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Milhares de manifestantes marcham pelo centro de Nashville, no Tennesse, nos Estados Unidos, em protesto do Black Lives Matter (4/6/2020) | Foto: Thaddaeus McAdams/Shutterstock
Edição 191

A malignidade do wokeísmo

O politicamente correto não é chato; o politicamente correto é mau. E um mundo moldado pela ideologia woke não é simplesmente um mundo irritante; é um mundo perigoso

Flávio Gordon
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Em 27 de março deste ano, uma pessoa armada invadiu uma escola privada cristã em Nashville (Tennessee) e assassinou seis pessoas — três crianças e três adultos — antes de ser morta pela polícia. O trágico episódio — mais um de tantos outros ocorridos nos Estados Unidos ao longo das últimas décadas — ficou conhecido como “o massacre de Nashville”.

A atiradora era uma mulher de 28 anos que se identificava como homem. Pelo fato de a assassina ser transgênero, e por haver escolhido como alvo uma escola cristã na qual estudou, a imprensa dita “progressista” começou a especular que, no passado, a criminosa pudesse ter sido vítima de transfobia e bullying no ambiente escolar, o que explicaria o crime como um ato de vingança contra a instituição. E, obviamente, essa possível explicação vinha imediatamente acompanhada pelo obsessivo discurso da esquerda americana em favor do maior controle das armas.

John Drake, chefe de polícia de Nashville, durante entrevista coletiva em Nashville, no Tennessee, nos Estados Unidos, depois do massacre (28/3/2023) | Foto: Reuters/Austin Anthony

Descobriu-se mais tarde que a assassina havia deixado um manifesto. Mas, ao contrário do que costuma ocorrer em episódios como esse (a exemplo do tiroteio de Jacksonville, em agosto; do tiroteio de El Paso, em 2019; ou do tiroteio na igreja de Charleston, em 2015), nesse caso o manifesto foi mantido em segredo pela polícia e pelas autoridades, a despeito do interesse público em sua divulgação. A razão do sigilo? Só viemos a descobrir há pouco.

Foi quando, no dia 6 de novembro, o podcaster conservador Steven Crowder divulgou fotografias de páginas vazadas do manifesto, que teriam sido obtidas por seus repórteres junto a um investigador policial presente na cena do crime. Ao portal Fox 17, de Nashville, fontes confirmaram a autenticidade do documento, bem como o chefe da polícia local, John Drake. Ocorre que o conteúdo não era bem aquele que a mainstream media norte-americana gostaria de ter em mãos a fim de, como sempre, avançar a sua agenda desarmamentista e identitarista. Na verdade, era precisamente o contrário.

No dia 3 de fevereiro, a assassina escreveu em seu diário:

“Mate essas crianças!!! Esses branquelos [crackers”, no original em inglês, uma gíria bem ofensiva] indo para escolas particulares elegantes com aquelas calças cáqui elegantes + mochilas esportivas com os Mustangs de seus pais + conversíveis.”

Vídeo da câmera de vigilância de dentro da escola mostra a atiradora durante o massacre em Nashville, no Tennessee, nos Estados Unidos (27/3/2023) | Foto: Reprodução/MNPD

E também:

“Eu desejo atirar em vocês, pênis fracos, com seu cabelo amarelo de esfregão, quero matar todos vocês, seus pequenos branquelos! Um bando de viadinhos com seus privilégios brancos.”

“Branquelos”, “privilégio branco”, “cabelo amarelo de esfregão”… O documento revelava quanto a ideologia woke, e particularmente a teoria crítica da raça pregada por militantes nas escolas americanas, havia radicalizado uma atiradora transgênero a ponto de ela ter decidido assassinar aleatoriamente crianças cristãs. O caso parece ter sido um atentado terrorista politicamente motivado, daí a possível intenção do governo Biden e do Departamento de Justiça em mantê-lo longe do escrutínio público.

Ao tomar conhecimento do manifesto da atiradora de Nashville, lembrei-me de casos similares. De quando, em 2021, por exemplo, seis pessoas morreram num desfile natalino em Waukesha, em Wisconsin, quando o terrorista Darrell Edward Brooks jogou o seu carro em cima da multidão de espectadores. Assim como o diário da assassina de Nashville, as redes sociais de Brooks também eram repletas de mensagens de nacionalismo negro, endosso do movimento Black Lives Matter (BLM) e ofensas contra brancos e judeus. Em postagem de novembro de 2015, o assassino chegara a reproduzir um discurso nazista acompanhado do seguinte comentário: “Hitler sabia quem eram os verdadeiros judeus”. Ou do tiroteio no metrô de Nova York, perpetrado em 2022 por Frank James, um supremacista negro, também simpatizante do Black Lives Matter, que havia deixado mensagens racistas como esta: “Ó, Jesus Negro, por favor mate todos os brancos”. Ou: “Os brancos filhos da puta que eu quero matar, sabe?, quero muito matá-los por serem brancos”. Ou ainda: “Brancos e negros não devem manter nenhum contato. Não devem sequer ocupar o mesmo hemisfério”.

Apoiadores do Black Lives Matter em protesto em frente ao departamento de polícia local, em Waukesha, em Wisconsin, nos Estados Unidos (14/6/2020) | Foto: Aaron of L.A. Photography/Shutterstock

Mas a retórica da atiradora de Nashville me fez lembrar particularmente de um caso mais antigo, conhecido como “massacre de Virginia Tech”, ocorrido em abril de 2007. Naquele ano, o adolescente de origem sul-coreana Cho Seung-hui matou 32 pessoas e feriu outras 25 no Instituto Politécnico da Virgínia. Como é natural nesses casos, o estado de choque inicial deu lugar à busca por explicações para a tragédia, e perguntas como as do caso de Nashville foram levantadas: quem era Cho Seung-hui? O que pode tê-lo levado a praticar aquela monstruosidade? Teria sido possível, antes da chacina, identificar traços de psicopatia no comportamento rotineiro do atirador? 

Pouco tempo depois do massacre, vieram a público documentos pessoais do criminoso, entre eles peças teatrais por ele escritas para suas aulas de inglês. O conteúdo era perturbador: uma mãe brandindo uma serra elétrica, um garoto tentando assassinar seu padrasto com uma barra de cereal enfiada goela abaixo, adolescentes imaginando como matar o professor que os havia estuprado, e assim por diante. Depois da divulgação do material, surgiram questionamentos sobre o porquê de a escola não ter percebido, já naquele momento, a existência de um distúrbio psíquico grave no aluno. Quem sabe um tal diagnóstico não pudesse ter impedido o massacre?

Alunos da Virginia Tech fazem vigília à luz de velas após o massacre, em Blacksburg, nos Estados Unidos (17/4/2007) | Foto: Wikimedia Commons

Embora, à época, muito tenha se especulado sobre o assassino, quase nada se falou sobre as suas influências. Pouco se disse, por exemplo, sobre Nikki Giovanni, professora de Cho na Virginia Tech. Ainda que, por ser uma das mais respeitadas professoras de literatura inglesa da escola, ela tivesse sido escolhida para proferir o discurso em homenagem às vítimas do massacre. “Nós somos Virginia Tech!” — bradou a professora, diante de uma plateia emocionada.

Para quem não a conhece, Nikki Giovanni é poetisa e militante histórica do movimento negro, em sua vertente mais radical. No antebraço esquerdo, exibe uma tatuagem com os dizeres “thug life” (ou “vida bandida”), feita em homenagem ao rapper Tupac Shakur, assassinado por rivais num tiroteio em 1997. Segundo Giovanni, Shakur — um gangster a quem ela chama carinhosamente de “Pac” — era um mártir do movimento pelos direitos civis dos negros, alguém situado no mesmo nível de um Martin Luther King ou um Emmett Till.

Nikki Giovanni, professora e militante do movimento negro | Foto: Domínio Público

Muitos dos poemas de Giovanni são dedicados à incitação do ódio racial contra brancos e judeus. Num deles, por exemplo, intitulado The True Import of Present Dialog, Black vs. Negro, lê-se o seguinte: “Não temos de provar que somos capazes de morrer. Temos de provar que somos capazes de matar (…) ‘Crioulo’ [nigger], você sabe matar? Você sabe matar um ‘branquelo’ [honkie], ‘crioulo’? (…) Você sabe derramar sangue? É capaz de envenenar? Sabe esfaquear um judeu? Sabe matar, hein? (…) Você sabe atropelar um protestante com o seu El Dorado 68? (…) Você sabe urinar numa cabeça loira? Sabe cortá-la fora?”.

É certo que o adolescente sul-coreano — bem como a assassina de Nashville — encontrou nesse e em outros discursos similares, obsessivamente martelados pela classe falante woke, um combustível para o seu ódio

Noutro poema, Giovanni celebra o espírito revolucionário, imaginando um novo brinquedo para crianças negras, um kit chamado “Burn Baby”, que as ensinaria a montar um coquetel Molotov. Noutro ainda, a professora radical se revela: “Ocorreu-me que, talvez, eu não deva mais escrever, mas limpar a minha arma e conferir o meu estoque de querosene”.

Note-se que o estilo é curiosamente similar ao de seu ex-aluno Cho Seung-hui, como ilustra a fala de um de seus personagens: “Devo matar Dick. Devo matar Dick. Dick deve morrer. Matar Dick (…) Você acha que eu não sei matá-lo, Dick?”. Pergunto-me quantas vezes Cho Seung-hui terá sido exposto na Virginia Tech a esse tipo de retórica? Quantas vezes, por exemplo, terá ouvido falar em “privilégio branco”? Difícil saber ao certo, mas uma rápida consulta no website da escola revela que, só ali, a expressão aparece mais de 200 vezes. É claro que os poemas de Giovanni não podem ser tomados como causa imediata do massacre de Virginia Tech, perpetrado por alguém com claros distúrbios mentais e caráter deformado. Mas também é certo que o adolescente sul-coreano — bem como a assassina de Nashville — encontrou nesse e em outros discursos similares, obsessivamente martelados pela classe falante woke, um combustível para o seu ódio. É por isso que, contrariando certa tendência a criticar o wokeísmo de uma perspectiva estetista, eu prefira condená-lo numa chave ética, repetindo esta ideia como uma espécie de mantra: o politicamente correto não é chato; o politicamente correto é mau. E um mundo moldado pela ideologia woke não é simplesmente um mundo irritante; é um mundo perigoso.

Leia também “A teoria do terrorismo revolucionário”

6 comentários
  1. Fernando Laserra Lima
    Fernando Laserra Lima

    No mínimo perturbador. Excelente texto, Flávio!

  2. ALEX
    ALEX

    Perfeito. Imagina um texto desse transformado em vídeo e exibido na tv aberta para as massas? daí vemos o tanto que a tv aberta e rádio estão aquém de nossas necessidades, aquém de suas responsabilidades.

  3. Leonor
    Leonor

    Mais um excelente artigo de Flávio Gordon.

  4. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Esse vitimismo é irritante. Esses dias vi um rapaz negro reclamando de um supermercado porque o segurança do local estava rondando perto dele. Na cabeça do cidadão, ele estava desconfiando dele por ser negro. Quanta babaquice!

  5. Paulo Sérgio de avelar seixa
    Paulo Sérgio de avelar seixa

    Me parece inacreditável o “poema” escrito pela “professora”, e ainda como ela conseguiu falar para representar as vítimas,

  6. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Impactante e revelador artigo. Fico pensando como chegamos ao desnível de manter professora de literatura com panfletos tão violentos e ruins numa escola

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