Hoje, a estratégia revolucionária não usa mais a propaganda do operário que toma os meios de produção do patrão por meio da violência. A imagem está gasta. Há uma nova estratégia em curso. A tática agora consiste num sofisticado sistema de ataques no âmbito da cultura. É no campo das ideias que os revolucionários obtêm sucesso. E eles não têm interesse só na destruição do “sistema capitalista”. A meta é substituir a religião, a cultura e até a organização familiar por qualquer outra coisa.
Nessa nova conjuntura, a cultura serve de apoio ao poder político, porque molda o imaginário coletivo e influencia o comportamento das pessoas. E é nas universidades que acontece o fomento cultural. É do âmbito acadêmico que vem a inspiração para a linguagem utilizada pela mídia, o politicamente correto. Por que a esquerda política é a grande beneficiada por esse arranjo? A direita pode fazer frente a essa realidade?
Para obter as respostas dessas e de outras perguntas, Oeste entrevistou o escritor e cineasta Gustavo Lopes. Ele foi o organizador do livro Guerra Cultural na Prática, uma reunião de artigos escritos por alguns dos mais proeminentes juristas, filósofos, escritores e políticos contemporâneos. A lista de articulistas inclui Ives Gandra Martins, Ricardo Salles e Cristián Iturralde.
Gustavo, que assina a apresentação do livro, também é jornalista e mestre em comunicação. Ele esteve à frente de dois documentários e ocupou diversos cargos no governo federal durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O imaginário coletivo exerce papel importante na manutenção do poder político?
É a cultura que molda o imaginário coletivo, e isso acaba influenciando o comportamento das pessoas, sua forma de se colocar no mundo e, em última análise, o seu posicionamento político — e o seu voto. A cultura exerce uma influência muito grande no debate político. Hoje temos não só no Brasil, mas no mundo, o marxismo cultural entranhado no debate público. Assim, boa parte do que é debatido, discutido e imposto como “verdade” atualmente está, de certa forma, enviesado pelas narrativas desse movimento de guerra cultural. Não só do ponto de vista da cultura stricto sensu, como cinema, teatro, televisão, literatura, música, mas a imprensa também tem um papel muito relevante nesse processo. Assim como o Judiciário, com o seu ativismo, e as narrativas sobre o meio ambiente, sobre as pautas identitárias; tudo isso integra o panorama da guerra cultural — e influencia diretamente o comportamento das pessoas.
“Há cada vez mais núcleos de formação conservadora, de formação de direita, e esses jovens já começam a não ter mais vergonha, pelo contrário, têm orgulho de se declararem de direita. O primeiro passo é encontrar grupos em comum dentro da universidade, e começar a fomentar dentro do ambiente acadêmico esse contraponto”
De que forma a modificação das crenças, dos costumes, dos valores e das tradições de um povo feita por um agente político pode ser prejudicial à sociedade?
A esquerda e o marxismo têm como um dos seus objetivos a ruptura dos valores básicos da civilização ocidental, que são a filosofia grega, que corresponde ao conhecimento; o Direito Romano, que corresponde ao império das leis; e a religião e a moral cristãs. Quando esses valores são rompidos, as pessoas ficam desprovidas de seus referentes e, por isso, manipuláveis. E é precisamente isso que a esquerda faz. Ela cria divisões na sociedade a fim de cooptar as pessoas para que, como imaginava o intelectual comunista Antonio Gramsci, elas defendam a revolução sem o saber. Esses são os malefícios para a sociedade: quando os valores tradicionais, aqueles que estiveram conosco desde sempre — família, religião, moral — são relativizados e rompidos, a esquerda os substitui pela sua ideologia.
Se é a cultura, e não a política, que molda o pensamento humano, de que forma os líderes políticos podem se valer dos meios de expressão cultural em prol da disputa pelo poder?
Como ferramenta política, a cultura é muito mais utilizada pela esquerda; a direita, tradicionalmente, não tem ocupado esses espaços. Desde o surgimento da revolução marxista, ainda no início do século 20, a esquerda tem maior proeminência no âmbito cultural. E ela se utiliza da cultura da seguinte maneira: quando Gramsci desenvolveu a teoria da hegemonia cultural, ele percebeu que a revolução armada não fazia mais sentido, porque ela não poderia adentrar em certos ambientes — nas culturas ocidentais. Assim, era preciso que a própria cultura fosse subjugada. A sua teoria da hegemonia foi planejada para dirigir a ocupação dos espaços, dos meios de ação cultural, a fim de criar agentes que fizessem a defesa da revolução. A Escola de Frankfurt — corrente de pensamento contemporânea da hegemonia gramsciana — propõe vários postulados nesse sentido. Essas questões de gênero, de pautas identitárias, de minorias surgem na Escola de Frankfurt, que vai desenvolver uma série de teorias — inclusive a da tolerância repressiva, que permite tudo à esquerda e nega tudo à direita do espectro político — a fim de fazer com que sua ideologia penetre na sociedade ocidental. A esquerda, portanto, aplica essa estratégia há bastante tempo, compondo não só a esfera cultural strictu senso, mas a esfera acadêmica, que praticamente é dominada pela esquerda e pela esfera da mídia. A produção cultural é domínio da esquerda. A direita ainda está muito atrás nesse sentido.
Hoje, é notório o esforço de entidades ligadas à esquerda em prol da ‘desconstrução’ de símbolos históricos. Esses ataques são produto de um planejamento maior?
A Escola de Frankfurt foi muito importante para a esquerda nesse sentido. Ela propõe a destruição desses valores, a ressignificação, por exemplo, do conceito de família. É aí que surge a questão dos gêneros multifacetados, de não existir uma “família tradicional” — se qualquer coisa pode ser família, então nada é família. Assim, eles suprimem o significado dessas tradições. Com a questão religiosa a estratégia é a mesma. Eles tentam modificar isso por meio da Teologia da Libertação, que é uma interpretação marxista dos textos bíblicos, da doutrina cristã. Daí surge, por exemplo, essa ideia absurda de que Jesus Cristo era comunista. Eles fazem tudo isso por meio de um planejamento, de uma estratégia que já está em prática há tanto tempo que é praticada de maneira automática. Por exemplo: há uma doutrinação nas salas de aula, desde cedo as crianças são expostas a questões de gênero, com a linguagem neutra. Tudo isso de modo sutil. Porém, quando os alunos chegam à universidade, a doutrinação é mais intensa. No mercado de trabalho, o indivíduo já está completamente formado; assim, quando ele vai exercer a sua profissão, seja de juiz, seja de jornalista, seja qualquer outra, ele vai conduzir o seu trabalho com esse viés. Esse é o grande trunfo da esquerda: fazer as pessoas defenderem a ideologia marxista, mesmo sem saberem que estão atuando em prol dessa causa.
É bastante conhecido também que a esquerda detém o monopólio cultural no ambiente acadêmico. Há meios de livrar a universidade desse monopólio ou ela está perdida para sempre?
Essa é uma das grandes arenas da guerra cultural: o universo acadêmico. Sem dúvida, é necessário. Não está perdido, mas é preciso que os jovens universitários já tenham uma formação prévia mais sólida, a fim de não serem influenciados pela hegemonia esquerdista que existe nas universidades hoje. Isso é uma questão bastante séria, que demandará tempo. Não será no curto prazo que nós conseguiremos resolver o problema, mas essa formação sólida anterior ao ingresso no ensino superior é necessária. Acredito que isso está começando a mudar. Há cada vez mais núcleos de formação conservadora, de formação de direita, e esses jovens já começam a não ter mais vergonha, pelo contrário, têm orgulho de se declararem de direita. O primeiro passo é encontrar grupos em comum dentro da universidade, e começar a fomentar dentro do ambiente acadêmico esse contraponto. O trabalho, claro, é difícil, porque a hegemonia esquerdista nas universidades é uma realidade. Mas não só é possível, como necessário que nós comecemos a reverter esse quadro.
É possível combater o atual ativismo judicial que, atualmente, favorece a esquerda política no Brasil?
Essa é uma das questões mais difíceis de serem combatidas. O ativismo judicial não está só na Suprema Corte, mas a maioria dos juízes que hoje está lá foi indicada pela esquerda. Então, há um viés já natural da ideologia esquerdista nesse meio. E há um efeito cascata sobre os demais tribunais. Além disso, hoje, a formação das faculdades de humanas — e o Direito está incluído — tem esse viés esquerdista. Assim, é necessário que haja cada vez mais o desenvolvimento de centros de formação para que advogados, juízes e promotores tenham fortalecidos esses valores conservadores. O que é muito difícil hoje, porque há uma imposição do politicamente correto, e isso acaba afetando, inclusive, o julgamento de muitos juízes. Muitas Cortes têm tomado decisões com viés completamente ideológico à esquerda — e não técnico.
Existe relação entre o autoritarismo ‘científico’, com os ‘especialistas’ chancelando a limitação das liberdades individuais, e a cultura, o imaginário?
Durante a pandemia isso foi visto com perfeição. Porque as pessoas queriam definir, sem saber, sem capacidade técnica, questões relativas à saúde pública. A imprensa selecionava determinados “cientistas” para falarem o que ela queria que fosse dito, e a bem da verdade eram pessoas que não tinham a menor condição de definir com embasamento científico quais eram as verdades a respeito daquele fato. A ciência está sendo usada como uma ferramenta política — e isso foi visto à exaustão durante a pandemia. Foram impostas “verdades” que não se sustentam do ponto de vista científico, mas que foram não só legitimadas pela imprensa, como depois chanceladas pelo Judiciário. Falar contra as máscaras e as vacinas, por exemplo, era considerado uma atitude negacionista ou de propagação de fake news.
A agenda ambientalista pode ser combatida?
A agenda ambientalista é um dos grandes capítulos da guerra cultural. Ela também foi sequestrada pela esquerda a fim de colaborar com um jogo político. Frequentemente, as pautas ambientais não têm amparo na realidade fática ou científica, mas são usadas de maneira a atacar determinados atores. Por exemplo: há uma tentativa evidente de criminalizar o agronegócio, a agroindústria como um todo, sendo que a indústria do agro no Brasil é uma das mais verdes do mundo — e também uma das mais modernas e tecnológicas. Essa agenda vem da Europa não por uma preocupação legítima com o meio ambiente, mas por uma preocupação meramente comercial. Isso porque o Brasil é um competidor muito forte nesse mercado. E, como os outros países, sobretudo os países europeus, não têm capacidade de competir com o agro brasileiro, eles atacam o nosso agro com os argumentos de que ele é “poluidor”, “mata”, “derruba florestas”, “provoca queimadas”.
É possível uma convivência pacífica entre a esquerda e a direita hoje, ou isso é uma idealização sem apoio na realidade?
Na verdade, quem não consegue conviver é a esquerda. Ela não aceita e, inclusive, prega o fim da direita. Isso não está somente nos postulados marxistas, mas também no discurso diário dos políticos esquerdistas. Recentemente, referindo-se aos conservadores, o presidente da República disse que “essa gente precisa ser extirpada”. A não aceitação provém da esquerda; o indivíduo de direita, o conservador, não vê problema na convivência, ele não vai obviamente concordar com as opiniões da esquerda, concordar com a ideologia esquerdista. Mas ele não tem problema em conviver, isso é próprio da esquerda, que não admite a existência do diferente.
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Muito boa entrevista! Sintetiza os fatos de maneira objetiva e eficaz.,
Acredito que a direita sempre fomentou o trabalho, por isso não tinha tempo de questões culturais. Precisamos trabalhar isto.
Sensacional! Parabéns pela excelente entrevista.