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Estudantes participam de um protesto em apoio aos palestinos na Universidade de Colúmbia, na cidade de Nova York (12/10/2023) | Foto: Reuters/Jeenah Moon/File Photo
Edição 191

A absolvição do Hamas

Como os radicais woke do Ocidente se tornaram os marqueteiros da moral do terrorismo

Brendan O'Neill, da Spiked
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O Hamas passou a receber seus argumentos dos radicais da Universidade Harvard? Alguma coisa está acontecendo.

Em 7 de outubro, dia do ataque apocalíptico do Hamas contra os judeus do sul de Israel, 34 grupos de estudantes de Harvard divulgaram às pressas uma carta aberta absolvendo o Hamas da culpa pelo horror contínuo. “Consideramos o regime israelense totalmente responsável por toda a violência subsequente”, declarou a multidão hipócrita nos gramados frondosos, luxuosos e sem respingos de sangue de Cambridge, Massachusetts. Israel é “o único culpado” pelo que está acontecendo hoje, disseram eles (grifo meu).

Entendeu? Enquanto os neofascistas do Hamas ainda estavam atirando, esfaqueando e queimando vivas centenas de pessoas pelo delito de serem judeus em Israel, os posers privilegiados de Harvard estavam decretando calmamente que esses monstros não eram de fato culpados pelos crimes de guerra que estavam cometendo. A culpa era da vítima. A culpa era de Israel.

Universidade Harvard, em Cambridge, Massachusetts | Foto: Reuters/Brian Snyder

Duas semanas depois, Ghazi Hamad, do escritório político do Hamas, afirmou a mesma coisa. Quase ipsis litteris. Em uma entrevista para a TV libanesa, Hamad disse que “a existência de Israel é o que causa toda a dor, o sangue e as lágrimas. É Israel, não nós”. “Nós somos as vítimas…”, continuou ele, “portanto, ninguém pode nos culpar pelo que fazemos”.

Resumindo: Israel é o único culpado. Soa familiar? Nós do Hamas podemos ter cortado pescoços e incinerado as famílias, mas Israel foi totalmente responsável por isso. Não lembra algo?

É indistinguível do que disseram os vaidosos sentenciadores de Israel em Harvard. Ainda que, pelo menos, o funcionário do Hamas tenha esperado 15 dias antes de culpar monstruosamente Israel pela barbárie racista cometida por sua organização contra o povo israelense — o pessoal de Harvard fez isso antes mesmo de o pior pogrom antijudaico dos últimos 75 anos ter terminado. Ninguém poderia pedir uma prova de acusação mais contundente contra a Academia do que o fato de alguns dos jovens mais inteligentes dos Estados Unidos, estudantes das universidades da Ivy League, terem sido mais rápidos em inventar desculpas para o massacre antissemita do Hamas do que o próprio Hamas.

Claro, não temos como saber se o Hamad realmente leu a justificativa terrorista escrita pelos idiotas muito bem-educados de Harvard. (Eu não ficaria surpreso; a carta causou impacto no mundo todo e provocou um debate furioso sobre quem é o culpado pelo derramamento de sangue no Oriente Médio.) No entanto, me parece inquestionável que o oportunismo grotesco do Hamad, sua recusa infantilizadora da responsabilidade pelos crimes hediondos cometidos por seus próprios homens, foi influenciado pela conversa das elites ocidentais. A absolvição do Hamas, o perdão pelo seu próprio ataque, foi encenada aqui antes que as mesmas declarações vergonhosas fossem feitas pelo grupo. 

Ghazi Hamad, membro do gabinete político do Hamas, faz comentários sobre a guerra durante uma conferência de imprensa em Beirute, no Líbano (28/10/2023) | Foto: Reuters/Amr Alfiky

Chegou a hora de nos perguntarmos se nossas elites woke não são apenas idiotas úteis para o Hamas, mas também seus marqueteiros não oficiais. Não apenas criadores de desculpas para a barbárie islâmica, mas autores das próprias justificativas que os islâmicos dão para sua barbárie. Além do apologismo de Harvard, vimos comentaristas oferecerem incessantemente um “contexto” para o pogrom de outubro. “A barbárie israelense gera barbárie”, gritam eles aos prantos. O 7 de outubro foi “resultado direto do regime de apartheid de Israel”, diz a organização Socialistas Democráticos da América. Logo, não foi um resultado direto do planejamento e da execução cuidadosos do Hamas, mas da temeridade de Israel em existir. A culpa é do seu pescoço, não da minha faca. Como disse um colunista do Haaretz, “é o contexto, estúpido!” tem sido o grito abjeto de muitos da “esquerda global”.

O Hamas nem sequer é repreendido por sua atitude terrivelmente arrogante em relação às vidas palestinas. Por colocar os moradores de Gaza em um risco terrível ao construir túneis sob cidades de refugiados, armazenar armas perto de hospitais, transportar seus líderes em ambulâncias

Até mesmo o secretário-geral da ONU, António Guterres, pontificou que o ataque de outubro “não aconteceu em um vácuo”. Imagine se alguém dissesse isso sobre o massacre no Bataclan, em Paris, em 2015. Que havia “um contexto”: o colonialismo francês. Ficaríamos horrorizados. No entanto, isso é dito todos os dias sobre o massacre ainda mais horrível de jovens frequentadores de shows provocados pelo Hamas. É claro que os líderes das nações de maioria muçulmana compartilham a culpa fanática que as elites ocidentais atribuem a Israel. Os sauditas e os iranianos acreditam que “Israel só pode culpar a si mesmo pelos ataques do Hamas”, como diz uma manchete.

A absolvição pelo Ocidente também ganha forma na ausência de menção ao Hamas. A carta aberta do grupo Artists for Palestine UK, assinada por Tilda Swinton, Steve Coogan e outras figuras do mundo da cultura interessadas em enaltecer suas virtudes não menciona o nome do Hamas. Nem uma vez. Não há menção ao 7 de outubro. Ora, aqueles judeus mortos não são dignos da solidariedade dessas celebridades? Esse é o encobrimento da memória de um massacre. Assim como os soviéticos adulteravam fotos para apagar comissários inconvenientes, os influenciadores woke agora falam sobre a “guerra de Israel” e apagam o fato inconveniente de que a guerra foi iniciada pelo Hamas.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, fala com a imprensa antes de uma reunião sobre a guerra em curso entre Israel e o Hamas, na sede das Nações Unidas, em Nova York (6/11/2023) | Foto: Reuters/Caitlin Ochs

Talvez não seja uma surpresa que os relações-públicas pró-Palestina do mundo artístico relutem até mesmo em sussurrar o nome “Hamas”. Em protestos recentes anti-Israel, vimos quanto é possível ser criticado por ousar mencionar esses pogromistas cuja atrocidade mergulhou o Oriente Médio na crise atual. Um homem foi preso em Londres alguns dias atrás por segurar um cartaz que dizia “o Hamas é terrorista”. Um político do Partido Nacional Escocês foi insultado e silenciado pela multidão em um encontro “pró-Palestina” em Dundee no mês passado pela ofensa de condenar não apenas as ações de Israel, mas também as do Hamas. “Falem ‘genocídio’! Condenem Israel!”, gritou um membro da multidão. Simplesmente mencionar o Hamas se tornou um risco. Esse é o tamanho da absolvição dos assassinos de judeus.

O perdão aos pogromistas fica claro na fúria global contra Israel em toda parte, de Nova York a Londres, passando por Estocolmo. Os manifestantes nunca fazem exigências ao Hamas. Israel deve depor suas armas, mas aparentemente o Hamas não precisa fazer nada. Não precisa libertar os reféns, parar de disparar mísseis e se desarmar para nunca mais assassinar israelenses. O Hamas nem sequer é repreendido por sua atitude terrivelmente arrogante em relação às vidas palestinas. Por colocar os moradores de Gaza em um risco terrível ao construir túneis sob cidades de refugiados, armazenar armas perto de hospitais, transportar seus líderes em ambulâncias. Sabemos que o Hamas não dá a mínima para os moradores de Gaza. Ghazi Hamad disse isso claramente. “Temos orgulho de sacrificar mártires”, declarou. O Hamas é o mais baixo entre os baixos. Seus líderes vivem luxuosamente no Catar, enquanto “orgulhosamente” permitem que os gazeus morram na guerra vã e demente que eles iniciaram. Mas nem mesmo por isso o Hamas é condenado. Seu perdão é absoluto.

Há uma sensação ironicamente neocolonial na absolvição do Hamas por parte das elites culturais. É a sua doutrinação na política identitária que as leva a ver Israel como o adulto culpado nessa relação e os palestinos como crianças sem culpa. As narrativas da teoria crítica da raça sobre o privilégio dos brancos e a vitimização dos racializados levaram a uma situação em que não apenas os brancos são demonizados como poderosos e destrutivos, mas também os não brancos são tratados de forma obscena como não poderosos e patéticos. Essa explicação vazia e simplista para cada evento político foi copiada e colada no Oriente Médio (apesar de Israel não ser um país “branco”). O resultado final? Tanto israelenses quanto palestinos são destituídos de sua humanidade — os israelenses são condenados como autores conscientes de todos os males, e os palestinos são reduzidos a infantes morais das questões globais, a quem “ninguém deve culpar”, nem mesmo “pelas coisas que fazemos”, nas palavras de Hamad. As elites anti-Israel assumem uma visão racialmente muito mais paternalista dos palestinos do que Israel.

Manifestantes pró-Palestina em frente à Casa Branca, em Washington, nos Estados Unidos. O cartaz com o slogan antissemita “Do rio ao mar a Palestina vai ser livre” significa varrer Israel do mapa (4/11/2023) | Foto: Reuters/Elizabeth Frantz

Existe um sério perigo na absolvição neorracista do Hamas. Ela funciona como um sinal verde para a continuidade do terror. Porque, se você nunca for responsabilizado pelo que faz, poderá fazer o que quiser. Com a repercussão global de seu ataque, o Hamas agora sabe que sempre será absolvido. Que goza de uma espécie de impunidade moral entre os formadores de opinião do Ocidente. Que seu assassinato em massa será contextualizado, explicado e perdoado. Que até mesmo o uso de construções e veículos civis para armazenar e transportar o equipamento de seus crimes de guerra não vai tocar a consciência daqueles que se apresentam como pró-Palestina. Nossas elites fizeram algo ainda pior do que culpar os israelenses por suas próprias mortes; elas sinalizaram para o Hamas que, se fizer isso de novo, não haverá consequências morais. Sua inocência se manterá intacta. O fracasso de nossas elites intelectuais em condenar o atentado do Hamas é uma aprovação implícita de atentados futuros.

Agora podemos ver a semelhança moral entre o Hamas e a cultura woke. Ambos estão presos ao culto da vitimização. “Nós somos as vítimas… tudo o que fazemos é justificado”, afirmou Ghazi Hamad, em um eco claro e assustador do narcisismo insano de tantos ativistas ocidentais. A autocomiseração é o motor da atual agitação radical em toda parte, da frondosa Harvard à Sderot manchada de sangue. Dois mil e vinte e três pode ser o ano em que finalmente descobrimos quanto o culto à vítima pode ser devastador para a liberdade e a vida.


Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Seu novo livro, A Heretic’s Manifesto: Essays on the Unsayable, já está à venda. Ele está no Instagram: @burntoakboy.

Leia também “A normalização da selvageria”

4 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Agora pergunta quais desses meninos mimados já foram a Faixa de Gaza…

  2. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Tem jeito do colunista ler o que os leitores comentam? Imagine o Brasil, um país abençoado por Deus, que até bem pouco tempo se orgulhava de ter um povo multiétnico, miscigenado e que pulavam o carnaval juntos, tinham filhos multicoloridos e todas as religiões pregavam sua cartilhas em paz. Pois agora temos um presidente mestiço nazista! Todos sabemos o que aconteceu com o holocausto. Embora a maioria dos assassinados fossem judeus, Hitler perseguia outras etnias, inlcuindo negros, ciganos ou “raça indefinida”. Lula, com seu DNA composto pelo tripé índio+branco+ negro, seria um alvo fácil para os nazistas. Mas, veja só. Lula é a favor da ideia de acabar com um povo ou uma religião. Lula é novo Yatolah latino.

    1. Maki K
      Maki K

      O Brasil, de fato, era um orgulho Mundial, um Melting Pot de etnias, todos convivendo em harmonia. Onde fomos parar…uma tristeza profunda tudo isto.

  3. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Brilhante, infelizmente. A derivação do pensamento único, da preguiça mental e do primarismo são as trevas renascentes contra a civilização

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