Você tem certeza de que não seria um daqueles estendendo a mão com o braço reto em homenagem a um sujeito com um bigodinho esquisito na década de 1930? Como foi possível o mundo permitir o Holocausto, o nazismo? Hoje vemos com mais clareza que Edmund Burke estava certo: tudo que é preciso para o triunfo do mal é que as pessoas de bem nada façam. E muita “gente boa” fica em silêncio diante do avanço do totalitarismo. Durante a pandemia de covid-19 isso ficou muito claro. Com as atrocidades cometidas pelos terroristas do Hamas contra judeus também foi possível ver que muita gente pode aderir ao nazismo sem sequer se dar conta.
A cultura woke parecia para alguns uma bobagem universitária com afetação de falsas virtudes, mas agora há uma percepção mais acurada de que é uma mentalidade totalitária perigosa mesmo. O livro The Psychology of Totalitarianism, de Mattias Desmet, pode ajudar a entender melhor o fenômeno. A rápida emergência da cultura woke e o crescente movimento climático estavam criando um apelo por um novo governo autoritário que emergiu de dentro da própria população. Não é uma tirania imposta de fora por um líder absolutista, mas um clamor dos próprios “escravos voluntários”.
A visão distópica da filósofa judia alemã Hannah Arendt parece se concretizar a cada dia: a emergência de um novo totalitarismo, não mais liderado por extravagantes “líderes da máfia”, como Josef Stalin ou Adolf Hitler, mas por burocratas e tecnocratas enfadonhos. A psicologia das massas explica em boa parte isso. A formação de uma massa é, em essência, uma espécie de hipnose de grupo que destrói a autoconsciência ética dos indivíduos e rouba-lhes a capacidade de pensar criticamente.
O sujeito ideal do regime totalitário não é o nazista convicto ou o comunista fanático, e sim pessoas para quem a distinção entre fato e ficção e a distinção entre verdadeiro e falso já não existem mais. Dizer a verdade é perigoso. No entanto, também é necessário. Por mais frutífero que seja um consenso social em determinado momento, se não for desmantelado e renovado a tempo, apodrecerá e acabará por ter um impacto sufocante na sociedade.
A mecanização do mundo faz com que o homem perca o contato com o seu meio ambiente e se torne um sujeito atomizado, o tipo de sujeito em que Hannah Arendt reconheceu a componente essencial do Estado totalitário. Colocando a “ciência” no lugar em que antes havia a religião, a era moderna passa a crer em respostas finais para tudo. Uma pílula vai curar todo sofrimento emocional, procedimentos estéticos vão resolver complexos sem a necessidade de mergulhar em suas origens mais profundas, e um paraíso artificial, mecanicista e científico, vai substituir a perspectiva de uma vida após a morte.
Para Desmet, “é aqui que nós, juntamente com Hannah Arendt, situamos a corrente subjacente do totalitarismo: uma crença ingênua de que um ser humanoide perfeito e uma sociedade utópica podem ser produzidos a partir do conhecimento científico”. Como o autor mostra, isso ficou evidente na postura de muitos durante a pandemia: “O que foi surpreendente é que, durante a crise do coronavírus, as pessoas se recusaram a reconhecer que a motivação do lucro desempenhou um papel e teve impacto nos dados. Todo o setor da saúde foi subitamente agraciado com uma quase santidade. Isto, apesar do fato de, antes da crise do coronavírus, muitas pessoas criticarem e reclamarem do sistema de saúde com fins lucrativos e da Big Pharma”.
Assustadas, essas pessoas clamaram por mais controle, por um “messias salvador”. Perguntas básicas de medicina, sobre custo e benefício, para avaliar se o remédio não é pior do que a doença, foram não só abandonadas, mas interditadas. Medidas drásticas e autoritárias foram impostas a todos, com o aval de muita gente apavorada. Em outras palavras, tentar freneticamente evitar qualquer perigo na vida tornou-se, paradoxalmente, algo muito perigoso, como a pandemia provou. Viver pressupõe riscos, mas essa turma queria uma espécie de “proteção plena”, e estava disposta a ceder controle total em troca dessa falsa sensação de segurança.
A sociedade está — é difícil ignorar — cada vez mais atolada numa proliferação interminável de regras. Por um lado, tais regras são impostas pelo governo, mas, por outro lado, há também um apelo por mais regras — uma moralidade superestrita — por parte da própria população. Tal como o narcisismo, essa é uma tentativa frenética de conter o aumento do medo e da insegurança nas relações humanas. Com a ascensão da cultura woke, a sociedade foi vítima de regras implícitas e explícitas que tornaram cada detalhe da interação humana mais precário.
A mania da regulamentação, em toda a sua extravagância e absurdo, contribui sem dúvida para os problemas psicológicos do nosso tempo, segundo Desmet. A contradição e a ambiguidade de tantas regras criam um efeito neurótico do cão de Pavlov, e a sua natureza excessiva tira a satisfação, a espontaneidade e a alegria da vida. Há cada vez menos espaço para autonomia e liberdade.
Para o autor, isso é uma evolução lógica do Iluminismo: “A tradição iluminista, a ideologia da Razão, foi uma tentativa persistente de espremer a vida em lógica e teorias. Colocou todo o simbolismo, misticismo, ficção e poesia em segundo plano. Mas este é exatamente o tipo de discurso que nos permite responder à incerteza da vida com criação e individualidade e encontrar palavras que ressoem com o Outro”. Quanto mais tentamos eliminar o medo e a incerteza através da racionalidade e das regras, mais colidimos com o fracasso.
E, segundo Desmet, é precisamente nesse ponto que o homem se volta para o oposto daquilo que perseguia no seu desejo de liberdade: o senhor absoluto — o líder totalitário — que afirma ter a última palavra. Isso difere de uma tirania imposta com maior clareza por um ditador sanguinário: “Embora as ditaduras se baseiem essencialmente em incutir o medo da agressão física — a população é atingida por um tal grau de medo de que o ditador (ou o regime ditatorial) é capaz de impor unilateralmente um contrato social —, o Estado totalitário baseia-se no processo psicológico social de formação de massa”.
Uma sociedade saturada de individualismo e racionalismo inclina-se subitamente para a condição radicalmente oposta, para um coletivismo radicalmente irracional
Quatro condições devem estar presentes para tal fenômeno: a solidão generalizada, o isolamento social e falta de vínculos sociais entre a população; a falta de sentido na vida; a presença generalizada de ansiedade e desconforto psicológico em uma população; e, por fim e como consequência das três primeiras, muita frustração e agressão “flutuantes”, indefinidas. Pessoas perturbadas pela solidão, falta de sentido, ansiedade e mal-estar indefiníveis geralmente se sentem cada vez mais irritadas, frustradas e/ou agressivas e procuram objetos para descontar esses sentimentos. Aí, por meio de uma luta comum com “o inimigo”, a sociedade em desintegração recupera a sua coerência, energia e significado rudimentar. Os “negacionistas” foram os alvos durante a pandemia, e os judeus passaram a ser os alvos agora.
Para concluir, a essência da formação de uma massa equivale ao seguinte: uma sociedade saturada de individualismo e racionalismo inclina-se subitamente para a condição radicalmente oposta, para um coletivismo radicalmente irracional. As massas acreditam na história não porque seja precisa, mas porque cria um vínculo social novo. Alimentadas pelo ódio e pelo ressentimento, essas pessoas apagam sua individualidade e transferem toda a sua energia para o coletivismo destrutivo. Talvez isso explique o que se passou na pandemia? Talvez seja por aí a causa desse estranho fenômeno de alunos universitários ocidentais flertando com bárbaros que assam bebezinho no forno enquanto estupram sua mãe?
Leia também “Bode expiatório”
excelente
Dessa análise pode-se inferir que a solução possível obrigatoriamente deve ser nova. Algo novo deve surgir para enfrentar o coletivismo do pensamento induzido por métodos velhos na senciência mais novos na forma.. Projetes-se
Parabéns. Excelente
A conclusão, a meu ver muito precisa, possui algumas semelhanças com a obra “1984”. Talvez a maior semelhança resida no fato de que a humanidade caminha a passos largos para a alienação decorrente de escolhas que privilegiam felicidade em detrimento da liberdade. Porém, não se dá conta de que esta “felicidade” tem sido ditada por aqueles que buscam o poder pelo poder, ou seja, ela não decorre do arbítrio responsável e livre de cada um. A liberdade verdadeira desafia coragem e não é irmã da preguiça. Quando essa humanidade preguiçosa se der conta, talvez seja tarde, talvez o “Grande Irmão” que utiliza meios virtuais, tenha dominado até suas mentes e apagado as memória e o passado reeditando-os para dizer como será o futuro.
A pandemia foi um marco para mim, mudei meu círculo de amizade e convivência. Não consigo mais conviver com pessoas que foram capazes de comemorar mortes, torcer para o quanto pior melhor, cercear a liberdade de ir e vir, de trabalhar, de ir a praia…
Estamos vivendo um período de imbecilização da humanidade e muito assustador diante da apatia e aceitação de muitos.
Ao que parece estão todos aguardando uma resposta pronta ser a necessidade de lutar pelos seus valores e princípios.
“O que mais me preocupa não é o barulho dos maus mas sim o silêncio dos bons”. Martin Luther King
Sou assinante da Revista Oeste desde o início e digo com certeza que ela é o único órgão de imprensa com liberdade total. Nem mesmo a Gazeta do Povo tem esta liberdade total mas também é muito boa.
Brilhante texto! Parabéns a revista e toda equipe!
Esse artigo é memorável e brilhante mas os maus só vencem pela covardia dos bons. É hora de agir com coragem e inteligência pressionando o Congresso Nacional a alterar os poderes do STF sob 4 pilares: configuração: ( 27 Ministros: um por cada unidade federativa, com mais serão menos poderosos. O STJ tem 33), acesso: ( eleitos por Colégio Eleitoral), competência: exclusivamente para a interpretação de matéria constitucional controvertida, mandato: 10 anos formando o tripé de 04 da Câmera e 08 do Senado. É lógico que aqui se coloca uma de tantas possibilidades, mas é imprescindível o aperfeiçoamento das 4 colunas. Namastê!
Tenha dó, Nelson, aumentar pra 27 Ministros do supremo, que ideia estúpida. Acesso por colégio eleitoral, mas quem seria esse colégio eleitoral? O TSE? Os tribunais estaduais? Na CF a competência do supremo JÁ É exclusivamente para interpretação de leis sob a ótica constitucional, só que não adianta nada, com esses ministros aí, sem chance. Acho que você deve melhorar suas propostas.
Quando submetidos à privação – de qualquer ordem ou categoria – humanos reagem visceralmente em direção ao estímulo privado. Respondemos ao ambiente aumentando nossas respostas no sentido de obtermos aquilo que nos faltam. Retornamos aos níveis mais baixos da Pirâmide de Maslow (Pirâmide de Necessidades de Maslow), e retroagimos aos estágios mais primitivos da nossa existência, trocando em miúdos: quanto mais descemos do topo da pirâmide, na busca por comida, sexo, água, sono, segurança e ATENÇÃO, mais nos aproximamos do comportamento irracional dos nossos primos chimpanzés. Ficamos vulneráveis e tendemos a fazer escolhas ruins, e qualquer pessoa/grupo, conceito ou fato que represente uma saída rápida desse estado de privação torna-se fonte de veneração. Estudos de Psicologia Social sobre grupos e figuras de autoridade sinalizam o quanto somos dependentes de soluções rápidas para as nossas necessidades (que são inúmeras, principalmente as emocionais), que uma vez supridas, tornam-se fontes de manipulação e controle.
Exemplos históricos de personalidades que controlavam e manipulavam massas privadas de comida, água, atenção, esperança, etc, não nos faltam. Somos testemunhas que o ser humano só é civilizado quando suas inúmeras necessidades, básicas ou mais elaboradas, são minimamente ou exageradamente, atendidas. E como é fácil virar a chave para o modo primitivo, despertando a besta devoradora de carne que habita dentro de nós, e diga de passagem, nos trouxe até aqui como espécie animal topo de cadeia alimentar. Guerras, genocídios, terrorismos são meras expressões do nosso potencial destrutivo e de como somos emocionalmente vulneráveis as influências de grupos de convivência e de figuras de autoridades.
Parabéns Sr. Constantino pelo brilhante artigo. Como nos ensina o Professor Luís Cláudio M. Figueiredo na obra Matrizes do Pensamento Psicológico: a emergência e ruína do indivíduo deu-se quanto a razão e a ciência afastou o ser humano das suas origens coletivas, modificando de forma irreversível a sua natureza, tornando-o privado, egoísta, imediatista e desprovido de autocontrole para a prevenção de crises e conflitos, tornando-o o grande bode expiatório dos males que o acompanham desde então.
Para mim a idéia de matar a morte está no cerne de todas a história da pandemia. O pecado gerou a morte e os seres não crentes em Deus querem negar que a morte é o preço do pecado. Quem se colocar no lugar de Deus prometendo matar a morte leva o Oscar eterno e a liberdade junto.
Já a defesa arraigada do terrorismo pelos universitários e islâmicos na maioria, eu entendo como vontade de ser empoderado por Alah depois de um sacrifício já que Deus só promete paz, amor e felicidade após conquista da santidade que rima com remissão, altruísmo, e entrega a vida ao próprio Deus.
Brilhante, parabéns Constantino!!!!
A Revista Oeste é uma brilhante ideia! Parabéns a todos.
Preciso é claro: grato pelas ideias
Eu sou negacionista, eu sou Judeu
Pessoas vacinadas com duas ou três vezes, com máscaras, brigando contra quem não estava usando a tal máscara.
A neuroses coletiva foi grande e amedrontadora
Artigo excelente. Só um comentário, esses ditadores nos manipularam e ainda nos manipulação através do medo e imposição de leis arbitrárias, regras sem sentido lógico. Aqui no Brasil estamos cercados por arames fardados,como os pássaros retratados na foto desse texto. Mas existe também quem tem coragem, discernimento e relatam os fatos verdadeiros, sem versões distorcidas.A Revista Oeste entrará na história do jornalismo como a ponte que sempre prioriza a liberdade de expressão com um time de jornalistas de excelência. Essa é uma das respostas às atrocidades que estamos vivendo,quando não se expõe a verdade ,.a liberdade de pensar e falar ,faz-se um pacto com a ditadura
Tanto Constantino como Guzzo, Adrilles, Nunes e tantos outros nos brindam com comentários excelentes que nos colocam a par da realidade ao contrário de jornalistas da velha imprensa vendida, que mascaram a verdade e vendem mentiras ao leitor incauto…..mas quanto ao texto aproveito aqui para citar Martin Luther King ” Não me preocupa o grito dos maus mas o que me preocupa é o silencio dos inocentes”.
Uau. Texto sublime!
excelente análise Constantino
Parabéns! Muito importante essas informações e eu enquanto psicologa percebo essa manobra.