Lula ao calvário

Janeiro foi cheio de reveses para o governo, embora a propaganda oficial se esforce para mostrar o contrário. E nada indica que janeiro não possa ter sido, para Lula, melhor do que os meses que virão. Em fevereiro o Congresso reabre e, de cara, a Frente Parlamentar Evangélica espera, revoltada, por mais um atrito que o governo criou. A despeito do que diz o artigo 150 da Constituição, a Receita fez uma interpretação para cobrar imposto dos evangélicos. Cerca de R$ 300 milhões. Mais uma frente a se unir à bancada do agro e à das armas, contra decisões que só afastam o governo dos votos de que precisa no Congresso. A medida provisória que tenta revogar a decisão de 438 congressistas sobre a prorrogação da desoneração da folha é outro símbolo das fricções que o governo tem provocado. O Congresso reabre e não vai aceitar a MP.

O mês de janeiro começou com o Diário Oficial mostrando a Lei do Marco Temporal, em que 374 congressistas derrubaram os vetos do presidente. Se o governo recorrer ao Supremo, o desgaste vai se ampliar, e não apenas com a imensa Frente Parlamentar da Agropecuária. O evento de 8 de janeiro deste ano, que era para ser uma festa da “Democracia Inabalável”, teve as significativas ausências do presidente da Câmara e de 15 governadores. E o aposentado anistiado Lula declarou que os manifestantes do 8 de janeiro de 2023 não serão perdoados. Dois dias depois, por vontade de Lula, o Brasil aderiu à denúncia sul-africana de genocídio contra Israel. O Tribunal Internacional não aceitou e ainda sugeriu que o Hamas deve libertar os reféns. Depois, o New York Times mostrou que funcionários da Agência da ONU em Gaza participaram do massacre de israelenses. O governo do Brasil, que apoia claramente a ditadura bolivariana, agora também fica com cara de quem apoia terrorista.

Na pesquisa da PwC, pela primeira vez em dez anos o Brasil ficou fora da lista dos dez países preferidos para investimentos de risco. Desconfianças justificáveis, uma vez que, com a promessa de facilitar licenças ambientais para a Vale, o governo tentou impor Guido Mantega como CEO da empresa privatizada há 27 anos

Por falar em bolivarianismo, no dia 18 de janeiro, em Pernambuco, Lula reavivou a Refinaria Abreu e Lima, assídua menção no inquérito da Lava Jato, cujo preço se multiplicou várias vezes. No evento, o presidente acusou o Departamento de Justiça dos Estados Unidos de prejudicar a Petrobras, provocando de novo os Estados Unidos. Anunciou que o Brasil vai tocar a obra, mesmo sem o aporte enganoso de Chávez. O mercado levou um susto — que se soma ao anúncio do BNDES de R$ 300 bilhões para ajudar a indústria, soando como o velho protecionismo —, derrubou a bolsa e levantou mais desconfianças no exterior. 

Enquanto isso, em Davos, na pesquisa da PwC, pela primeira vez em dez anos o Brasil ficou fora da lista dos dez países preferidos para investimentos de risco. Desconfianças justificáveis, uma vez que, com a promessa de facilitar licenças ambientais para a Vale, o governo tentou impor Guido Mantega como CEO da empresa privatizada há 27 anos. O mercado levou um susto, e as ações despencaram. O governo não entende que a Previ, com 8,6% das ações da Vale, é dos funcionários do Banco do Brasil, e não do Tesouro. Isso ajudou a queda do Brasil no Índice de Percepção da Corrupção. Fomos para o 104º lugar. Esse ambiente favorece a emenda negociada no Congresso por Campos Neto, para consolidar a autonomia do Banco Central — Lula quer o Bacen fiscalizado pelo Conselho Monetário Nacional; Campos Neto se movimenta para deixá-lo sob a fiscalização do Legislativo, a que está vinculado o TCU. Pelo menos se salva a defesa da moeda e do crédito. Aliás, no fim de janeiro foram divulgados os números da dívida pública. Como consequência do desequilíbrio fiscal, o débito subiu R$ 600 bilhões no ano passado.

E, antes que janeiro terminasse, saíram os números do Tesouro, com um rombo de R$ 230 bilhões em 2023. Fácil de entender: com incertezas na gestão econômica do governo, a arrecadação subiu 2,12% e, com o inchaço do governo Lula, os gastos cresceram 12,55%. Neste reinício de ano legislativo ainda haverá a reação de deputados e senadores ao veto a mais da metade dos R$ 11 bilhões para emendas, no orçamento deste ano. Emendas já anunciadas pelos autores a seus prefeitos e suas bases. Não deve ser uma reação branda, mas fisiológica e dura como uma pedra. A via dolorosa de Lula vem sendo pavimentada pelo próprio presidente, não com as pedras da oposição. E ainda tem o calvário pela frente.

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