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Pintura de Giuseppe Cesari, Diana e Actaeon (1603) | Foto: Domínio Público
Edição 197

A jihad interna contra a República Francesa

Das salas de aula às ruas, muçulmanos radicalizados estão em revolta contra os valores da França

Brendan O'Neill, da Spiked
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Em geral, professores entram em greve por melhores salários ou condições de trabalho mais justas. Na França, eles entraram em greve porque temiam ser decapitados.

Professores de uma escola nos arredores de Paris fizeram uma paralisação depois que alguns pais e alunos muçulmanos reclamaram de uma pintura renascentista com mulheres nuas e voluptuosas que havia sido exposta na sala de aula. Revoltados, os professores afirmaram que não queriam ter o mesmo destino de Samuel Paty, professor do ensino médio que foi esfaqueado até a morte e decapitado por um radical islâmico em 2020 pelo pecado de mostrar caricaturas de Maomé durante uma discussão sobre liberdade de expressão em sala de aula. “Nossos colegas se sentem ameaçados e em perigo”, afirmou o líder do sindicato nacional dos professores do ensino médio (SNES) na semana retrasada.

Essa é a França em 2023, onde mostrar arte renascentista para crianças pode fazer você temer por sua vida. Onde expor alunos a grandes pinturas é um risco de morte. Onde os professores temem a vingança jihadista simplesmente por fazerem seu trabalho. A pintura era Diana e Actaeon (1603), de Giuseppe Cesari, que mostra ninfas se banhando em um rio. Alguns alunos de 12 e 13 anos se chocaram quando olharam para a obra considerada pecaminosa. “Nossa religião proíbe essas representações obscenas da carne feminina”, clamaram. Os pais se envolveram e condenaram o professor que exibiu os seios centenários. Em pouco tempo, surgiram rumores falsos de que o professor também havia feito comentários racistas sobre muçulmanos. E foi isso — lembrando que o assassinato ritualístico de Samuel Paty também foi incitado pelas mentiras de alunos. Os professores entraram em greve.

Samuel Paty, professor que foi decapitado na França por ensinar sobre liberdade de expressão | Foto: Ville de Conflans Sainte Honorine

Seus medos não são infundados. Dois professores na França foram assassinados por jihadistas nos últimos anos: Paty em 2020 e, apenas dois meses atrás, Dominique Bernard, um professor de literatura de 57 anos que foi esfaqueado até a morte em sua escola em Arras supostamente por um refugiado checheno que havia gritado “Allahu Akbar”. Na verdade, também neste mês, vimos o desfecho do julgamento dos estudantes que desempenharam um papel no assassinato de Paty. Uma adolescente foi condenada por fazer acusações caluniosas contra Paty (ela afirmou que o professor havia pedido para os alunos muçulmanos saírem da sala de aula, o que não era verdade). Cinco outros adolescentes foram considerados culpados de conspiração criminosa por incitação à violência por apontarem Paty ao assassino em troca de dinheiro. Foi uma atitude imprudente e selvagem, considerando que eles certamente sabiam das ameaças de morte que haviam sido feitas on-line contra Paty.

Os valores da República

Ou seja, os professores em greve na semana retrasada não estavam errados em temer uma retaliação pelo “crime” de ofender as sensibilidades islâmicas. Todos os ingredientes para mais um ato de represália medieval estavam ali: a exposição de uma imagem supostamente ímpia, a propagação de mentiras cruéis sobre a intolerância do professor, a fúria não apenas dos alunos muçulmanos, mas também dos pais. Por isso foi bom ver Gabriel Attal, ministro da Educação francês, prometer que vai disciplinar os alunos que reclamaram da pintura. O papel das escolas na França não é se curvarem à sensibilidade religiosa de grupos minoritários, declarou ele, e sim “formar republicanos”.

Essa é a abordagem correta. A insolência de alunos que se atreveram a rejeitar a arte renascentista não pode ser tolerada. Não pode haver veto pela sensibilidade, seja de muçulmanos, seja de qualquer outra pessoa, sobre o que pode ou não ser mostrado nas escolas. Nus renascentistas, literatura difícil e, sim, representações cômicas de Maomé são materiais inteiramente legítimos nas salas de aula do ensino médio. Se até uma pintura tão conhecida como Diana e Actaeon, que está no Louvre, fosse escondida dos alunos por medo de represálias, isso daria aos jihadistas um poder enorme sobre as escolas na França. Attal pareceu reconhecer quão sério e grave seria se os professores temessem ensinar arte renascentista e enviou uma equipe à escola em questão para garantir que os “valores da República” estivessem sendo observados. 

Sexualidade, Holocausto e evolução

A estranha e perturbadora polêmica sobre Diana e Actaeon não é um incidente isolado. As escolas na França estão na linha de frente de um conflito baixo e não declarado entre os valores da República Francesa e as preocupações das partes mais islâmicas da sociedade francesa. Depois do assassinato de Samuel Paty, grande parte dos docentes franceses admitiu evitar certos assuntos com medo de ofender em especial os alunos muçulmanos. Quase metade dos professores do ensino médio disse evitar ou minimizar questões como “sexualidade, Holocausto e evolução” para não “enfurecer os alunos muçulmanos”. Uma pesquisa constatou que 49% dos professores do ensino médio às vezes desviam desses tópicos porque não querem criar “caso”. Sexualidade, Holocausto e evolução envolvem ciência, história e verdade, tudo o que as gerações mais velhas têm o nobre dever de transmitir aos jovens. Ao marginalizarem essas questões “controversas”, os professores franceses abrem mão da responsabilidade de comunicar os ideais e as práticas do Iluminismo à próxima geração.

Multidão se reúne na Place Kleber para prestar homenagem ao professor de história Samuel Paty, em Estrasburgo, na França (19/10/2020) | Foto: Shuttesrtock

Aqui podemos ver que os problemas nas salas de aula francesas não são apenas a impertinência dos jovens muçulmanos — ou até mesmo de seus pais, possivelmente radicais —, mas também a covardia moral e educacional; a própria preferência da elite francesa por uma vida fácil em detrimento da difícil tarefa de “formar republicanos”. Na verdade, um com certeza fortalece o outro: quanto mais as escolas ignoram sexo, pinturas de nudez e até a verdade do Holocausto para não ferirem os sentimentos muçulmanos, mais elas se concentram nos sentimentos muçulmanos e mais sacralizam as sensibilidades de alguns em detrimento dos valores de uma República de milhões. Escolas que minimizam até mesmo a evolução com medo de que alunos muçulmanos criem “caso” não podem então fingir surpresa se esses alunos muçulmanos decidirem arriscar e criar “caso”, seja sobre quadrinhos do Charlie Hebdo, seja sobre Diana e Actaeon. Você disse a eles que suas emoções às vezes podem se sobrepor ao currículo — que criança petulante não exploraria isso?

Não é apenas a França. O establishment educacional britânico também se curva diante das sensibilidades islâmicas. Quem pode esquecer o caso, no início deste ano, em Wakefield, de um menino com autismo que foi suspenso da escola por “desgastar levemente” um exemplar do Corão?

É por isso que o assassinato de Paty foi um evento horrível e marcante na história moderna da França. Nas palavras de Virginie Le Roy, a advogada que representou a família de Paty no julgamento dos adolescentes que conspiraram para sua morte, esse foi um ataque terrorista diferente de qualquer outro, pois foi um ataque não apenas à vida, mas também ao conhecimento. Esta foi a primeira vez que “um professor foi atacado por ser professor”, afirmou ela. Paty se tornou um alvo “porque representa o conhecimento, o despertar e o livre arbítrio”. De fato. Samuel Paty foi um mártir da educação, um mártir da razão, o que torna o silêncio sobre sua morte nos países vizinhos da França, incluindo a Inglaterra, ainda mais revoltante. O assassinato de Paty por desafiar seus alunos a pensarem — ou seja, por ser um professor — certamente deve ter feito a França acordar para o perigo de colocar os sentimentos dos alunos acima da autoridade do professor. A resposta firme de Gabriel Attal ao escândalo da pintura Diana e Actaeon traz esperança de que as lições — o trocadilho é intencional — tenham de fato sido aprendidas. 

A covardia da BBC

Não é apenas a França. O establishment educacional britânico também se curva diante das sensibilidades islâmicas. Quem pode esquecer o caso, no início deste ano, em Wakefield, de um menino com autismo que foi suspenso da escola por “desgastar levemente” um exemplar do Corão? Ou, claro, a tragédia do professor da Batley Grammar School, perseguido por fundamentalistas e obrigado a se esconder por um “pecado” semelhante ao de Paty — mostrar imagens de Maomé em uma discussão sobre blasfêmia e liberdade. Nenhum político e nenhum sindicato de professores ficaram do lado desse homem atormentado. Uma sociedade que falha em defender seus servidores públicos mais importantes — os professores — perde o direito de se chamar civilizada.

Vejamos a reportagem da BBC sobre a polêmica de Diana e Actaeon. Uma palavra está ausente: “muçulmano”. A BBC se recusa categoricamente a nos informar um dos fatos mais pertinentes desse caso — foram membros de certa minoria religiosa que causaram o alvoroço. Também é uma prova da covardia cultural que uma emissora pública deixe de dizer a verdade sobre os problemas sociais que afligem os amigos na França. 

Não se engane: esses problemas sociais são vastos. A França enfrenta uma jihad interna, uma intifada de baixo nível contra seus valores. Desde grandes atos de violência — o massacre no Charlie Hebdo, o massacre no Bataclan, o massacre no Dia da Bastilha em Nice — até a erosão diária da confiança republicana nas escolas e em outros espaços, parece que a República está em risco. Aqueles que admiram essa República, especialmente seus valores de “conhecimento, despertar e livre arbítrio”, deveriam oferecer muito mais solidariedade. Vive Diana e Actaeon, vive la France.


Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Seu novo livro, A Heretic’s Manifesto: Essays on the Unsayable, foi publicado em 2023. Brendan está no Instagram: @burntoakboy.

Leia também “A COP28 e a ideologia do ambientalismo”

11 comentários
  1. Thais de MORAES Machado Suppo Bojlesen
    Thais de MORAES Machado Suppo Bojlesen

    Quem se refugiou ou transferiu-se para um outro país, com leis e costumes diferentes dos seus, devem se adaptar ou voltar para seus países! A Europa fez muitas concessões e agora está pagando um preço alto demais. E se fosse o inverso, os países muçulmanos permitiriam que seus costumes fossem mudados?

  2. Leonardo Saldanha dos Santos
    Leonardo Saldanha dos Santos

    Estão colhendo aquilo que plantaram.

  3. Christian
    Christian

    Pelo menos aqui, na França, Nostradamus tnha razão: Os Camelos estão bebendo a água do Rio Sena.

  4. Otacílio Cordeiro Da Silva
    Otacílio Cordeiro Da Silva

    Acho que deveriam ir atrás de quem colocou essa gente lá. Nada que um bom cabo de vassoura não resolva.

  5. Sandro Danilo Gatto
    Sandro Danilo Gatto

    Na verdade são uns covardes. Se fossem blasfemar contra Jesus ou outro símbolo cristão seriam bem “corajosos “.

  6. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Os países ocidentais deve fazer como a Austrália, a primeira ministra disse que os Árabes que estão lá tem que seguir as leis australianas ou desocupe o país

  7. Selma Santa Cruz

    Um dos artigos mais brilhantes e relevantes que li em 2023. A velha midia brasileira tem praticamente ignorado os efeitos nefastos do avanço do ilsamismo militante na Europa e a subversão sorrateira dos valores republicanos e civilizatorios que os europeus pagaram tão caro para consolidar. Porque isso que os franceses chamam de ” islamo gauchisme” é uma das facetas da ideologia identitária abraçada em todo o mundo pelas esquerdas.

  8. Jerome Mencier
    Jerome Mencier

    Ótimo artigo! Verdade dita. Por medo de ofender os muçulmanos a Europa está sendo dominada por eles…

  9. Marcelo DANTON Silva
    Marcelo DANTON Silva

    Vamos ser pragmáticos !
    Assim como o lançamento de carteiras de trabalho para a gang PTralhas faz com que dispersem, rapidamente, suas medíocres e PÍFIAS manifestações regadas a pão com mortadela , cachorro quente e dez real…. nossos “professores” que infestam a rede pública com pedofilia nas salas de aula… FAZ com QUE esses animais bestiais EVITEM fixar refúgio no Brasil por muito tempo…
    A França merece tudo isso.. pois sempre foram uns esnobes imbecís .

  10. Maki K
    Maki K

    A França “enfrenta” uma jihad interna ? Mas não é isso mesmo que ao governo francês esteve querendo ao lngo destes anos ? Movimento Renassentista pode se considerar um germem do Iluminismo, não ? Gostaríamos que no Brasil fosse exibido desenhos desse teor para os filhos nas escolas ? Achei a matéria bem tosca. O assunto se trata de briga de “irmãos”, não ? Muçulmanos radicais e mente recvolucionária ocidental. Algo está esquisito na Revista Oeste…Rasa, a matéria.

    1. Almondi Fagundes
      Almondi Fagundes

      Concordo com o comentário da matéria ser bem superficial, aliás o iluminismo defendido pelo autor é uma fonte da islamização da europa. Os ideais liberais colhendo os frutos da revolução. A árvore da secularização dos “iluminados” dando frutos. “Conheceis as obras pelos frutos”. “Ego vox clamantis”.

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