Um telespectador que zapeava a TV aberta na noite de quinta-feira, 30, deparou-se com uma entrevista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes à emissora RedeTV!. Ao longo de 55 minutos, o decano da Corte falou sobre política e classificou a eleição de Lula como “um resgate da democracia”. Disse que não conseguiria imaginar o que aconteceria se Jair Bolsonaro vencesse: “Ou melhor, conseguiria, mas a imaginação não é positiva”. Outras frases espantosas foram ditas pelo ministro no programa.
Gilmar Mendes ainda chamou Lula de amigo e grande estadista. As falas, contudo, foram pouco repercutidas pela imprensa. O programa teve audiência de 0,2 ponto na Grande São Paulo, segundo o Ibope/Kantar — isso significa 14 mil telas assistindo. No Rio de Janeiro, o índice representa 9 mil telespectadores, e, no Distrito Federal, a audiência ficou zerada. Mas o decano nunca foi tão claro.
“Eu me sinto amigo dele, tenho grande admiração. Junto com Fernando Henrique Cardoso, são os dois grandes estadistas do Brasil — a quem vivenciamos e reverenciamos”, disse. “Lula tem um propósito, podemos ter discordâncias, mas ele tem uma visão de mundo, de construção de um país melhor, de desenvolvimento social adequado, melhoria das instituições. As conversas com ele são sempre construtivas. A gente viaja muito, né? A visão que se tem de Lula, agora que é presidente, a política externa, esse soft power que o país passa a ter com futebol e música, isso é destacado com a presença dele em fóruns internacionais.”
São justamente as declarações de autoridades nesses tantos fóruns internacionais que explicam por que a independência entre os Poderes, conforme diz a Constituição, descambou. Para ficar só com Gilmar Mendes, em outubro, num evento em Paris, ele mostrou que está cada dia mais à vontade no papel do juiz que tomou lado no campo. “Se hoje nós temos a eleição do presidente Lula, isso se deveu a uma decisão do Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
A afirmação acima, admitindo que Lula deixou a prisão em Curitiba — condenado em duas instâncias do Judiciário — para assumir a Presidência da República, foi encarada com normalidade pela velha imprensa. É possível imaginar o que ocorreria se um pagador de impostos qualquer, um político ou jornalista do chamado espectro da “direita” — ou “bolsonarista” — dissesse o mesmo? A resposta é que seu principal colega de toga, o ministro Alexandre de Moraes, determinaria punições severas por fake news, por suspeitar de fraude eleitoral ou atentar contra as instituições democráticas.
Mas Gilmar Mendes pode falar o que quiser. Aliás, o decano foi além: disse que não só Lula, mas “muitos dos personagens que hoje estão aqui, de todos os quadrantes políticos, só estão porque o Supremo enfrentou a Lava Jato”. Essa parece ser a batalha derradeira do decano da Corte: destruir qualquer rastro dos sete anos da maior investigação contra a corrupção institucionalizada da história do país. “Eles [os condenados] não estariam aqui, por isso é preciso compreender o papel que o Tribunal desempenhou“, afirmou.
O ápice dessa cruzada do Supremo contra a Lava Jato remete a abril de 2019. Um mês antes, o então presidente do STF, Dias Toffoli, havia determinado a abertura de um inquérito para apurar fake news contra a honra dos ministros ou vazamentos de informações sobre integrantes da Corte, que surgiram durante as investigações da Lava Jato. O inquérito, que se tornaria perpétuo e derivaria em uma dezena de outros, ficaria a cargo de Alexandre de Moraes.
Em abril daquele ano, a revista Crusoé publicou uma reportagem de capa intitulada “O amigo do amigo de meu pai”. O personagem central era justamente Dias Toffoli — o pai era Emílio; e o amigo dele, Lula. A reportagem informava que os advogados do empresário Marcelo Odebrecht tinham um documento mostrando relações dele com Toffoli — na época, advogado-geral da União de Lula.
O episódio marcou a primeira censura explícita à imprensa desde a redemocratização do país. Alexandre de Moraes não só mandou tirar a reportagem do ar, como impôs multa diária de R$ 100 mil e ainda determinou que a Polícia Federal interrogasse os responsáveis pela publicação.
O fato é que a Lava Jato dava os seus últimos passos, depois de levar para a cadeia dezenas de políticos graúdos e empresários que davam as cartas nos contratos públicos. Depois da censura de Moraes à Crusoé, a operação não só foi sufocada pela Procuradoria-Geral da República, como terminou anulada no Tribunal. Os principais responsáveis pela Lava Jato, o ex-procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sergio Moro, foram perseguidos de forma implacável. Dallagnol teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conduzido por Moraes.
Numa das cenas mais simbólicas do enterro da Lava Jato, Dias Toffoli mandou destruir com uma furadeira os HDs de computadores com a lista de propina da Odebrecht — que continham até os apelidos. Eram os sistemas Drousys e MyWebDay, encontrados na Suíça, principal pilar da acusação do Ministério Público contra todos os políticos, inclusive Lula. A furadeira de Toffoli explica a fala recente de Gilmar Mendes: “Muitos dos personagens que hoje estão aqui, de todos os quadrantes políticos, só estão porque o Supremo enfrentou a Lava Jato”.
Da cleptocracia ao fascismo
Outro exemplo de como os ventos mudaram no Supremo é a forma como Gilmar Mendes se referia à Lava Jato às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff e o que ele passou a dizer nos últimos anos. Em 2015, no auge da operação, disse num evento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) que o PT havia instituído uma “cleptocracia”, “um modelo de governança corrupta”.
“A Lava Jato estragou tudo. Evidente que a Lava Jato não estava nos planos, porque o plano era perfeito, mas não combinaram com os russos”, afirmou. “Era uma forma fácil de se eternizar no poder.”
No meio do caminho, a Lava Jato incomodou o ministro. A força-tarefa do Ministério Público do Rio de Janeiro pediu que Gilmar Mendes se afastasse dos casos envolvendo empresários, especialmente Jacob Barata Filho, conhecido como “Rei dos Transportes” — dono de empresas de ônibus. Mendes concedeu sucessivos habeas corpus ao empresário. Os procuradores lembraram que Gilmar Mendes fora padrinho de casamento da filha de Jacob Barata, casada com o seu sobrinho. Mais: a mulher do ministro, Guiomar, trabalhava num escritório que atuava em casos relacionados ao empresário.
Alguns anos depois, hoje Gilmar Mendes não só afirma ter “uma relação de muito afeto” com Lula e pela “história de resgate que fez”, como destila ódio pela Lava Jato. “Curitiba gerou Bolsonaro. Curitiba tem o germe do fascismo”, disse em entrevista ao programa Roda Viva, em maio deste ano.
Não para por aí. Há outras incongruências nas falas de Gilmar Mendes sobre os métodos de investigação. Ele descreve as prisões cautelares alongadas, aplicadas pela operação, como “tortura”.
“As pessoas só eram soltas, liberadas, depois de confessarem e fazerem acordo. Isso é uma vergonha, e nós não podemos ter esse tipo de ônus. Coisa de pervertidos. Claramente se tratava de prática de tortura usando o poder do Estado.”
(Gilmar Mendes, no Roda Viva)
Em dezembro deste ano, ainda há presos na Papuda, no Distrito Federal, por causa do tumulto no dia 8 de janeiro. Um deles, Cleriston Pereira da Cunha, morreu no mês passado enquanto tomava banho de sol. Estava preso havia meses sem ter sido julgado. Ele tinha recomendações médicas e um pedido do Ministério Público para ser tirado de lá com urgência por causa de doenças graves. O ministro Alexandre de Moraes não analisou o caso a tempo.
Há outros casos de pessoas que não poderiam, por motivos de saúde comprovados, estar numa cela por causa da baderna no dia 8 de janeiro. São presos provisórios sem antecedentes criminais, sem acusação de crimes hediondos e que não representam riscos à sociedade nem têm condições financeiras de fugir do país — um caso recente envolve um morador de rua. Gilmar Mendes não fez menção à tortura do Estado até hoje.
Numa de suas últimas aparições públicas, sempre ladeado por uma equipe de seguranças, depois de descer de um carro blindado e em viagem, disse não entender a reprovação da sociedade aos ministros da Corte. Fez menção a uma fala do advogado Sebastião Coelho, ex-desembargador, no plenário do Supremo, quando defendia um réu do 8 de janeiro.
“Recentemente, na tribuna do Supremo, um advogado disse que nós éramos bastante pouco amados, ou até mesmo odiados. Certamente, não somos pela maioria da população. Mas, é claro, o papel da ‘contramajoritariedade’ é muito difícil, ele muitas vezes leva a atitudes de incompreensão e antipatia”, disse.
Gilmar Mendes chegou ao Supremo em 2002. Foi indicado na reta final do mandato de Fernando Henrique Cardoso e pode permanecer lá até 2030. É um exemplo de que passar tempo demais na cadeira, em qualquer um dos Três Poderes, faz mal à democracia.
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Caro Sílvio Navarro, sua coluna mostra claramente o enorme retrocesso no combate à corrupção, que chegou à ser uma reivindicação primeira da nossa sociedade. A Revista Oeste, assim como alguns poucos porta-vozes lúcidos do momento político, estão mantendo a coragem e a dignidade diante dos absurdos produzidos, principalmente, à partir da assunção de um presidente picareta patrocinado por (juízes?) Supremos.
Silvio Navarro se destaca como um dos maiores nomes do jornalismo pautado pelas informações bem fundamentadas. Coisa rara de se ler hoje em dia, mas que felizmente temos vários reunidos aqui na Oeste.
As falas de Gilmar Mendes deixam muito claro o que move os ministros do SFT. São monstrengos, movidos pela ganância e sede de poder. Todas as falas e ações estão acontecendo para atingir esse objetivo. As falas desse senhor, chamado Gilmar Mendes, já seriam suficientes para uma ação do senado federal no sentido de promover o empeachment do mesmo. Falta, somente, termos senadores dignos do cargo e um presidente do senado com coragem para que isso aconteça. G. Mendes deixa muito claro o que e como o STF agiu para que os atuais ocupantes do governo federal chegaram ao poder, ou seja, extrapolaram suas funções constitucionais, interferindo num processo político.
Fala asquerosa do decano, que só comprova o que já suspeitávamos e deduzíamos com base nas decisões dessa corja.
Eu fico imaginando as contas bancárias destes comunistas. Imagina! Defender e adorar ladrão deve custar muito caro. Não tem nenhum fundamento se não for por milhões de dólares.
Parabéns pelo artigo
Não há outra justificativa para a mudança radical de posição desses caras, alguém colocou uma coleira no pescoço de cada um desses elementos, que são obrigados a fazer o que o dono manda, isso no português fluente, é chamado de rabo preso, não existe outra alternativa.
Gilmar Mendes é mafioso, um gênio do mal. E é por essas que devemos batalhar ainda mais, pensem como será bom ver um presidente de direita indicando o substituto deste crápula em 2030. É já já.
O dia que Aparecer um Presidente do Senado que não tenha rabo preso no STF, ai sim pode ser que ele tenha coragem de convocar esses togados pra dar explicação desse ativismo politicos
A caterva instalada em Brasília, nos três poderes, com exíguas exceções, trabalha contra o Brasil e os brasileiros com apreço pela sua pátria.
As declarações desastrosas, para não dizer mal intencionadas destes “ministros” assombra a integridade de qualquer ser humano dotado de um mínimo de decência e moral.
O decano é o porta voz da “justiça” conduzida pelo Supremo Alexandrus I, o Calvo.
Mas não fica por aí.
Outro advogado togado, Dias Toffoli, tem um vídeo na Internet de 2014 onde o mesmo se vangloria e parabeniza um comparsa pelo roubo de um processo para evitar um despacho judicial.
Ou seja, nossa pobre república, com letra minúscula mesmo, que foi o primeiro golpe político vivenciado pela país, anunciada há 134 anos ainda carece de proclamação.
Esse sujeito é indecente, imoral e pervertido. Não tem a mínima condição de ser ministro do STF, mas permanece causando danos irreparáveis ao país.
Gilmar Mendes, dependendo de seus interesses, é capaz de se contradizer dentro do período de uma hora, sem pestanejar.
Impressionante como esse imundo tem o poder de exalar todo o fedor que sai da sua cabeça numa simples entrevista. Num país sério já estaria numa camisa de força. CANALHA! UM BILHÃO DE VEZES, CANALHA!
Na visão de Gilmar Mendes, o fundo do poço do governo Lula chegará em breve ao ápice com a nomeação do novo ministro Flávio Dino. O país será entregue nas mãos dessa gente que tem raiva de bolsonarista, facista, golpista, anti-democráticos, agentes da desinformação e cupins do Estado Democrático de Direito.
Só tenho uma pergunta aos Generais: Vocês não deveriam defender o Brasil de inimigos externos e INTERNOS? Não classificam o que está acontecendo como atos bem claros de perigosos inimigos internos que simplesmente rasgam a Constituição e instalaram uma ditadura?
Esquece os melancias, eles já fizeram a parte deles entregando as velhinhas e crianças para o gullag do STF
Foram comprados pelo ladrão.
Não dá para escutar o min Gilmar Mendes falar. Simplesmente asqueroso, nauseante.
Muito bom o artigo e aliás também a paciência, pois para assistir uma entrevista do Kennedy Alencar com o Gilmar Mendes é dose. Hoje a Lava Jato é o passado da Itália onde o conluio do judiciário com o parlamento forças armadas e também famílias mafiosas acabaram com a operação Mãos Limpas lideradas pelo juiz Aldo Moro e outros com a pretensão de acabar com a corrupção e corruptos, aliás um dos maiores deles hoje está de volta ao mundo das sombras, de onde nunca deveria ter saído…Berlusconi.
Essa turma do STF será conhecida como os militares do AI-5. Somente uma eleição de senadores da oposição em 2026 vai acabar com esse despotismo. Uma hora eles vão cair, o Brasil se quiser ser democratico não pode permitir esse desmando. Eles perderam a vergonha.
É realmente inacreditável como as posturas foram mudadas , sabe-se lá o porquê !
Bota essa corja na cadeia pra o Brasil voltar a normalidade
Mas que vai fazer isso?
As eleições de 2026, quando serão eleitos 2/3 dos senadores, serão as mais importantes da história para o Brasil, na medida em que poderão propiciar os meios para derrubar a ditadura que se instalou no Brasil.
Patético
Imagina o que esses sujeitos não tem de dinheiro fora do Brasil.
O decano do STF confessa publicamente que a instituição colocou Lula na presidência e fica udo por isso mesmo? País sem vergonha.
Sílvio Navarro: Como sempre, primoroso seu artigo.
Eu insisto: As famílias desses juízes (apelidados de ministros) do STF tinham de DESPERTAR de sua cegueira e, em particular, dar-lhes a perceber que o que vêm fazendo há anos e anos não representa apenas escandalosa agressão a tudo o que é JURÍDICO, mas expõe escancaradamente a completa falta de caráter e de vergonha em doses mínimas por partes dessas figuras que envergam aquela esquisitíssima toga e saracoteiam cheios de imbecilizado entusiasmo pelos suntuosos salões e gabinetes do tal “Supremo” Tribunal.
Muito obrigado! Grande abraço.