Apesar de ter vivido em Israel por quase oito anos — durante os quais meus três filhos nascidos na Grã-Bretanha aprenderam a falar hebraico fluentemente, completaram os estudos e serviram no Exército —, ainda me sinto muito britânica. Desde que fiz a aliá [termo que designa a imigração judaica para Israel], visitei regularmente a minha cidade natal, Manchester, para ver o meu filho mais velho e a sua mulher, cortar o cabelo, fazer compras e encontrar velhos amigos.
Sempre me senti em casa lá — mais do que aqui, às vezes. Até agora.
Os horríveis acontecimentos de 7 de outubro deixaram judeus israelenses e de todo o mundo cambaleantes. Embora não tenham faltado histórias reconfortantes de apoio, tanto dentro quanto fora de Israel, a indiferença à nossa situação em alguns setores, juntamente com as demonstrações externas de apoio aos terroristas do Hamas, tem sido totalmente deprimente e só serve para aumentar nossa frustração e desespero.
O Reino Unido, em particular, tem sido cúmplice nesse aspecto, tornando a vida dos judeus britânicos extremamente desconfortável. Em Manchester, numa manifestação convocada poucas horas depois da notícia dos ataques do Hamas — e realizada enquanto o massacre estava em curso e muito antes de qualquer resposta de Israel —, mais de 5 mil pessoas reuniram-se em apoio à “resistência palestina”. Aplaudiram o discurso do presidente da Campanha de Solidariedade à Palestina, que elogiou o massacre de crianças e de idosos, apelando para que a resistência se transformasse num “tsunami global”. Ninguém discordou e, apesar da evidente glorificação do terrorismo, não foram feitas detenções.
Na semana seguinte, quando o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, visitou Israel, ele disse todas as coisas certas sobre estar ao lado de Israel. Entretanto, em Londres, qualquer pessoa que tentasse realçar a situação dos reféns em Gaza, cujo número ultrapassa os 220 e inclui bebês e crianças pequenas, bem como idosos, foi silenciada. Os veículos que exibiam os rostos das crianças raptadas foram impedidos de circular pela capital, sob pena de perturbarem a paz, e, mais recentemente, cartazes semelhantes foram arrancados quase tão rápido quanto haviam sido colocados.
No dia 21 de outubro, aproximadamente 100 mil pessoas foram ao centro de Londres para uma marcha pró-Palestina. Gritos de “do rio ao mar” soavam, enquanto a procissão seguia do Marble Arch ao Whitehall e à Parliament Square, paralisando a capital. Aqueles que afirmam que essa marcha foi apenas uma demonstração de apoio aos palestinos, com o seu hediondo grito de guerra, são ingênuos, ignorantes ou perigosos — ou são uma mistura tóxica dos três.
Como explica a Liga Anti-Difamação (ADL, na sigla em inglês): “Esse canto pode ser entendido como um apelo a um Estado Palestino que se estenda desde o Rio Jordão até o Mar Mediterrâneo, território que inclui o Estado de Israel, implicando o desmantelamento do Estado Judeu. Na verdade, esse grito de guerra tem sido utilizado há muito tempo por organizações terroristas anti-Israel, como o Hamas e a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), que procuram a destruição de Israel por meios violentos. O uso dessa frase pode fazer com que os membros da comunidade judaica e pró-Israel se sintam sitiados e condenados ao ostracismo”.
Suella Braverman, secretária do Interior britânica, também interveio, classificando o slogan “do rio ao mar” como antissemita. Ela afirmou que era “amplamente evidente” o apelo à destruição de Israel, algo que estava, sem dúvida, na mente de muitos que se juntaram à marcha. No entanto, esse slogan antissemita cheio de ódio tomou conta do ambiente, enquanto a marcha avançava pelas ruas de Londres, e a Polícia Metropolitana simplesmente observava, sem fazer nada.
Hamas nas ruas de Londres
As demonstrações externas de apoio ao grupo terrorista Hamas também foram uma característica proeminente da marcha. Uma investigação do The Jewish Chronicle descobriu que quatro dos seis grupos por trás da sua organização têm ligações com o Hamas ou são seus simpatizantes — outra característica preocupante que foi ignorada pela Polícia Metropolitana.
Enquanto acontecia aquela enorme manifestação, um segundo comício, realizado pelo Hizb ut-Tahrir — um grupo islâmico proibido na Arábia Saudita, na Alemanha e no Paquistão —, ocorria em frente à embaixada turca em Londres. O grito de guerra do grupo, que se referiu ao massacre de 7 de outubro como “um dia de boas notícias”, foi “jihad!” (“guerra santa” contra os inimigos do islamismo).
Há também relatos de famílias judias removendo sua mezuzá da porta da frente, dado que os ataques antissemitas aumentaram exponencialmente na Grã-Bretanha desde o massacre de 7 de outubro
Numa lamentável tentativa de justificar a decisão de permitir que gritos de “jihad!” ressoassem no coração da capital britânica, a Polícia Metropolitana divulgou a seguinte declaração: “As palavras podem ter vários significados, mas sabemos que o público as associará mais comumente ao terrorismo”. Eles então afirmaram que “avaliaram o vídeo e não identificaram nenhuma ofensa decorrente dessas imagens específicas”.
Nessa mesma tarde, marchas semelhantes pró-Palestina também tiveram lugar em várias cidades da Grã-Bretanha. Dezenas de milhares de pessoas de todas as idades e origens se juntaram em manifestações pró-Palestina em 21 de outubro e vão fazê-lo novamente, apesar das atrocidades cometidas em nome da causa que defendem.
Apelo pela libertação dos reféns
Entretanto, sob um manto de sigilo, foram organizadas manifestações de solidariedade e vigílias bem menores (compostas majoritariamente de judeus) em Manchester e Londres, apelando pela libertação dos reféns feitos pelo Hamas. Os detalhes dos comícios foram divulgados apenas na noite anterior, por medo de perturbações caso a notícia se espalhasse.
Assim como os membros da comunidade judaica não foram deixados em paz na noite dos ataques, quando se reuniram para prestar homenagem às vítimas na embaixada de Israel em Londres (alguns foram mesmo impedidos de fazê-lo por pessoas que também tinham se reunido ali para uma manifestação pró-Palestina, poucas horas depois de os detalhes das atrocidades do Hamas terem vindo à tona), também aqueles que participaram da vigília foram vítimas de abusos enquanto apelavam pacificamente pelo regresso dos reféns.
De acordo com o The Standard, a Polícia Metropolitana disse que duas prisões foram feitas por crimes contra a ordem pública envolvendo gritos ofensivos contra os participantes da vigília. Preocupados com a segurança em primeiro lugar neste momento, judeus em todo o mundo colocam em prática medidas adicionais para reforçar sua proteção. Por exemplo, a polícia armada está agora estacionada em frente aos portões da escola em Manchester que os meus filhos frequentavam antes de fazermos a aliá.
Há também relatos de famílias judias removendo sua mezuzá da porta da frente, dado que os ataques antissemitas aumentaram exponencialmente na Grã-Bretanha desde o massacre de 7 de outubro. Os receios da comunidade judaica são bem fundados — de acordo com a Polícia Metropolitana, os crimes de ódio antissemitas em Londres aumentaram espantosos 1.350%.
Infelizmente, os judeus britânicos habituaram-se a adaptar o seu comportamento para se manterem fora de perigo. Como diz Dave Rich, diretor de políticas da Community Security Trust (CST), “um enorme aumento no número de crimes de ódio antijudaicos acontece sempre que Israel está em guerra”. Desta vez, porém, alertou a CST, “o aumento pareceu excepcionalmente grande”. A entidade também confirmou que, “em muitos casos, os autores desses incidentes vergonhosos usam os símbolos e a linguagem da política pró-Palestina como armas retóricas para ameaçar e abusar do povo judeu”.
É inacreditável, portanto, que a Polícia Metropolitana e outras forças estejam permitindo que essa situação não apenas continue, mas seja inflamada pelas grandes manifestações que ocorrem em toda a Grã-Bretanha. Em que as pessoas cantam abertamente o seu apoio a grupos terroristas e apelam pela destruição de Israel — e tudo no rescaldo de uma das piores atrocidades que já se abateram sobre o povo judeu.
É tão vergonhoso quanto obsceno. Desde 7 de outubro, tornou-se absolutamente claro para mim que, apesar de todos os problemas, Israel é a minha casa. Nas palavras da emocionante canção de Ehud Manor, “I have no other country”.
Andrea Samuels é escritora. Trabalhou como advogada em Manchester, na Inglaterra, e atualmente mora em Israel, onde trabalha no jornal The Jerusalem Post.
Texto publicado originalmente no The Jerusalem Post.
Leia também “A esquerda islâmica é uma ameaça contra os judeus e a decência”
Dia desse fui olhar o instagram do Manchester United, e fiquei assustado com a quantidade de comentário em favor do terror do Hamas.
Andrea, não podemos esquecer que tudo o que hoje acontece no Oriente Médio é consequência da interenção britânica após a Primeira Guerra Mundial. Se a postura britânica tivesse sido diferente e mantida a promessa feita aos árabes, a história hoje poderia ser diferente.
Que promessa?
Inglaterra mostra sua ignorância histórica, como outros países. Tenho orgulho do povo israelense e de tudo o que representa em liberdade,resiliência,valores e decência. Quem cultua o terror, não cultua a humanidade e sim a barbárie.
Que haja paz entre teus muros, oh Jerusalém
ótimo artigo. Parabéns. Muitos países europeus pagarão um preço muito alto por terem aberto as pernas para o islamismo. Quando se derem conta já será tarde demais.