Em janeiro, a economia brasileira passou por uma brusca mudança de rumo. O governo de Jair Bolsonaro, simbolizado pelo ministro Paulo Guedes, defendia abertamente o liberalismo e o consequente desinchaço da máquina pública. E então a esquerda voltou ao poder. Com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aliados do PT no comando do país, a desestatização deu vez ao aparelhamento de estatais e autarquias. Os petistas Aloizio Mercadante, no BNDES, e Jean Paul Prates, na Petrobras, que o digam. O número de ministérios cresceu de 23 para 39.
A mudança de rota no governo federal arquitetou, em poucos meses no poder, a derrubada do teto de gastos implementado por Michel Temer para colocar no lugar um contestado e confuso sistema batizado de arcabouço fiscal. Mas nem tudo está perdido para o país. Principalmente em termos econômicos. Ao menos é o que acredita o economista Fernando Ulrich.
Mestre em economia pela Escola Austríaca, professor, sócio da Liberta Investimentos e especialista em criptomoedas (é autor do livro Bitcoin — A Moeda na Era Digital), com mais de 500 mil inscritos no seu canal no YouTube, Ulrich apresenta evidências de que o atual governo não vai conseguir implementar todos os seus planos estatistas. Para ele, um exemplo disso é a situação do Banco Central. Mesmo como alvo de bravatas e críticas vazias por parte de Lula, o economista acredita que a autonomia do órgão, sancionada por Bolsonaro em fevereiro de 2021, não será desfeita. Isso porque há lideranças com pensamentos mais favoráveis ao livre mercado e, consequentemente, contra a presença das garras do Estado sobre a economia do país.
“A própria autonomia do Banco Central, muito criticada pelo presidente Lula, não tem praticamente nenhum amparo para ser desfeita”, afirma. “Não há como avançar na discussão, nem na imprensa, nem na opinião pública, muito menos no Congresso. Isso é positivo.”
O que não é positivo, observa Ulrich, é em pleno 2023 haver lideranças políticas que briguem com os fatos e insistam em projetos que não dão certo. Isso tanto no Brasil quanto em outros países, como a Argentina, que enfrenta inflação de quase 140% ao ano e tem cerca da metade da população na pobreza. Ele acredita que esses problemas não chegarão por aqui.
“As tentativas de ‘argentinizar’ o Brasil, nesse curtíssimo prazo, serão frustradas”, diz. “Mas, é claro, vem o alerta e, por isso, o risco sempre está aí. Se a gente descuidar do fiscal e deixar o déficit e o endividamento subirem… Esse foi o caminho da Argentina.”
Durante o 10º Fórum Liberdade e Democracia, evento realizado em outubro na capital paulista e que teve a Revista Oeste como parceira de mídia oficial, Ulrich falou sobre a importância de ter lideranças liberais com destaque na política, e como eventos e ações educacionais podem “desesquerdizar” o pensamento. Alertou também para os riscos, inclusive para o Brasil, caso a esquerda siga no poder na Argentina.
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.
Qual é a importância de o Brasil contar com eventos que defendem os valores liberais, como o Fórum Liberdade e Democracia?
A importância é fundamental. Sou um dos associados ao Instituto de Estudos Empresariais, que deu início ao Instituto Formação de Líderes em São Paulo e em Porto Alegre. A gente fica muito feliz em ver que, a cada ano que passa, essas ideias têm maior adesão, especialmente entre os jovens. É algo a ser celebrado. É essencial que a gente tenha um ambiente de debate, de defesa e de promoção dessas ideias. São elas que vão transformar o Brasil num país mais livre, próspero, menos desigual, menos injusto. E que bom que a gente consegue manter essa tradição para levar essa mensagem para cada vez mais pessoas.
Nesse sentido, é preciso mostrar para o público em geral, o que inclui os eleitores, as diferenças entre esquerda e direita, socialistas e liberais?
Ao contrário dos socialistas, que são estatizantes, a gente quer entrar na estrutura política para liberalizar, reduzir o poder, para limitar o poder do Estado, e não para entrar em esquemas de corrupção, de conluio. Queremos reduzir o dano que o sistema faz. O liberal quer o “poder” para diminuir ao máximo o poder do Estado. Para isso, é preciso haver pessoas capacitadas com essas ideias. Quando surgem as oportunidades, é fundamental que a gente tenha, nos Estados e nas cidades, lideranças capazes de atuar também na frente política.
Como melhorar, no sentido das liberdades, a formação do brasileiro?
O conceito clássico de educação buscava justamente trabalhar a formação essencial de cada pessoa. É aquele tipo de conhecimento que vai dar as ferramentas para que o indivíduo consiga posteriormente se capacitar em qualquer local. É você ter a possibilidade de aprender qualquer coisa. Considero que uma das melhores habilidades que o ser humano pode ter é a de aprender, pois seguimos aprendendo todo santo dia. Mas, se você tem incapacidade ou insuficiência de leitura, de interpretação de texto, de lógica, de matemática, você terá a sua capacidade de aprender limitada ou restringida. Dotar o indivíduo com essas capacidades fundamentais logo na infância é essencial para o futuro.
“A própria autonomia do Banco Central, muito criticada pelo presidente Lula, não tem praticamente nenhum amparo para ser desfeita”
E em termos de educação?
É empreendedorismo, é finanças e também as ideias corretas em termos de política, de explicar que não é o Estado que resolve o problema. Ensinar que o Estado, na maior parte dos casos (se não em 99% deles), é o problema. E é nesse sentido que é preciso tirar o Estado de lado, diminuí-lo ao máximo e deixar que o indivíduo seja livre para escolher e, então, empreender, pagar o mínimo de imposto possível e, com a sua própria renda, tomar as decisões que ele próprio considere como as melhores.
Há economistas e analistas políticos alertando para o risco de o Brasil, com a volta da esquerda ao poder, acabar virando uma nova Argentina. O senhor teme por isso?
Risco sempre existe, mas ainda estamos distantes da realidade argentina. Especialmente pelo que foi feito em termos de reformas monetárias, bancárias e fiscais nos últimos anos, desde a história do Plano Real, em 1994. Felizmente a gente conseguiu levar adiante algumas mudanças legislativas para impedir o financiamento direto do Tesouro pelo Banco Central e imprimir moeda para bancar as contas do Estado. São coisas que, ainda hoje, acontecem na Argentina. No Brasil, porém, isso não é mais possível. Da mesma forma, conseguimos eliminar vários bancos estaduais, que eram uma fonte de emissão monetária. Isso gerava inflação, desvalorizava a moeda e acabava com o poder de compra do cidadão. Para a gente retroceder e reintroduzir esse tipo de fragilidade fiscal e monetária, precisaria mudar muitas leis e revogar reformas. E não é tão fácil fazer isso. A própria autonomia do Banco Central, muito criticada pelo presidente Lula, não tem praticamente nenhum amparo para ser desfeita. Não há como avançar na discussão, nem na imprensa, nem na opinião pública, muito menos no Congresso. Isso é positivo. As tentativas de “argentinizar” o Brasil, neste curtíssimo prazo, serão frustradas. Mas, é claro, vem o alerta e, por isso, o risco sempre está aí.
O senhor falou de ideias mais alinhadas com a esquerda, como tirar a autonomia do Banco Central, não terem vez no Congresso. Qual é a importância de ter, principalmente no Legislativo, lideranças alinhadas com os valores liberais?
É de extrema importância que a gente tenha representantes que estejam levando essa pauta para a discussão e atuem como um freio aos demais Poderes. No Legislativo, felizmente, temos algumas vozes importantes que dominam essas ideias. Vejo, no Congresso, figuras com bagagem teórica e intelectual para defender essas ideias liberais com argumentos sólidos e que, no final das contas, não é uma questão de direita e esquerda. São as ideias que funcionam contra as que não funcionam.
Sobre as ideias que dão errado: estamos em meio à disputa eleitoral da Argentina, onde o atual grupo político, de esquerda, tenta se manter no poder, mesmo com problemas como uma inflação superior a 100% ao ano. Quais são os riscos se o candidato governista Sergio Massa vencer?
Os riscos são constantes. Seria terrível para a Argentina a perpetuação desse modelo de governo, desse regime que está fracassando há tanto tempo e fazendo a Argentina colapsar social e economicamente. Uma eventual vitória do Massa seria a prolongação desse sistema falho, que só gera miséria e pobreza para os argentinos. E acaba sendo ruim para o Brasil, pois é o país que por muitos anos foi o nosso principal parceiro comercial — e que tem tudo para ser novamente, mas não com essas políticas.
Na disputa do segundo turno, Massa vai enfrentar Javier Milei, deputado que se apresenta como libertário. Quais são as perspectivas para o futuro argentino em caso de vitória do Milei?
Trará muito alento, sem dúvida. Analisando as propostas, é incomparável a qualidade das propostas do Milei. No programa econômico, ele tem ideias concretas que são viáveis e que colocariam a Argentina num outro patamar. Porém, ele tem o grande obstáculo que seria o seu maior desafio: colocar essas propostas em prática. Terá a viabilidade de governança? Será que vai conseguir mesmo movimentar o Congresso para aprovar? Conseguirá aprovar as reformas estruturantes, a dolarização, a reforma fiscal e a redução drástica do gasto público? A gente precisa aguardar e torcer para que dê certo.
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Muito bom… mas nada adianta se os ministros do STF não forem devidamente encarcerados… contra a esquerda não se usa de democracia… só a polícia…
espero que essa opinião esteja certa, mas achei muito otimista diante da ditadura em vigor já, a insegurança jurídica destrói qualquer país
Pensei a mesma coisa, Emilio, muito otimista o rapaz. Acho que ele não está a par de tudo que vem acontecendo aqui não. Ou então as informações estão chegando pra ele com filtros e ele não está conseguindo ver a gravidade da situação, a velocidade da destruição da democracia no brasil, da liberdade, da segurança, enfim de uma vida decente.