Pular para o conteúdo
publicidade
Ilustração: Benjavisa Ruangvaree/Shutterstock
Edição 189

Pensar liberta

Povo que pensa elege bons representantes; povo que pensa fiscaliza seus representantes; povo que pensa não permite que quem não tem representação do voto vá além de seus limites

Alexandre Garcia
-

No último dia 30, fez um ano que Lula foi eleito pela terceira vez, com 50,8% dos votos válidos. O dia anterior fora Dia Nacional do Livro, que faz lembrar Castro Alves: “Ó bendito o que semeia livros a mancheias/ e manda o povo pensar”. O povo pensar é essencial para que ele exerça o poder que dele se espera se o regime for democrático, em que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, como estabelece o primeiro artigo da Constituição.

Povo que pensa elege bons representantes; povo que pensa fiscaliza seus representantes; povo que pensa não permite que seus representantes ou seus servidores se desviem de seus deveres; povo que pensa não permite que quem não tem representação do voto vá além de seus limites; povo que pensa não se deixa enganar por falsos rótulos, falsas verdades, falsos arautos.

O crime tomou conta do Rio de Janeiro porque os cariocas ou ficaram esperando uma salvação ou se omitiram, e com isso permitiram por décadas que o crime fosse se institucionalizando, a ponto de criar territórios próprios

Se estamos satisfeitos com a segurança pública, com nossas cidades, com nossos políticos, com nossa perspectiva de futuro, então talvez seja porque nos alienamos, à espera da mão divina para nos trazer um país melhor. Não sei se os eleitores pensaram mil vezes antes de votar e se informaram, para exercer a pesada responsabilidade do voto. Suponho que saibamos das consequências de nossas decisões nas urnas. Não sei se os deputados, vereadores e senadores também são pessoas que pensam a respeito do que eles representam, do que se espera deles e de qual é o compromisso deles. Não consigo imaginar o que pensam os ministros do Supremo quando leem a Constituição ou recordam as aulas de Direito que frequentaram.

Ilustração: Shutterstock

Parece que vamos vivendo uma ficção bem acima da realidade; e a realidade fica embaixo do tapete da alienação. Não existe salvação, a não ser aquela que construirmos. Não será Deus, nem os marcianos, nem a ONU. O crime tomou conta do Rio de Janeiro porque os cariocas ou ficaram esperando uma salvação ou se omitiram, e com isso permitiram por décadas que o crime fosse se institucionalizando, a ponto de criar territórios próprios. Também damos as costas para a Amazônia, como se ela estivesse muito além de Gaza. Enquanto isso, milhares de famílias de produtores brasileiros vão sendo expulsas de lugares onde o Incra as assentou no século passado, para agradar modismos importados e ONGs estrangeiras. A CPI das ONGs, que fora adiada por ato do Supremo, agora faz terríveis descobertas. No entanto, a omissão está escondendo os resultados, e com o tempo vamos ser surpreendidos e perder metade do nosso país. No ensino, o “manda o povo pensar”, de Castro Alves, foi substituído pela militância à Paulo Freire. Como nosso umbigo nos prende num cordão ainda não cortado, não nos interessamos por isso, pelas escolas que formam o futuro, e o atraso se amplia. Será tarde quando um dia percebermos que o futuro foi perdido. Falta pensar.

Por falta de informação e de conhecimento, ou por preguiça de pensar, deixamos que outros pensem por nós. Temos um 1984, de Orwell, com o “Grande Irmão” invadindo nossas liberdades, enquanto nos distraem pela mídia. O teste da pandemia mostrou que aceitamos até o absurdo de que “essa doença não tem tratamento”. E fomos morrendo por causa de uma mentira repetida, ensinada pelo nazista Goebbels. Mais do que nunca é preciso pensar que a verdade vos libertará, do Evangelho de João. E, enquanto nos vestem fantasias que nos distraem, nos traem, e não sentimos que nos despem de direitos e liberdades. Valem variantes pós-Descartes: penso, logo sou cidadão. Sou cidadão, pois penso.

Foto: Khanthachai C/Shutterstock

Leia também “Barril de pólvora”

7 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    A educação brasileira a lá Paulo Freire substitui o pensar para o militar.

  2. Jaime Moreira Filho
    Jaime Moreira Filho

    Gostei muito deste, como de todos os artigos da Revista Oeste. Todos bem escritos e bem fundamentados. Gostosos de ler e informativos, sempre. Começa muito bem lembrando Castro Alves e sua frase, aqui referenciada. Sou um distribuidor de livros, graciosamente. Fui um professor de Português, que valorizava a leitura e tive, na leitura e redação, o meu modo de ensinar. E obtive muito sucesso e muitas alegrias com isso. Mas, voltando ao Alexandre Garcia, jornalista de verdade, pesquisador/leitor para falar/escrever tudo de bom que podemos ler. Pergunto: será que algum professor de História/Sociologia/Filosofia levou aos seus alunos a nossa Constituição para uma simples leitura??? Possivelmente não. Até os universitários de universidades públicas desconhecem-na. Leituras, aí, só doutrinadoras, o que não abre a mente, muito pelo contrário, fecham-na, a sete chaves. Converso com ex-alunos, hoje com filhos nas escolas públicas e eles reclamam que as crianças com 2/3/4 anos de escola ainda não sabem ler. Graças a Paulo Freire, responsável pela retirada das escolas da Caminho Suave – os mais velhos sabem do que falo.. Não vou falar dela justamente para mostrar que a melhor ferramenta foi retirada. COMO PENSAR SEM SABER LER. Fica muito fácil doutrinar. a DOUTRINAÇÃO É UMA DOENÇA CEREBRAL, pois é difícil ouvir de Sociólogo com pós-graduação em universidade pública dizer: o agro vai acabar com o Brasil e o SENAI é uma fábrica de robôs a serviço dos ricos, para escravizar os pobres. Algumas histórias sobre leitura/redação estão no meu livro Crônicas da vida de um professor, vol. 1 e mais no volume 2, a sair.

  3. Giovani Santos Quintana
    Giovani Santos Quintana

    O artigo faz parecer que a fé é inútil…claro que temos que fazer a nossa parte, mas não nos esqueçamos da fé.

  4. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    “Cogito, ergo sum” – Penso, logo existo. – René Descartes.
    Alexandre Garcia com sua sapiência de décadas de jornalismo apresenta-nos um retrato fiel da maioria da nossa sociedade.
    Pensar dá muito trabalho.
    Depois de décadas de escolas militantes quando o ato de pensar foi colocado em plano inferior, não poderíamos esperar um cenário muito diferente do atual para o nosso país.
    Nasci no interior de São Paulo, cresci no Paraná, morei na Bahia e hoje resido em Santa Catarina.
    Sou casado com uma cearense, minha nora é maranhense e meu genro é paranaense filho de paraibano. Todos seres pensantes.
    Fico assombrado quando vejo alguns brasileiros criticarem os nordestinos que há décadas votam na esquerda.
    Assim o fazem justamente por não terem adquirido no ambiente escolar ou no seio familiar o saudável hábito de pensar.
    Se assim age a esquerda é porque eles não querem um Brasil próspero, mas sim colocar o Brasil no mesmo patamar que os políticos colocaram o Nordeste.

  5. Marcus Borelli
    Marcus Borelli

    “Não pense o que o seu país pode fazer por você. Nem mesmo o que você pode fazer pelo seu país mas pense o que você pode fazer por você que indiretamente você estará fazendo pelo seu país”.

  6. renato rodrigues de souza
    renato rodrigues de souza

    A revista Oeste é um leitura instigante .Os articulistas, e o nobre Alexandre em particular, são um espetáculo aos cerébros pensantes. Parabens. Me tornei assinante há pouco e me delicio cada vez mais com a revista.

  7. Susana Denise Zimmer
    Susana Denise Zimmer

    Excelente comentário; uma aula de civilidade e conhecimento! A cada eleição apostamos que o Eleito resolverá nossa vida!

Anterior:
O Super Rico e o Super Esperto
Próximo:
A psicologia do totalitarismo
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.