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Deusa Têmis é a deusa da justiça, da lei e da ordem, protetora dos oprimidos | Foto: Shutterstock
Edição 194

Murro em ponta de faca: enfrentando o superpoder judicial

A Suprema Corte é chamada de suprema apenas porque é a Corte mais alta do Poder Judiciário. O adjetivo 'suprema' não significa que ela está acima dos outros Poderes

Roberto Motta
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É tentador dizer que juízes não podem fazer políticas públicas e que essas políticas só podem ser feitas por representantes eleitos. Mas é preciso resistir a essa tentação porque ela está em conflito com a realidade.

Há fartura de evidências.

No excelente livro As Escolhas que os Juízes Fazem, Jack Knight e Lee Epstein mostram como os magistrados — que, nos casos examinados no livro, são os juízes da Suprema Corte norte-americana — sempre tentaram, e continuam tentando, transformar suas opiniões em política pública.

Como eles fazem isso? Convertendo decisões judiciais em jurisprudência, ou seja, em precedentes que determinam a direção a ser seguida por todos os tribunais que analisarem questões semelhantes no futuro.

Esse é um poder muito maior do que o poder que o Congresso Nacional tem de simplesmente aprovar uma lei. A formulação de jurisprudência em um nível judicial elevado — um nível supremo — não tem apenas a capacidade de regular a aplicação das leis na sociedade, mas também a possibilidade de “criar” novas leis, que nunca foram escritas ou votadas pelo Congresso.

Livro As Escolhas que os Juízes Fazem, de Lee Epstein e Jack Knight | Foto: Divulgação

É um superpoder. Seu único limite é a autocontenção.

Não adianta dar murro em ponta de faca. É inútil protestar dizendo que juízes — ou ministros — não podem exercer um poder que eles obviamente têm e exercem. 

A estratégia precisa ser outra.

A única maneira de mudar ou reverter políticas públicas criadas através de ativismo judicial (que hoje, no Brasil, é impulsionado majoritariamente pela ideologia de esquerda) é apressar a chegada do dia em que magistrados com uma mentalidade diferente — uma mentalidade conservadora ou liberal, uma mentalidade de direita — serão nomeados para as cortes superiores e irão tomar decisões melhores.

O equilíbrio entre os Três Poderes da República sofre reajustes contínuos. Os Estados Unidos são o melhor exemplo disso.

Ao longo de sua história os norte-americanos assistiram a inúmeras disputas entre o Executivo e o Legislativo de um lado, e a Suprema Corte de outro. A tensão entre o recém-eleito presidente Franklin Roosevelt e a Suprema Corte, então conservadora, é um exemplo famoso. Ao longo de seus quatro mandatos, Roosevelt, através de nomeações de juízes progressistas, mudaria totalmente o perfil da Corte. 

O então governador Franklin Roosevelt, em Albany, capital estadual, em 1930 | Foto: Reprodução/Wikipedia

Outro exemplo foi a recusa do presidente Abraham Lincoln de honrar a decisão da Suprema Corte no caso Dred Scott versus Sandford, em 1857. A Corte tinha afirmado que escravos não eram cidadãos americanos. Lincoln ignorou a decisão e determinou que o governo federal continuasse a emitir passaportes e a tratar todos eles como cidadãos.

Declarações como essas dos pais fundadores dos Estados Unidos demonstram que eles nunca pensaram na Suprema Corte como um órgão que teria a última palavra sobre a Constituição

Em seu discurso de posse, Lincoln questionou a legitimidade da Suprema Corte para tomar decisões que entrassem em conflito com o desejo popular, expresso através de seus representantes eleitos:

[…] o cidadão sincero deve confessar que, se a política do governo sobre questões vitais que afetam todo o povo deve ser irrevogavelmente determinada por decisões da Suprema Corte, no instante em que são tomadas em litígio ordinário entre as partes em ações pessoais, o povo terá deixado de ser seu próprio governante e terá entregado o poder de governar nas mãos desse eminente tribunal.

Lincoln estava seguindo a mesma linha de pensamento de Thomas Jefferson, um dos pais fundadores dos Estados Unidos e autor da Declaração de Independência. Jefferson disse:

A Constituição não erigiu um tal tribunal único, sabendo que a quaisquer mãos que o confiassem, com as corrupções do tempo e do partido, seus membros se tornariam déspotas. Ela, mais sabiamente, tornou todos os departamentos iguais e cossoberanos dentro de si.

Se a legislatura deixar de aprovar leis para um censo, para pagar os juízes e outros funcionários do governo, para estabelecer um exército, para naturalização conforme prescrito pela Constituição, ou se os parlamentares não se reunirem no Congresso, os juízes não poderão emitir suas decisões para eles; se o presidente deixar de nomear um juiz, de nomear outros oficiais civis e militares, de emitir as comissões necessárias, os juízes não poderão obrigá-lo.

Declarações como essas dos pais fundadores dos Estados Unidos demonstram que eles nunca pensaram na Suprema Corte como um órgão que teria a última palavra sobre a Constituição. No modelo conceitual de uma república, nenhum dos Três Poderes é superior a outro.

A Suprema Corte é chamada de suprema apenas porque é a corte mais alta do Poder Judiciário. O adjetivo “suprema” não significa que ela está acima dos outros Poderes.

A Suprema Corte pode tomar uma decisão e essa decisão ser posteriormente afetada por uma nova lei ou emenda constitucional aprovada pelo Congresso.

Futuros juízes também podem revisar e até anular decisões tomadas pela Corte no passado. Foi exatamente isso que aconteceu nos Estados Unidos, em 2022, quando a atual Suprema Corte — conservadora — anulou a decisão da própria Suprema Corte — então progressista — tomada em 1973, que declarava a existência de um direito constitucional ao aborto.

A escolha desses futuros juízes é tão importante quanto as escolhas feitas pelo eleitor através do voto.

A Suprema Corte é chamada de suprema apenas porque é a corte mais alta do Poder Judiciário | Foto: Antonio Augusto/SCO/STF

Leia também “Os apóstolos do apocalipse”

18 comentários
  1. Clodoaldo
    Clodoaldo

    Tudo isso agradeça a Frouxonaro, que baixou a guarda e deixou Xandão bater à vontade. Covarde bravateiro!

  2. Sandro Luis Batista Soares
    Sandro Luis Batista Soares

    Por enquanto o TSE está manipulando a eleição para Presidente. Daqui a pouco eles irão manipular para o Senado, Governadores e assim por diante. Aí já será tarde demais.

  3. Diego Vintem
    Diego Vintem

    CONGRATULATIONsss!!! I like much it and MONSTER, AMAZING, MARVEL. Opening my MIND… TKsss Att.

  4. Manfred Trennepohl
    Manfred Trennepohl

    Fica muito claro que o STF não tem o poder absoluto, como querem os atuais ocupantes desta casa. Para que isso se concretize, precisamos do um Congresso Nacional verdadeiramente ativo, com representantes eleitos comprometidos com a Nação Brasileira. Isso está nas mãos dos eleitores. Fundamental limitar tempo de permanência dos ministros no STF, estabelecer outras regras que permitam à sociedade controlar os ímpetos de ditadores dos ocupantes no STF.

  5. Gladner Cardeal Stasiuk Paes
    Gladner Cardeal Stasiuk Paes

    Enquanto o déspota do supremo cabeça de ovo estiver governando de fato essa nação, não vejo nenhum lampejo de esperança.

  6. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    O ativismo judicial está causando e vai continuar trazendo muito problemas ao destino do Brasil.
    O Congresso Nacional, nas mãos de militantes ou meliantes estão na contra mão do desejo popular.
    Deputados e Senadores que tenham o desejo de continuar na vida pública, devem rever suas posições ou os eleitores, se o Supremo Imperador Alexandrus I, o Calvo e as urnas eletrônicas permitirem, serão os protagonistas para a limpeza geral da Casa do Povo.
    Alguns congressistas tem se manifestado contra decisões que contrariam o desejo de Poder Supremo dos advogados togados, e a continuidade é a única forma de se chegar a uma nova ordem jurídica no país.

  7. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Espero que os crimes cometidos pelo Alexandre de Moraes não prescrevam, para em tempo da renovação a direita do senado ocorrer.

  8. Dalva da Silva Prado
    Dalva da Silva Prado

    Só depende do SENADO DEFENESTRAR aqueles incapazes nomeados por conveniência.

  9. Ronaldo Rodrigues Rosa
    Ronaldo Rodrigues Rosa

    O grande problema, porém, é deixar a cargo do chefe do executivo essa escolha. É difícil falar em isenção quando a política é norteada por ideologias.

  10. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    gostei do texto, mas não gostei da previsão. OU seja, quem sabe meus bisnetos poderão ter uma Corte diferente, já que muitos ministros de hoje ficarão por mais 30 anos.

    1. Jonas Ferreira do Nascimento
      Jonas Ferreira do Nascimento

      Torçamos que a maioria dessa atual composição saia num prazo mais curto. Quem sabe?!

  11. José Rubens Medeiros
    José Rubens Medeiros

    Não, Roberto Motta. Ouso me manifestar diferentemente. O sistema de controle de que dispomos, nesta República avacalhadíssima, é, principalmente, a atuação do Senado Federal que, se fosse composto por pessoas minimamente sérias em sua maioria, JÁ TERIA LEGALMENTE DEFENESTRADO boa parte desses IMPRESTÁVEIS juízes apelidados de ministros. O que não falta são MOTIVOS robustamente jurídicos: ativismo político escancarado, crimes de abuso de autoridade, prisões ilegais, homicídios por dolo eventual (no mínimo, na forma culposa) etc., tudo emoldurado por indisfarçada zombaria à luz do meio-dia.
    Esses cabras de toga são uma espécie de lepra roedora para a qual certamente EXISTE CURA.
    Nós, povo, ordenamos aos congressistas que lá estão como nossos representantes, por efeito direto e único do poder que pelo voto lhes outorgamos, que já tardiamente façam simplesmente o seu trabalho com seriedade, sem delongas e sem esses INSUPORTÁVEIS discursozinhos de tribuna, repetitivos, marcados por hipocrisia e grotescos.

    1. Rosangela J . Dias
      Rosangela J . Dias

      Nota 10!

    2. Sos
      Sos

      Perfeito, MAS quase todos os senadores são corruptos ou têm problemas com a justiça, se venderam para o ladrão ou dependem destes comunistas do stf para ganharem causas milionárias que é o caso do covarde do Pacheco. Então, não temos representantes do povo lá.

  12. Helcio Jose Pinto Rodrigues
    Helcio Jose Pinto Rodrigues

    O termo “supremo” vem sendo usado com argumento, mesmo por elementos que podemos considerar equilibrados, como e o caso do ex Ministro Ayres Britto. Ele chegou a verbalizar que ” nenhum outro Poder é agraciados com o termo “supremo”. Infelizmente, nesse assunto, sou forçado a concordar com o sr José Dirceu que sustenta que o STF deveria ser transformado ( e renomeada) em Corte Constitucional. De fato, o Brasil é muito bem servido de tribunais superiores e não precisa de mais um superior a todos esses.

  13. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Mota abrindo os olhos dos leigos, o direito não é fácil como imaginávamos

  14. Antonio Carlos da Fonseca Prestes
    Antonio Carlos da Fonseca Prestes

    É. Só que aqui os que estão entrando, ficarão dezenas de anos, e foram colocados pela quadrilha que está no poder. Vão se perpetuar, e nós teremos que só ficar lamuriando ?

  15. Renato Perim
    Renato Perim

    Pela primeira vez com todo respeito vou discordar do excepcional jornalista Roberto Motta. Do jeito que andam as coisas por aqui NUNCA vai haver juízes conservadores no stf. Talvez nem eleições gerais haja mais. Posso estar muito pessimista, mas é meu receio. Não é por esse caminho que a gente vai deixar de ser escravo do stf.

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