O mesmo homem que indicou Alexandre de Moraes para o Supremo deu ao Congresso a chave para resolver o desequilíbrio de poder gerado pelo inchaço do Supremo. O constitucionalista Michel Temer acaba de ensinar que “o Supremo pode declarar omissões do Legislativo, mas não pode supri-las. Não há possibilidade de decisão acima do texto constitucional”. No caso de haver, Temer ensina: “Se depois vier uma emenda constitucional, a decisão do Supremo só vigorará até a emenda ser promulgada. É assim que se compatibiliza a relação dos dois Poderes [Judiciário e Legislativo]”.
Por outro lado, antes mesmo de ser votada a proposta de emenda constitucional para vedar decisões monocráticas que contrariem a maioria do Congresso, o decano do Supremo, Gilmar Mendes, prometeu, num extremo pré-julgamento, que, se a PEC for aprovada, será derrubada pelo Supremo. Essas posições opostas se revelaram em evento do Estadão na Universidade Mackenzie e são parte do nascedouro da reação ao inchaço do Supremo, representada também por uma nota dura da OAB e pelo apoio do presidente do Senado à PEC contra decisões monocráticas.
O Supremo tem um inquérito que foi criado sem Ministério Público, em que o tribunal é vítima e ao mesmo tempo condutor absoluto
A nota termina informando que “a OAB continuará insistindo para que o tribunal cumpra as leis e a Constituição”. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, certamente respondendo, não melhorou as relações. Afirmou que os que veem ativismo judicial do Supremo é porque não gostam da Constituição ou da democracia. Barroso também respondeu a uma crítica do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, no Correio Braziliense, de que drogas, aborto e marco temporal são assuntos do Congresso, não do Supremo. Segundo Barroso, não se deve querer mudar decisões do Supremo; no caso das drogas, disse que o Supremo agiu para “corrigir uma política desastrosa”, confirmando a natureza legislativa da decisão. No mesmo evento, a ministra Cármen Lúcia vocalizou a motivação do Supremo: “A Constituição estava em perigo e ela estabelece que o STF é o seu guardião”. O problema é que nem a Constituição nem a democracia estavam em perigo. Ficaram em perigo depois que o Supremo foi além de seus poderes em nome de um imaginário perigo.
O economista norte-americano Arthur Laffer desenhou numa curva o resultado de suas observações sobre tributos. Quanto mais sobem os impostos, mais sobe a arrecadação. Mas há um limite em que os pagadores de impostos se cansam de pagar e, se os impostos continuam subindo, a arrecadação faz uma curva e começa a cair. No campo político, outra trajetória ascendente registra o poder crescente de um dos Três Poderes, o único sem representação expressa do voto. O Supremo tem um inquérito que foi criado sem Ministério Público, em que o tribunal é vítima e ao mesmo tempo condutor absoluto. Também tem julgamentos em que o tribunal é vítima de invasões e julga os invasores. Julgamentos virtuais que tolhem a manifestação oral da defesa. Decisões que interferem de tal modo no Poder Legislativo, que tornam o Supremo criador de leis. Durante a pandemia, sem ter esse poder, deu a prefeitos o poder de suspender cláusulas pétreas da Constituição. E interfere no Ministério Público sobre arquivamento ou não de inquéritos.
A trajetória ascendente da curva de poder do Supremo parece ter encontrado o esgotamento, com reação análoga à dos pagadores de impostos: a população fiscalizadora através das redes sociais, já livre do monopólio da informação, juristas como Temer, mais a OAB e o Senado. O presidente do Senado quer um filtro legal para impedir que partidos derrotados no voto usem o Supremo como “terceiro turno”. O empoderamento do Supremo está batendo no teto sem que seus integrantes queiram perceber. Mário Henrique Simonsen, quando ministro, costumava citar a fábula do trapezista que, cada vez mais enlevado com seu poder de atravessar os ares do picadeiro, um dia convenceu-se de que poderia voar; mandou tirar a rede. E despencou no chão.
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Alexandre Garcia , sempre perfeito
Acredito que chegará esse momento da estripulia dá errado e não ter rede para suportar. E, acrescentando, sugiro um artigo de como se deu a escolha de Alexandre de Moraes, por parte do Michel Temer.
Sábias palavras.
Excelente análise!
Temos pensadores alados?
Toda essa atuação política e, porque não, ideológica do STF é, por si só, suficiente para que o brasileiro minimamente inteligente, e que está prestando atenção aos acontecimentos da nossa República, perceba o tamanho do buraco em que estamos enfiados o qual as eleições de 2022 só serviram para escancarar.
Só consigo pensar em uma palavra para descrever o que estamos vivendo: distopia