República. Isso fez com que o próprio ministério tivesse que rever sua posição. Como se trata com tamanha leviandade de um assunto tão importante? Vamos aguardar o julgamento dos recursos. Destaco que esse acordo foi bastante divulgado em 2016 e 2017, sendo elogiado internacionalmente. O que aconteceu? O que mudou? O acordo ou os fatos? Não. Mudou o clima de revanche político do governo, que é aproveitado por um sistema que quer de volta a corrupção.

O senhor concorda com quem afirma que alguns métodos adotados pela Lava Jato estão sendo usados agora pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, no âmbito dos inquéritos do Supremo?

São investigações com objetos e caminhos bastante diferentes. Ainda assim, causa surpresa que alguns, que se colocam tão acirradamente contrários à Lava Jato, criticando alguns instrumentos empregados, não façam juízo equivalente quando esses métodos são utilizados em outras investigações. Por exemplo, equiparar a prisão preventiva à tortura é uma bobagem retórica. Na época da Lava Jato, já falávamos isso. Uma coisa é o instituto da prisão preventiva, e outra coisa, evidentemente, é infligir o sofrimento físico ou moral a um indivíduo submetido a um processo penal.

O senhor citou a prisão preventiva prolongada, como no caso do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A prisão prolongada pode ter influenciado ele a fechar um acordo de delação premiada?

Para mim, se estão preenchidos os requisitos legais para a prisão preventiva e se ela for decretada, não tem nada de imoral. É um instrumento jurídico utilizado. Não tenho um conhecimento específico desse caso para fazer um juízo de valor em relação a isso. Contudo, temos que destacar que a prisão preventiva não é tortura, e a realização de um acordo de colaboração premiada, com o Ministério Público (MP) ou com autoridades de investigação, é um instrumento corriqueiro utilizado no mundo inteiro com efetividade. Não quer dizer que, nesse caso, o acordo se justifique ou não.

“Embora limitada, a CPMI conseguiu trazer fatos importantes à luz. Não sei se esses fatos terão suas consequências jurídicas, mas eles iluminam a história”

O PL e o PT são autores de dois pedidos para cassar o mandato do senhor no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Isso deve acontecer? 

Estou absolutamente tranquilo em relação à correção do que fizemos durante a campanha eleitoral, mesmo na fase de pré-campanha. O que ocorreram foram muitas alegações inverídicas e especulações fantasiosas que não correspondem à realidade. Vamos esperar com tranquilidade a decisão das Cortes Eleitorais. Quem anuncia um resultado X ou Y está desrespeitando, no fundo, a Justiça Eleitoral, coisa que não faremos. Temos tranquilidade em relação aos fatos e provas que estão do nosso lado.

Mauro Cid
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, durante seu depoimento à CPI do DF (24/8/2023) | Foto: Câmara Legislativa do Distrito Federal
O senhor pretende se filiar ao Partido Novo?

Respeito bastante o Novo, mas estou bem onde estou, no União Brasil.

Os trabalhos da CPMI estão previstos para terminar na próxima semana. Qual é sua avaliação sobre os quatro meses de investigação?

A CPMI não pôde fazer todo o seu trabalho, pois houve obstrução das investigações, principalmente pela base do governo. Precisamos separar duas coisas. Uma é a invasão e a destruição do patrimônio público, o que é reprovado. Ninguém pode concordar com isso. A outra coisa é que a CPMI é importante para apurar qual é o motivo de o governo Lula, já empossado, tendo à sua disposição as forças de segurança, não conseguir impedir a invasão nos prédios da Praça dos Três Poderes. No entanto, nessa parte da investigação, houve obstrução. Ainda assim, a CPMI revelou fatos importantes. Um exemplo: não houve um apagão de inteligência, pois a Agência Brasileira de Inteligência emitiu alertas informando o risco de invasões e exponenciais danos ao patrimônio público; a Força Nacional produziu um relatório de inteligência no mesmo sentido; o General Dias, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, recebeu os alertas antes dos fatos; o Exército tinha de prontidão o batalhão da Guarda Presidencial, que poderia ter evitado a invasão ao Planalto, mas não foi acionado; o Ministério da Justiça tinha à disposição a Força Nacional, mantida no estacionamento do prédio, que permaneceu imóvel, só entrando em cena depois que as invasões haviam ocorrido. Ou seja, o Ministério da Justiça presenciou as invasões no Planalto, no STF e no Congresso, mas não agiu como deveria; e o ministro do GSI adulterou informações de um relatório encaminhado ao Congresso. Embora limitada, a CPMI conseguiu trazer fatos importantes à luz. Não sei se esses fatos terão suas consequências jurídicas, mas eles iluminam a história.

Nas últimas semanas, o Senado reagiu a algumas decisões e pautas do STF, como o marco temporal, a descriminalização do porte de maconha, o aborto etc. Como o senhor enxerga essa ação do Legislativo?

Alguns dos projetos que regulam a atuação do STF, como a PEC do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que limita decisões monocráticas, já tramitavam havia um tempo no Senado. Assim como a PEC dos mandatos dos ministros, que é de 2019. Essa discussão sobre a regulação do poder do Judiciário existe há tempos. Não vejo a aprovação desses projetos como uma medida de retaliação, apenas como projetos que tratam de questões que não diminuem o papel do STF e que estão dentro das atribuições do Congresso Nacional. Podemos discuti-las, aprová-las ou rejeitá-las. Alguns desses temas que estão sendo abordados pelo STF são eminentemente polêmicos e envolvem questões profundamente políticas. Os senadores e os deputados não são melhores do que os ministros do STF nem vice-versa. No entanto, os senadores e deputados, para decidir esses temas complexos de políticas públicas, têm uma vantagem institucional que os ministros não têm: os parlamentares podem ser substituídos. Já os ministros, não. Isso dá aos parlamentares uma qualidade especial para focalizar a vontade popular. Se decidirem contrariamente àquilo que a população entende como apropriado, eles perdem o mandato. Todos esses temas precisam ser deixados ao Congresso Nacional para a deliberação, com todo o respeito ao STF.

Essas matérias que regulam a atuação do STF têm possibilidade de serem aprovadas pelo plenário do Senado?

Arriscar um placar de votação é temerário. Tudo depende do clima político do momento e de qual será a versão do texto que será trabalhada. Seria atrevido supor um resultado, mas essas questões chegaram a um certo amadurecimento para serem deliberadas pelo Senado. Contudo, a ideia não é uma guerra de instituições. Os aprimoramentos institucionais do Judiciário não são equivalentes à supressão de poder ou à restrição de poderes.

STF Presídios
Plenário do STF | Foto: Carlos Moura/SCO/STF
O presidente Lula cogita indicar o ministro da Justiça, Flávio Dino, para o STF. Como o senhor avalia essa possível indicação?

Tenho por praxe não dar opinião sobre as indicações que ainda não foram realizadas. Quando houve a especulação em cima do nome do ministro Cristiano Zanin, não me posicionei. Agora, quando ele foi indicado, me posicionei e votei contra. Embora, uma vez aprovado, espero que ele tenha uma boa atuação. Em relação ao Dino, me reservo o direito de opinar quando o momento chegar.

Leia também “A omissão do governo no 8 de janeiro ficou comprovada”

3 comentários
  1. Renato Perim
    Renato Perim

    Nunca li em toda minha vida uma entrevista com respostas tão chochas, vazias, em cima do muro, sem sal…Ô homenzinho frouxo esse Moro. Não é bem assim, veja, não podemos entrar em atrito, respeito os ministros, blá blá blá… Vai arrumar outra coisa pra fazer, senador porque de homens geléia o congresso tá cheio. Quanta falta faz um homem de verdade no parlamento.

  2. Eleonara Leal De Castro
    Eleonara Leal De Castro

    Data maxima venia, Revista Oeste chamou o senador Moro para uma entrevista com que escopo? O fato de ele estar fazendo o seu “arroz com feijão” como senador e não estar militando em um meio termo entre bolsonarismo e lulopetismo é obvio: aliviou-se a tensão após a puxada de tapete que deram em Bolsonaro. Ademais, ele – juntamente com meu ex-chefe (por heirarquia formal em abstrato), Dr. Dallagnol – está com aquilo apertado em função da pressão que sofreu e das ameaças expressas por parte de Lula. E por falar em Lula, e a história de CARVAJAL, hein?!!! A quantas anda no mundo?! Incrível como os casos de delações realmente importantes são abafados com cortinas de fumaça e ninguém fala muito consistentemente do que poderia ser o escândalo do século e ACABAR COM O PARTIDO PT, RISCAR A LEGENDA DO MAPA.

  3. Giovani Santos Quintana
    Giovani Santos Quintana

    Muito blá blá blá…discurso simplesmente político. Infelizmente o Senador Moro se perdeu em meio a sujeira da política.

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