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Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 204

Fale a coisa certa

O ódio sempre aparece, mais cedo ou mais tarde, no discurso fascista. Ódio e desinformação andam sempre juntos

Guilherme Fiuza
-

— E aí? Como foi de Carnaval?

— Tranquilo.

— Como assim?

— Foi tranquilo. Relax.

— Acho que você não entendeu a minha pergunta.

— Você não me perguntou como foi meu Carnaval?

— Exatamente.

— Então? Foi isso que te respondi.

— Resposta estranha.

— Por quê?

— Porque você disse que foi tranquilo.

— Ué? Qual é o problema? Cada um passa o Carnaval como preferir, certo? Como foi o seu?

— Não foge do assunto.

— Hein?

— Não estamos falando do meu Carnaval. Estamos falando do seu Carnaval.

— Só perguntei sobre o seu pra exemplificar as diferenças de opções.

— As minhas opções não estão em discussão e não podem servir para encobrir a sua desinformação.

— Que desinformação, meu caro?

— Fica calmo. Vamos manter o nível da conversa. Por que esse tema te deixa nervoso? Tem algo a esconder?

— Não estou nervoso. Estou tranquilo.

— Vai insistir nessa versão?

— E eu lá preciso de versão? Que versão, querido?

— A versão da tranquilidade. É a segunda vez que você usa.

— Não é versão. É fato.

— Não teme ser acusado de fake news?

— Por quê?

— Você disse que o seu Carnaval foi tranquilo. Carnaval não é, por definição, uma coisa tranquila.

— Por que eu não posso ter optado por um Carnaval tranquilo?

— Porque aí você não terá optado pelo Carnaval. Terá optado por fugir do Carnaval.

— Interpreta como você quiser.

— Não adianta jogar a responsabilidade pra mim. Seja responsável pelo que diz.

— O que eu tinha a dizer eu já disse.

— Não tem mais nada a declarar? É curioso que você alegue seu direito de ficar em silêncio justamente ao cair em contradição.

— Que contradição, maluco? Vai procurar o que fazer.

— O ódio sempre aparece, mais cedo ou mais tarde, no discurso fascista. Ódio e desinformação andam sempre juntos.

— Qual foi a minha “desinformação”?

— Você sabe muito bem.

— Não sei, não. E, se você não fundamentar a sua acusação, a desinformação será sua.

— Ok. Você disse que o seu Carnaval foi tranquilo. E, de acordo com as normas do idioma, inseridas no arcabouço constitucional à luz do Estado Democrático de Direito, Carnaval é uma manifestação popular associada à alegria, à efusividade, ao extravasamento e até ao alvoroço, jamais à tranquilidade, como você insinua. No cancioneiro popular o Carnaval chega a ser descrito como uma “ofegante epidemia”. Entendeu a gravidade do seu falso testemunho?

— Entendi.

— Que bom. Mas não vamos negar-lhe o direito à defesa. Tem algo mais a declarar?

— Sim.

— Pois não.

— Meu Carnaval foi febril. Uma completa loucura.

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

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14 comentários
  1. Olívia Mattos
    Olívia Mattos

    Maravilhoso como sempre

  2. Maria Ester Ibiapina Mendes de Carvalho
    Maria Ester Ibiapina Mendes de Carvalho

    Fiúza, como sempre, pródigo em termos de Sabedoria

  3. MB
    MB

    Exatamente isso. A maioria a minha volta me abordaria desse jeito. Mas como sou previdente passei o carnaval escondido. Loucura!

  4. Ricardo Leite de Sousa
    Ricardo Leite de Sousa

    Show, Fiuza.

  5. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    sensacional Fiuza !!

  6. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    São os jacobinos. Como bem fala Ana Paula Henkel.

  7. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esse é o bate papo de doido

  8. Emilio Sani
    Emilio Sani

    me lembrei do pasquim,,,só que hoje é muito pior, escrever está perigosíssimo, e os que o fazem estando no Brasil merecem nosso respeito pela coragem, e necessitamos MUITO também dos que já estão fora e por isso podem escrever sem se preocupar, principalmente nos EUA, pois nem em outros países dá pra confiar mais, obrigado a todos, ém muit importante ter Oeste e Gazeta para a posteridade, e espero que este período dure pouco, me junto ao xuxu nas rezas, apesar de que se a natureza demorar pode nos colocar num período longo, com direito até a janjita ao invés de xuxu

  9. jorge alves
    jorge alves

    CARNAVAL festinha do CAPETA e dos LALAUS rsss

  10. Ana Cláudia Chaves da Silva
    Ana Cláudia Chaves da Silva

    Muito bom. Este texto lembra o livro 1984.

  11. RODRIGO DE SOUZA COSTA
    RODRIGO DE SOUZA COSTA

    Conversas de um deus do Esseteef com um reles mortal.

  12. Raimundo Rabelo Lucas
    Raimundo Rabelo Lucas

    kkkkkkkkk Sem comentários.

  13. Joao Pita Canettieri
    Joao Pita Canettieri

    *Revista Oeste – Edição 204* *Parabéns e não abandonem o Brasil* Guilherme Fiúza você é DEZ.

  14. Humberto Avallone Venditto
    Humberto Avallone Venditto

    Fiuza voce é demais. Mas acredito que não chegou no ponto final que eu gostaria de chegar. . Eu terminaria com uma bela risada

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