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paula schmitt
Paula Schmitt, jornalista | Foto: Reprodução/Estudio5elemento
Edição 190

‘A esquerda segue ideologia como segue a moda’

Paula Schmitt fala sobre a profissão de jornalista, a pandemia, a manipulação da informação pela mídia e seu mais recente livro, Consenso Inc. — O Monopólio da Verdade e a Indústria da Obediência

Flavio Morgenstern
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“Digo que a imprensa é meio como a máfia: mafioso também não manda ninguém matar ninguém. Ele só olha para o capanga e diz: ‘Aquele cara está me dando uma dor de cabeça…’ e não precisa falar mais nada. Acho que com os jornais na vida corporatocrata também é assim.”

A comparação entre o jornalismo velho e corrompido e a máfia veio de quem entende dos dois assuntos: a jornalista Paula Schmitt. Formada em Ciências Políticas e Estudos do Oriente Médio pela Universidade Americana de Beirute, ela venceu o Prêmio Bandeirantes de Jornalismo, foi correspondente no Oriente Médio para o SBT e a Radio France, trabalhou para Folha de S.Paulo, Estadão, escreveu para a Rolling Stone, QG, 971mag e para a Revista Oeste. Possui hoje uma coluna no Poder360.

Paula está lançando neste mês o livro Consenso Inc. — O Monopólio da Verdade e a Indústria da Obediência. A obra reúne artigos publicados nos últimos anos, quando a mentira tomou conta do debate público, qualquer racionalidade foi tratada como “anticientífica”, e aspirações por liberdade foram chamadas de “antidemocráticas”. Nesta entrevista, Paula fala sobre o pesadelo da pandemia, a dificuldade em se manter independente no jornalismo e seu método para preservar um segredo perigoso.

Livro Consenso Inc. — O Monopólio da Verdade e a Indústria da Obediência, de Paula Schmitt | Foto: Divulgação
Você trabalhou em Israel, no Líbano, nos Estados Unidos, na Alemanha, passando por lugares tão díspares quanto o SBT e uma agência de vídeos da Rússia. No que isso afetou sua visão de mundo?

Também trabalhei para a Folha e para o Estadão. Ali já é um ensinamento de que jornais têm linhas editorais e anunciantes fora os acionistas. Para durar muito no mesmo veículo, ou você toca de acordo com a partitura, ou não vai longe. É quase uma marca registrada da minha carreira não durar muito mesmo. Por exemplo, no artigo sobre como foi trabalhar para a Russia Today a Ruptly , conto que minha última reportagem foi na Bulgária, e que voltei cheia de entrevistas críticas ao governo russo. Ali já viram que eu era uma jornalista independente. Também aprendi que, na maioria das vezes, editores e donos de jornais não dão ordem para você mentir: eles nem instruem. O jornalista inteligente e que quer se manter empregado entende rapidinho para que lado o jornal vai. Digo que é meio como a máfia: mafioso também não manda ninguém matar ninguém. Ele só olha para o capanga e diz: “Aquele cara está me dando uma dor de cabeça…” e não precisa falar mais nada. Acho que com os jornais na vida corporatocrata também é assim. Imagine um jornalista da Globo que passou uma semana num resort, conheceu um monte de médicos, ouviu histórias. E, ao contrário do que ele acreditava ser verdade, descobriu que a cloroquina funciona. Você acha que ele vai chegar para a direção da Globo e extra, extra! vai dizer que a cloroquina funciona? Jamais.

“O mais interessante é que a esquerda se faz de rebelde, de quem não segue as ordens. Bem ao contrário, é facilmente cooptável pelos ‘rebeldes autorizados'”

Seu livro, desde o título, toca no ponto de um consenso de massa fabricado artificialmente. Como funciona?

Ele acontece de forma piramidal. A maioria das pessoas é muito boa, mas muito ingênua. E uma minoria é muito ruim, mas muito esperta. Então essa minoria controla a maioria de uma forma bem sutil. No topo temos as pessoas que têm dinheiro suficiente para comprar toda a indústria da propaganda não apenas jornais, mas filmes, cursos, palestras, universidades… Esses caras não “compram” uma universidade, por exemplo; eles fazem uma “doação”. Financiam TED Talks, promovem livros com certo tipo de teoria… Hoje em dia, é muito fácil controlar esse tipo de onda e com a tecnologia ficará cada vez mais fácil. As formigas obedecem a uma lógica sem nem saber quem as controla, mas fazem o que deve ser feito. Quem está no topo provavelmente ganha dinheiro para isso. Mas tem a mediocracia, que está abaixo de quem está no topo, mas está um pouco acima de quem está na base. E eles ajudam a manter a pirâmide do consenso pela imitação, pela vontade de parecer e pertencer. Na pandemia, o maior critério de adoção de tratamento foi político. Se isso não deixa explícita a insanidade coletiva, nada mais o fará. 

Paula Schmitt no SBT | Foto: Reprodução
Praticamente todos os temas “tabus” atuais foram investigados em seu livro: a Big Pharma, os contratos de vacinas, a censura das redes sociais, as máquinas de votos, a Amazônia, a eugenia. Não há riscos nessa profissão?

Existe risco mesmo. E, quando um jornalista começa a se associar com um assunto específico, fica mais perigoso ainda. Para tirar aquele assunto da pauta, basta eliminar aquele jornalista específico. Mas não me intimido por essas coisas, eu tenho meus cuidados. Uma dica básica: não segure para si nenhum segredo. Se você é o único detentor de um segredo importante, é fácil queimar arquivo: é só queimar você. É a dica que dou para quem trabalha com informação sigilosa e exclusiva: compartilhe com cinco amigos de confiança, em lugares diferentes do mundo, e salve as informações de formas diferentes. É uma maneira de proteger a própria vida.

A esquerda mundial criticava a censura, o monopólio das big techs e da Big Pharma, o uso de populações pobres como cobaias, o aparelhamento da Justiça para perseguir adversários políticos. Hoje, tais coisas são “antidemocráticas”. Qual é sua visão?

Hoje acho que entendo isso um pouco melhor: nesse ponto, a esquerda é de fato o contrário do conservadorismo. O conservadorismo pressupõe que o tempo é crucial para que as coisas sejam adotadas, desenvolvidas, testadas. A esquerda é quase que um grupo que adota ideias ad hoc. É uma massa extremamente manipulável disposta a trocar de ideia a qualquer momento, como se troca de roupa. Essa galera segue ideologia como segue a moda no passado, achava que boca de sino era linda, hoje gosta de jeans justinho. E vai amar ambas com a mesma convicção e detestar assim que a moda for considerada passée e retrógrada. É engraçado que me dei conta muito tarde na minha vida de que o esquerdista, sem generalizar, é uma pessoa disposta a abrir mão de valores sagrados, no sentido de inerentes e inegociáveis, e torna tudo negociável. É uma galera disposta a aceitar o consenso. E o mais interessante é que a esquerda se faz de rebelde, de quem não segue as ordens. Bem ao contrário, é facilmente cooptável pelos “rebeldes autorizados”.

Leia também “O jovem é naturalmente de direita, só precisa saber disso”

6 comentários
  1. MB
    MB

    Muito legal a entrevista, parabéns! A Paula é super interessante, tem muita personalidade e saca longe. Vou comprar o livro.

  2. Maki K
    Maki K

    Parabéns pela matéria. Vou comprar o livro. A Oeste precisa trazer mais matérias assim, que não sejam repetições de assuntos do dia-dia e cada um escrevendo sobre tema diferente, sem repetições numa só edição. Pode ser menos matérias, mas sem repetições de temas.

  3. Diego da Rosa Real
    Diego da Rosa Real

    Estou lendo o livro, é muito bom!

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente entrevista. Parabéns.

  5. Marinês Aparecida Josefi
    Marinês Aparecida Josefi

    Adorei a entrevista Flavio! Tenho coisas instaladas na minha garganta e vou falar , vejo algumas mídias independentes com meias verdades . Sofistas . Infelizmente não dizem a verdade como ela é.. mas.. Pena a entrevista ter sido tão pequena. Deixou um gostinho de quero ler mais. Grande Paula Schmitt !!!

    1. tania angarani
      tania angarani

      Vou comprar o livro agora.

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