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Nova política industrial brasileira, chamada de Nova Indústria Brasil (NIB) | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 201

A insanidade de repetir o mesmo erro

O plano de subsídios maciços para tentar reanimar a indústria com bilhões de reais é caro e inconsistente

Carlo Cauti
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A Nasa, agência espacial dos Estados Unidos, responsável pelo envio do homem à Lua, pela gestão da Estação Espacial Internacional e pela organização de uma missão em Marte, tem um orçamento de US$ 27,2 bilhões (cerca de R$ 136 bilhões). A nova política industrial brasileira, chamada de Nova Indústria Brasil (NIB) e anunciada pelo governo federal em pompa magna na última segunda-feira, 22, terá em dotação mais do que o dobro desse valor: R$ 300 bilhões.

É uma quantia superior à dos orçamentos do Banco Mundial (cerca de R$ 250 bilhões) e da Organização das Nações Unidas (ONU; cerca de R$ 20 bilhões) juntos. 

A maior parte desse imponente volume de recursos será fornecida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como crédito subsidiado e financiamento a fundo perdido para apoiar “projetos de neoindustrialização”. Ou seja: bilhões de reais serão emprestados a taxas de pai para filho ou completamente de graça para empresas escolhidas pelo governo.

Com capitais dessa magnitude, o mínimo que se esperaria é que o Brasil conseguisse rapidamente alcançar as economias mais avançadas e se tornar de vez uma potência industrial. Todavia, a história recente já mostrou que não é esse o caminho da prosperidade.

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, durante reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), no Palácio do Planalto, em Brasília | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Da última vez que governos do PT tentaram algo muito parecido, há uma década, o epílogo foi catastrófico para o Produto Interno Bruto (PIB) e para as contas públicas. E a única inovação industrial digna de nota que surgiu foi a tomada de três pinos. 

Nessa rodada, garantem em Brasília, as coisas serão diferentes. O projeto foi apadrinhado pelo vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, que salientou a urgência de uma nova política industrial robusta, para “fortalecer o setor produtivo e ampliar a competitividade do parque industrial”.

“De ‘nova’ essa política industrial só tem o nome”, explica Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central do Brasil (BC). “Já vimos esse filme durante os governos Lula 2 e Dilma. Gastamos quase 10% do PIB em subsídios e os resultados foram pífios, para usar um eufemismo”.

Para o economista, o governo está repetindo os mesmos erros cometidos na última década. “Querem tentar fazer as mesmas coisas, do mesmo jeito, achando que vai dar um resultado diferente”, resumiu Schwartsman. “Vamos chegar aos idênticos insignificantes resultados. O PT não esqueceu nada e não apreendeu nada”.

Apenas o começo

Para o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, os R$ 300 bilhões são apenas um “piso inicial”. O objetivo do governo é criar um “Estado empreendedor”, usando as palavras da economista italiana neokeynesiana Mariana Mazzucato, cujas obras se tornaram leitura obrigatória e as ideias viraram mantra entre a equipe econômica. Ela foi citada várias vezes por Mercadante durante a coletiva de imprensa que apresentou o pacote, quando disse claramente que “o Estado deve se tornar o indutor do crescimento”. 

No Brasil, essas receitas já foram testadas com a famigerada Nova Matriz Econômica. Além de não gerar crescimento algum, ela acumulou uma série de projetos fracassados, recebeu inúmeras denúncias de corrupção, teve as contas públicas maquiadas e culminou na pior crise da história do Brasil desde 1929. A Nova Indústria Brasil nada mais é que uma nova roupagem do que o Brasil já experimentou, sem sucesso. 

“Não à toa eles trouxeram Mazzucato para assessorar o governo nessa política industrial”, disse o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, economista e sócio da Tendências Consultoria. “Procuraram no exterior uma intelectual com pontos de vista similares aos do PT para tentar dar roupas novas para ideias velhas. Por que não procuraram na PUC do Rio de Janeiro? No IBMEC? Ou no Insper? Como sempre, pecam porque leem os livros errados”.

Aloizio Mercadante, presidente do BNDES | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Relembrando Dilma

Em agosto de 2011, o governo da então presidente Dilma Rousseff anunciou uma nova política industrial chamada de Plano Brasil Maior. Assim como hoje, naquela ocasião o BNDES foi escolhido como instrumento de transferência de recursos para empresas, com um poder de fogo financeiro de R$ 500 bilhões (cerca de R$ 1,05 trilhão em valores atualizados). 

Na época, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o mesmo encabeçado por Alckmin hoje, apresentou o programa com as mesmas idênticas palavras utilizadas nesta semana: “Fortalecer o setor produtivo e ampliar a competitividade do parque industrial”. Nem mesmo do ponto de vista semântico as coisas mudaram em Brasília. 

Os dados mostram que os resultados não vieram. A produção industrial brasileira hoje é cerca de 20% inferior ao que era na época. Mesmo com uma dose cavalar de dinheiro público injetado na economia, a indústria encolheu. 

Sem contar que, na época, o governo escolheu a dedo as empresas beneficiadas. Foi a famosa política de “campeões nacionais”, com bilhões de reais fornecidos a grupos como JBS, Odebrecht, Oi e até para o Grupo EBX, de Eike Batista. As empresas acabaram envolvidas na Lava Jato ou quebraram. 

“A política industrial do governo Lula é quase idêntica à da Dilma”, diz Nóbrega. “Voltou a se falar até de subsidiar a indústria naval, comparando-a com a Embraer. O que é uma insensatez extrema. Seria a quarta vez que o Brasil tenta criar uma indústria naval. Em todas as outras, deu pontualmente errado”.

A então presidente Dilma Rousseff, durante lançamento do Plano Brasil Maior, sua política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio exterior para o país, em Brasília (2/8/2011) | Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Desta vez pode ser pior

O que mais preocupa os economistas são as diferenças entre aquele programa e o atual. 

Uma delas é que, no programa anterior, o BNDES subsidiava os empréstimos utilizando a chamada Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), mais baixa do que a taxa Selic. Os juros variavam de 8,7% para grandes empresas a 6,5% para micro, pequenas e médias empresas. Com uma Selic que estava por volta de 11,5% ao ano.

Em 2018, o então governo Temer acabou com a TJLP. Por isso, para subsidiar o crédito do BNDES, o novo governo Lula optou por utilizar a Taxa Referencial (TR), que garante a rentabilidade das cadernetas de poupança e do FGTS. Atualmente, a TR está em 1,76% ao ano. O governo vai adicionar outros 2% de juros. Mesmo assim, 3,76% ao ano continua sendo uma porcentagem muito distante da taxa Selic, atualmente em 11,75%, e muito mais baixa que a antiga TJLP.

Além disso, um projeto de lei em tramitação no Congresso poderia permitir ao BNDES emitir suas próprias letras de crédito, as chamadas Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCD), outro xodó de Alckmin. Com esses recursos, o Banco poderia fornecer novas linhas de crédito subsidiado para as empresas. 

“Criar as LCD significa que o BNDES vai se apropriar de uma parte do volume de recursos do mercado de capitais”, salienta Nóbrega. “Assim, vai ocupar uma parte do espaço dos títulos da dívida pública, que terá de oferecer juros mais altos para atrair capital. Mas também reduzirá a disponibilidade dos recursos no mercado de capitais do setor privado, produzindo o chamado efeito de deslocamento [crowding out]”.

“Considerando a nossa crise fiscal e a volta do déficit primário, esse pacote parece fora do lugar. Fora do tempo, do espaço e das condições objetivas que o Brasil possui”

Ranço protecionista

O vídeo que anunciou o programa falou em “uma forte política de obras e compras públicas e incentivo ao conteúdo local”.

“Voltamos mais uma vez com a velha história das exigências de conteúdo nacional”, explica o ex-ministro Mailson da Nóbrega. “É o protecionismo do protecionismo. Isso custou muito no passado recente ao Brasil. Inclusive para a própria Petrobras, pois impede que a empresa se beneficie de componentes mais eficientes e mais baratos comprados no exterior. Ou seja, uma política que conspira contra a produtividade. Que na verdade é justamente o grande problema da indústria”. 

Além disso, uma questão de recursos gera preocupação entre os analistas. O governo já deixou as contas públicas no vermelho profundo em 2023, com um déficit primário de R$ 234,3 bilhões, e para este ano se anuncia mais um balanço negativo. A grande pergunta que fica é: de onde sairá o dinheiro para pagar esses projetos mirabolantes, considerando que quase 97% do Orçamento já está empenhado em gastos obrigatórios, não modificáveis?

“O plano é ambicioso, inclusive nos valores” explicou Reginaldo Pinto Nogueira, economista e diretor-geral do Ibmec. “Mas, considerando a nossa crise fiscal e a volta do déficit primário, esse pacote parece fora do lugar. Fora do tempo, do espaço e das condições objetivas que o Brasil possui”.

Cadê a produtividade?

Mesmo sendo o maior problema da indústria brasileira há pelo menos trinta anos, a palavra “produtividade” em nenhum momento foi utilizada durante a coletiva de imprensa do governo. “Não há nenhuma discussão de produtividade”, diz Pinto Nogueira. “Esse é o típico pacote que, caso implementado, deverá se tornar permanente. Pois, se for retirado, vai gerar o fim da indústria, como foi o caso da indústria naval. Por isso não é sustentável”.

Entre os maiores problemas da competitividade da indústria brasileira estão carências infraestruturais, mão de obra não qualificada e um sistema tributário ineficiente. Todas essas deficiências se resolveriam com políticas de longo prazo, e não com estímulos e subsídios que, no máximo, permitirão um voo de galinha para o setor industrial. 

“O discurso do governo de retomar o papel da indústria brasileira no PIB não conversa com a questão de conteúdo nacional, pois a indústria moderna se liga às cadeias globais de valor”, salienta Nóbrega. “Não existe indústria moderna sem importação de insumos. Portanto, podemos fazer um discurso voltado para o futuro, mas que fica preso na visão de indústria do passado, prometendo recursos que hoje a gente objetivamente não tem”. 

Orçamento paralelo 

A consequência mais grave da NIB para as contas públicas, porém, será a criação de um verdadeiro “orçamento paralelo”.

Durante o governo Dilma Rousseff, o Tesouro Nacional captava recursos emitindo títulos da dívida pública, depois os emprestava ao BNDES, que, por sua vez, os repassava às empresas com juros subsidiados. Essas operações acabavam se anulando contabilmente, não aparecendo nas estatísticas da dívida pública líquida, apenas nas da dívida bruta. 

“O que já era ruim vai piorar”, explica Schwartsman. “Agora o Tesouro não vai emprestar mais ao BNDES. O Banco poderá emitir títulos da dívida autonomamente, captando recursos com juros de mercado, e repassar esse dinheiro por meio de empréstimos subsidiados para as empresas. Dessa forma, ficará muito mais difícil, senão impossível, contabilizar corretamente esses recursos no balanço público. Com um aumento do risco fiscal do país”. 

Por isso se começa a falar no mercado de um “orçamento paralelo” do governo federal. Esses gastos, chamados de “parafiscais”, não apareceriam nas contas públicas, impedindo uma avaliação correta da real situação do país. 

Sem contar que, tomando dinheiro emprestado com uma taxa de, no mínimo, 11,75% e concedendo empréstimos subsidiados a uma taxa de cerca de 3,76%, as contas do BNDES sairão devastadas. 

“O Banco vai distribuir menos dividendos para o governo federal, o principal acionista, piorando ulteriormente a contabilidade pública”, diz o economista. “Mas o que é mais grave é que, se o BNDES se encontrar insolvente, o Tesouro nacional terá que intervir aportando mais dinheiro. Ou seja, o risco vai ficar no colo do contribuinte, enquanto os benefícios ficarão com as empresas que tomarão empréstimos subsidiados.”

Expropriação proletária

Uma porção considerável dos recursos utilizados para financiar a NIB virá do bolso dos trabalhadores brasileiros. 

Parte do crédito subsidiado fornecido pelo BNDES utilizará R$ 20 bilhões do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cujo escopo é garantir os seguros-desemprego e os abonos salariais, e não fornecer empréstimos com taxas rebaixadas para setores específicos escolhidos pelo Executivo.

O FAT é financiado pelo Programa de Integração Social (PIS), cobrado diretamente da folha salarial. Ou seja, será a classe trabalhadora que, mais uma vez, pagará o pato dessa aventura neodesenvolvimentista. 

Leia também “O legado da Operação Mãos Limpas”

17 comentários
  1. Marcelo Martins
    Marcelo Martins

    É isso que dá colocar gente burra pra comandar o país!

  2. Bruno Araujo Barbaresco
    Bruno Araujo Barbaresco

    Não é erro. É plano, é de propósito. Essa medida mata dois coelhos com uma paulada só : despeja propina nos bolsos deles e arruina a economia, gerando pobreza e desemprego. É um país derrotado que eles querem.

  3. Fábio Rogério Rocha
    Fábio Rogério Rocha

    Mas o pai dos pobres é o grande DEUS salvador da pátria. FAZUELE bando de jegues. Quem votou no 9finger é que deveria pagar esta conta.

  4. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Duro é ver esses empresários tomando recursos subsidiados pela população e transferir recursos de suas empresas para seus patrimônios pessoais transferindo para o exterior ou aplicando no mercado interno com enormes ganhos financeiros. Seria interessante Carlo Cauti fazer uma análise dos recursos subsidiados obtidos pela JBS, CSN, e outras e comparar com os investimentos pessoais e transferências para aplicações no exterior.

    1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
      Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

      Bem colocado.

  5. Derlei Do Carmo
    Derlei Do Carmo

    Excelente o texto.
    Esclarecedor e linguagem acessível.

  6. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    O Estado é o pior empresário do mundo em qualquer lugar.
    A expansão da economia é impulsionada por projetos privados e capital de investidores interessados em um determinado mercado.
    Os governos brasileiros não cansam de errar.
    Em 1982 no governo militar de João Figueiredo foi promulgada a Lei de proteção da informática com o nobre propósito de desenvolver esta indústria no país.
    Passados 40 anos não temos uma única planta nacional neste setor apesar dos bilhões investidos pelo Tesouro Nacional cuja fonte inesgotável de recursos é o pagador de impostos.
    Atualmente temos uma estatal no RS dedicada a produção de chips – CIETEC – que nunca conseguiu escala para concorrer com os asiáticos. Pior, o PT anunciou em 2023 investimento de R$ 100 milhões para reativar a fábrica.
    Na verdade o que essa turma quer é a chave do cofre para cometer os mais ousados assaltos ao erário, desbancando Ronald Biggs da vida real ou Butch Cassidy e Sundance Kid do filme estrelado por Paul Newman, Robert Redford e Katharine Ross.

  7. Fernando Taulois Campos
    Fernando Taulois Campos

    Futuro assustador para a nossa economia

  8. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Eufemismo e semântica só interessa a classe jornalística, juros subsidiados, divida pública, taxa selique, etc; vem sendo usado. O povo brasileiro sabe que esses governos de esquerda são todos ladrões descarados e aqui no Brasil é tão vergonhoso que além de ter eleições fraudadas os comandos são literalmente analfabetos, e os crimes são de lesa-pátria e contra a soberania nacional

  9. RODRIGO DE SOUZA COSTA
    RODRIGO DE SOUZA COSTA

    Enquanto isso, os imbecis ficam gritando palavras de ordem, e nós, ainda mais imbecis, respondemos. Mas os magnatas já calculam com O será a rapinagem. Tem.muita gente para distribuir.

  10. Eduardo Ivo Chaves Kelner
    Eduardo Ivo Chaves Kelner

    Ótima reportagem,mas é necessário dizer que os dois economistas entrevistados, bombardearam a gestão anterior, fiscalmente responsável,sendo que Mailson anunciou o voto no atual presidente.

    1. Jonas Ferreira do Nascimento
      Jonas Ferreira do Nascimento

      Bem lembrado!

    2. RODRIGO DE SOUZA COSTA
      RODRIGO DE SOUZA COSTA

      Exatamente, ele e o Alexandre. Não entendo como podem ser tão descompromissada. O que eles esperavam do atual governo. Mas a carreta furacão está a mil no governo.

    3. Rosely M G Goeckler
      Rosely M G Goeckler

      Schwartzmann também!

      Os dois fazem parte do time q nos colocou nessa situação! Como ex-diretor do BC, Alexandre conheceu o jogo, os desvios e a roubalheira de perto! Não pode dizer “eu não imaginava! Eu não sabia!”

  11. Gladner Cardeal Stasiuk Paes
    Gladner Cardeal Stasiuk Paes

    Daí surgirá algo maior do que o petrolão, podem anotar.

  12. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Rapinagem esquerdopata

  13. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    O PT é sempre o mesmo,nunca muda. Distribuição de dinheiro para seu próprio bolso e interesse pessoal e político, nunca nada que possa beneficiar o povo brasileiro.

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