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Edição 193

A retomada do setor imobiliário

Os empreendimentos de classe baixa e classe alta estão se tornando a maioria entre os novos imóveis, enquanto os lançamentos de classe média aparecem 'espremidos' entre os dois segmentos

Carlo Cauti
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Quem transita pelas ruas de São Paulo já percebeu que o panorama urbano não para de mudar. Novos lançamentos ou prédios em construção mostram o vigor do setor imobiliário na maior cidade da América Latina. 

Os dados do Índice FipeZap+ comprovam essa tendência. As vendas na capital paulista aumentaram 5,4% nos últimos 12 meses. No mesmo período do ano passado, a alta tinha sido de 4,1%. E essa tendência deverá se consolidar com a continuidade da queda da taxa básica de juros por parte do Banco Central.

Um levantamento da Lello Condomínios sobre a construção de prédios apontou que São Paulo receberá, até o fim de 2023, quase 50 mil novos apartamentos. Em dois anos, esse número poderá chegar a 168 mil, com 650 mil novos moradores. 

Segundo o estudo, realizado a partir da divulgação de projetos de construtoras e incorporadoras, serão lançados 580 novos condomínios residenciais na capital paulista. Podendo chegar a 1,7 mil até 2025, após a revisão do plano diretor. Uma vivacidade do setor que aparece com toda sua força nas centenas de canteiros de obras espalhados pela cidade. 

Depois de um período de estagnação, iniciado em 2022 com o fim do boom do crédito imobiliário, o setor está mostrando uma retomada expressiva. “A cidade de São Paulo continua atraindo pessoas”, explica Renée Garófalo Silveira, diretora de incorporação da construtora Plano&Plano. “Uma tendência iniciada há décadas e que se confirmou no último Censo, que mostrou um aumento de 1,8% no número de habitantes da cidade.” 

A cidade de São Paulo continua atraindo pessoas | Foto: Shutterstock

Uma análise realizada pela Brain Inteligência Estratégica, consultoria especializada no mercado imobiliário, mostra como a cidade de São Paulo tem vendido, em média, cerca de R$ 100 milhões por dia em novos apartamentos.

“São Paulo dita o termômetro do mercado brasileiro”, afirma Guilherme Werner, sócio consultor na Brain. “Possui uma participação de mais de 20% sobre o total de vendas. Então, quando falamos que o mercado brasileiro está bem, isso passa, necessariamente, pelo mercado paulistano também estar bem.”

Segundo o último relatório trimestral da Câmara Brasileira de Indústria da Construção (CBIC), a Região Sudeste representa 55,5% de todos os lançamentos e vendas registrados no Brasil. E aponta a maior alta nas unidades vendidas: 15,3%. 

O segmento de alto padrão foi o destaque do semestre passado, com uma alta de 22,8%. Enquanto a comercialização dos imóveis inseridos no Minha Casa, Minha Vida cresceu 4,2%

As vendas no Nordeste subiram 7,7% no terceiro trimestre do ano, enquanto as do Centro-Oeste cresceram 5,7%. Dados que confirmam a predominância do eixo São Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte para o mercado imobiliário brasileiro. 

Entretanto, essa nova primavera do setor tem algumas peculiaridades. A retomada da construção civil está sendo puxada pelo topo e pela base da pirâmide. Os empreendimentos de classe baixa e classe alta estão se tornando a maioria entre os novos imóveis, enquanto os lançamentos de classe média aparecem “espremidos” entre os dois segmentos.

Vendas em alta em todo o Brasil

Segundo dados do indicador da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) junto com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), no primeiro semestre de 2023 as vendas de imóveis no Brasil cresceram 9,8% em relação ao mesmo período do ano passado. 

Várias regiões do país estão apresentando números muito interessantes de vendas. “A região de Goiânia, Belo Horizonte, o Nordeste em geral e Curitiba estão registrando recordes de vendas”, explica Werner.

O segmento de alto padrão foi o destaque do semestre passado, com uma alta de 22,8%. Enquanto a comercialização dos imóveis inseridos no Minha Casa, Minha Vida cresceu 4,2%. Mas o dado mais relevante em relação ao programa de casas populares relançado pelo governo Lula é o número de lançamentos nos primeiros seis meses do ano: 17,2%. Uma alta que, segundo a Abrainc, gera uma expectativa por um aumento ainda mais expressivo nas vendas dessa categoria de imóveis na segunda metade de 2023.

Goiânia, Goiás, Brasil | Foto: Shutterstock

“Depois dos anúncio das novas medidas do programa Minha Casa, Minha Vida por parte do governo federal, no final de julho, o setor tem surfado uma onda de grande otimismo”, diz Werner. “Em São Paulo em especial, por conta também dos programas estadual e municipal. O fomento a esse segmento tem sido alto e já representa algo como um terço das vendas.”

Até o final de 2023, a previsão da Caixa Econômica Federal é de iniciar a construção de, pelo menos, 555 mil imóveis do Minha Casa, Minha Vida em todo o Brasil. Um aumento de 15% em relação ao ano passado. Em 2022, foram 380 mil unidades habitacionais nesse segmento. 

As novas condições do projeto, aprovadas em junho pelo Conselho Curador do FGTS, permitiram a liberação de financiamento para imóveis de até R$ 350 mil. Uma medida que gerou um boom na concessão de crédito pela Caixa, que no terceiro trimestre do ano bateu o recorde de R$ 51,3 bilhões. Desde o começo do ano, o banco público liberou R$ 136,6 bilhões em crédito imobiliário em diferentes linhas, chegando a representar 68,3% de todos os financiamentos imobiliários concedidos no país.

Não por acaso, a construtora MRV, especializada em moradias populares, quer construir na zona norte de São Paulo um bairro com 1,7 milhão de metros quadrados de extensão, para acomodar 30 mil moradores, com 11 prédios integralmente construídos para se enquadrar no Minha Casa, Minha Vida.

Graças à injeção maciça de recursos públicos, muitas incorporadoras que atuam nesse segmento decidiram se listar na Bolsa de Valores de São Paulo (B3). Emccamp, BRZ e Metrocasa já apresentaram pedidos de registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 

Condomínio da construtora MRV, especializada em moradias populares | Foto: Divulgação/MRV
Vendas de imóveis de alto padrão também registram crescimento

No caso dos imóveis de alto padrão, o mercado continua registrando um bom desempenho desde a época da pandemia de covid-19. Forçados a ficar em casa, e com um aumento da renda disponível, os brasileiros começaram a procurar habitações maiores, com mais conforto e segurança.

A partir de meados de 2020, a procura por imóveis de alto padrão, com preços a partir de R$ 2 milhões, aumentou sensivelmente. Em 2021, segundo a Brain, as vendas de apartamentos de luxo bateram recorde em São Paulo, crescendo 129% em relação a igual período do ano anterior, e o dobro da expansão do setor da construção civil como um todo. Alta expressiva também em 2022, com um crescimento de 80% nas vendas. 

Mas esse segmento poderia registrar uma freada na segunda metade do ano, por causa de um problema de difícil solução: o espaço. “Existe uma escassez de novos projetos em regiões bem valorizadas. O espaço já foi ocupado quase todo. Isso tem sido o grande propulsor de escoamento dessas unidades de alto padrão, pois a demanda continua aquecida. Mas vai representar um entrave para futuros lançamentos”, diz Werner.

Uma opinião compartilhada por Elie Horn, fundador da Cyrela, uma das maiores incorporadoras de São Paulo, que chegou a declarar recentemente que “não há mais terrenos em bairros de luxo em São Paulo” e que quem quiser morar em bairro nobre da capital paulista “vai ter que pagar mais caro”.

Em 2021, segundo a Brain, as vendas de apartamentos de luxo bateram recorde em São Paulo | Foto: Divulgação/Eleva Harmonia
E a classe média?

Quem ficou de fora dessa renovada força do mercado imobiliário foi, até o momento, a classe média. Apartamentos de cerca de 100 metros quadrados são cada vez mais raros, especialmente com garagem. 

“Para variar, a classe média é a que mais sofre”, observa Silveira. “Ela tem as maiores pressões vindo das taxas de juros, que continuam elevadas, mesmo que em tendência de queda.”

Se os projetos do Minha Casa, Minha Vida têm juros subsidiados, e os imóveis de alto padrão atraem compradores que não precisam tomar empréstimos, as habitações de classe média atendem um público que deve fazer as contas com a Selic em dois dígitos. 

O plano diretor aprovado em 2014 complicou a construção de prédios maiores e favoreceu a de miniapartamentos de 30 metros quadrados. Ótimos para solteiros “mães de pet” ou “pais de samambaia”, mas inúteis para famílias, especialmente com filhos. Nos últimos seis anos, os lançamentos desses microapartamentos subiu quase 3.500%, representando hoje cerca de 25% de todos os novos imóveis lançados na capital paulista.

A mudança do plano diretor neste ano por parte da Câmara Municipal vai permitir a construção de novos imóveis, mais adequados para a classe média. 

“Todavia, entre a elaboração do projeto, aprovação de órgãos públicos, lançamento, venda, construção e entrega, será necessário esperar entre cinco e sete anos, em média”, explica a Oeste Felipe Góes, diretor-presidente da São Carlos, empresa de empreendimentos imobiliários.

Futuro promissor, mas há desafios

Analistas e empresários também mostram certo otimismo com o futuro. A tendência de queda da taxa básica de juros (Selic) está ajudando o crédito imobiliário. 

O corte de 1,25 pontos da Selic por parte do Banco Central e a perspectiva de que a taxa volte a um dígito no final de 2024 animaram o setor. Para os especialistas, o movimento vai encorajar incorporadoras que estavam postergando o lançamento de novos projetos, e o mercado vai vivenciar um novo ciclo positivo em breve. 

No caso da cidade de São Paulo, a demanda será ainda mais aquecida por causa do déficit habitacional existente, calculado em 600 mil moradias. “Mesmo se a previsão de lançamento de quase 170 mil imóveis novos em dois anos se concretizar, ainda teremos uma demanda reprimida gigantesca”, diz Silveira. “O que acaba pressionando também os preços.”

Entretanto, existem desafios no horizonte. Em primeiro lugar, começa a faltar mão de obra. Um recente estudo da CBIC mostrou que 70% das empresas do setor de construção estão enfrentando dificuldade em contratar profissionais qualificados. Um problema que começa a afetar as obras com atrasos e até a postergar lançamentos. 

Mas muitos empresários se questionam sobre uma possível desaceleração da economia brasileira, concomitante a um aumento dos preços dos imóveis. 

Por admissão do próprio governo, os dados do terceiro trimestre serão muito mais negativos do que se esperava. E há temores de que essa redução no ritmo de crescimento possa ser o prelúdio de uma contração mais profunda do PIB. 

Ao mesmo tempo, os preços dos imóveis não param de subir. Segundo um estudo da Abrainc, a valorização dos imóveis vem batendo a inflação nos últimos anos. No primeiro semestre do ano, o Índice Geral do Mercado Imobiliário Residencial (IGMI-R), que mede a valorização dos imóveis, aumentou quase 13%. No mesmo período, a inflação oficial do Brasil, medida pelo IPCA, tinha subido somente 4%. 

A moradia está se tornando cada vez mais cara. O mercado imobiliário, por enquanto, agradece. Mas no futuro isso poderá acabar afetando as vendas. 

A tendência de queda da taxa básica de juros (Selic) está ajudando o crédito imobiliário | Foto: Shutterstock

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2 comentários
  1. Enoch Bruder
    Enoch Bruder

    Esse otimismo todo é só para os muito ricos e para os muito pobres!!! A classe média ,que é o motor do consumo na economia, leva o quê? Como sempre, a naba no rabio!!! Fez o ele? Chupa agora!!

  2. MARCIO MARQUES PRADO
    MARCIO MARQUES PRADO

    Muito bem detectada a grande dificuldade da classe média em adquirir o seu imóvel. O mecanismo de financiamento de longo prazo, necessariamente, passa pela poupança robusta que seria constituída pelo brasileiro… médio, mas não lhe sobra para poupar. Este contingente carente encontra-se nesta sinuca de bico e o mercado de imóveis usados, que atende esta grande faixa, fica aguardando o país aplicar medidas econômicas corretas para sanar o problema.

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