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Foto: Montagem Revista Oeste/Ricardo Stuckert/Wikimedia Commons/Reprodução
Edição 204

O Brasil do avesso

Pesquisas mostram que o brasileiro não aprova a perseguição do Supremo a Jair Bolsonaro e muito menos o que Lula está fazendo na Presidência da República

Silvio Navarro
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Duas pesquisas de opinião divulgadas neste mês, feitas por institutos diferentes e com propostas distintas, são reveladoras de como o brasileiro compreende o que está acontecendo desde as eleições no país. A primeira sondagem mostra que a maioria da população avalia que o Judiciário comete abusos ao perseguir o ex-presidente Jair Bolsonaro e quem se opõe ao governo Lula. O segundo levantamento é massacrante para o petista: três a cada quatro pessoas não sabem citar algo positivo sobre sua gestão. A percepção dos brasileiros é que as instituições estão do avesso.

A pesquisa Atlas-Intel questionou 1.615 pessoas sobre o papel do Judiciário logo depois da megaoperação da Polícia Federal, a mando do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada. Foram cumpridos 33 mandados de busca e apreensão. A lista de alvos incluía o próprio Bolsonaro, militares de alta patente e o presidente do maior partido do Congresso Nacional, Valdemar Costa Neto, do PL. Quatro pessoas foram presas, além do próprio Valdemar — no caso dele, porque a polícia achou uma pepita de ouro guardada em casa.

O resultado é aterrador para o discurso de “guardião da democracia” do Supremo: 47% dos brasileiros disseram que o país “vive sob uma ditadura do Judiciário”. O quadro ainda piora porque, para outros 17%, juízes “cometem abusos e ultrapassam suas atribuições”. Ou seja, uma maioria de 64% está desconfortável com o papel desempenhado pelo STF, que parece ter se desconectado de vez de sua premissa original na Praça dos Três Poderes.

Foi a primeira vez que um instituto de pesquisas saiu a campo com um questionário dedicado à perseguição do Judiciário à chamada “direita” na política e o risco de prisão de Jair Bolsonaro — independentemente do motivo. A pergunta feita pelo entrevistador foi exatamente esta: “Independentemente da sua avaliação sobre a culpabilidade do ex-presidente, você acredita que Jair Bolsonaro será preso neste ano?”. Responderam “sim” 38% dos que foram ouvidos.

Aos números, somam-se críticas abertas de diversos setores da sociedade à condução das investigações por Alexandre de Moraes e pela Polícia Federal, ainda sob o comando de indicados por Flávio Dino. Uma das manifestações mais contundentes foi feita na quarta-feira, 14, pelo criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, sobre a decisão inédita de Moraes de proibir que advogados dos investigados se comuniquem entre si.

“É uma afronta aos advogados”, disse Mariz, que nem de longe pode ser chamado de “bolsonarista” ou alinhado a correntes políticas conservadoras. “Nem na época da ditadura militar isso ocorreu. Éramos proibidos de falar com nossos clientes, mas podíamos conversar entre nós”, completou.

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado criminalista | Foto: Divulgação

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu que a decisão fosse revista, assim como o retorno presencial das sustentações orais em defesa dos réus do 8 de janeiro. Os advogados afirmam que o simples envio de vídeos on-line configura cerceamento de defesa.

“É uma violação flagrante da prerrogativa estrutural da advocacia”, diz a nota sobre Moraes. “A decisão não pode, em nenhuma hipótese, atingir o direito de defesa dos investigados, tampouco ferir de morte a atuação profissional dos seus advogados.”

Ex-ministro da Suprema Corte, onde passou três décadas, e ex-presidente do TSE três vezes, Marco Aurélio Mello disse em entrevista à revista Veja que “é hora de o STF tirar o pé do acelerador”.

“Isso está sendo tocado de forma muito abrangente, o que implica desgaste para a instituição do Supremo. É hora de temperança, de se presumir não o excepcional, mas o corriqueiro, o ordinário”, diz Mello. “No direito, há uma máxima: o meio justifica o fim, e não o fim ao meio. Uma busca e apreensão na casa de um cidadão enxovalha o perfil dele. Vamos apurar sem açodamento.”

Marco Aurélio Mello, ministro aposentado do STF e ex-presidente do TSE | Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Nas redes sociais e em artigos publicados, profissionais do Direito afirmam que há pobreza material nas investigações e abuso da prática de fishing expedition (pesca probatória), que vai na contramão do ordenamento jurídico brasileiro. O gabinete de Moraes mantém de seis a nove inquéritos abertos em sigilo — nem advogados sabem precisar o número —, que se entrelaçam. O inquérito-matriz completa cinco anos em março.

Somente no caso da operação da semana passada, batizada de Tempus Veritatis (“hora da verdade”, em latim), a Polícia Federal indicou que atua simultaneamente em cinco frentes contra Jair Bolsonaro e seus aliados, sem contar a “importunação a uma baleia jubarte no litoral”:

  • Ataques virtuais a opositores;
  • ataques ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral, ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral;
  • tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
  • ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia;
  • uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens (uso dos cartões corporativos para pagamento de despesas pessoais, falsificação de cartões de vacina e desvio de jóias [sic] entregues por autoridades estrangeiras a Bolsonaro para enriquecimento ilícito.
Alexandre de Moraes, em sessão do STF (7/2/2024) | Foto: Antonio Augusto/SCO/STF

Para sustentar as sucessivas ações policiais, Moraes diz que a Polícia Federal juntou peças sobre uma trama de “golpe de Estado”, que deveria ter sido sacramentada na baderna do dia 8 de janeiro do ano passado. A tese, encampada pelas redações da imprensa tradicional, é que a insurreição bolsonarista tinha uma minuta apócrifa, foi ajustada em reunião filmada — com a presença de um fotógrafo e de garçons — e pode ser confirmada em áudios trocados pelo WhatsApp por militares investigados.

“Os áudios não são conclusivos a respeito do que se planejava e, do ponto de vista jurídico, não cabe ao Judiciário fazer ilações ou conjecturas. Além disso, planejar não é crime. O crime é tentar ou fazer, ou seja, iniciar a conduta delituosa — e isso não ocorreu”, afirmou em artigo o advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão.

Nesta semana, os advogados de Bolsonaro pediram que Alexandre de Moraes devolva o passaporte do ex-presidente. Não há uma explicação para impedir um líder político de se encontrar com os de outros países, como o norte-americano Donald Trump ou o argentino Javier Milei.

posse milei argentina
Javier Milei, presidente da Argentina, e o ex-presidente Jair Bolsonaro, durante encontro em Buenos Aires (9/12/2023) | Foto: Reprodução

A defesa dos investigados pelo STF insiste também que os recursos sejam analisados pelo Plenário do Supremo, e não só pelo gabinete de Moraes. No caso do ministro, uma frente de juristas cobra que ele deixe a relatoria do caso. O argumento é sólido: o juiz não pode ser a vítima no processo penal. Ele afirma que a “insurreição bolsonarista” queria prendê-lo.

Bolsonaro pretende fazer sua defesa em praça pública, no dia 25, em ato convocado para a Avenida Paulista, em São Paulo. Deverá ter a companhia de políticos e líderes da sociedade civil. Ele pediu que os apoiadores não levem cartazes nem faixas com dizeres. Se conseguir juntar uma multidão em manifestação pacífica, será uma demonstração de força.

Governo à deriva

Paralelamente à perseguição policial sem precedentes contra o grupo político de Bolsonaro, o Palácio do Planalto voltou a ficar vazio nesta semana. Lula e a primeira-dama, Janja da Silva, embarcaram para o Egito. É o 25ª país que o casal visita em um ano — somados, já são mais de 60 dias no exterior. Tão logo desembarcou, os petistas foram conhecer as Pirâmides de Gizé. A emissora CNN disse que se tratava “do único compromisso oficial no dia” e que eles estavam acompanhados do egiptologista Khaled al-Anani.

Notícia publicada pela CNN (14/2/2024) | Foto: Reprodução/CNN

A sensação de que o país está à deriva foi constatada em pesquisa do Instituto Paraná, que entrevistou pessoalmente 2.026 eleitores em 164 cidades, de todos os Estados, seguindo parâmetros estabelecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O questionamento foi: “O senhor saberia dizer alguma obra, medida administrativa ou benefício à população que o governo do presidente Lula realizou ou está realizando até o momento?”.

Não é necessário consultar nenhum analista político para compreender o resultado: 73% das pessoas não sabem o que Lula fez de bom para o país depois de um ano. O grupo que apontou algum benefício à população citou, majoritariamente, o programa Bolsa Família — embora o petista tenha cortado R$ 3 milhões do auxílio, segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. A associação de Lula ao programa, contudo, é fruto do recall natural, já que se trata de uma bandeira do PT desde o primeiro mandato.

O passeio de Lula para o Egito ocorre, por exemplo, no momento em que o Brasil vive uma epidemia de dengue sem precedentes, a inédita fuga de presos de uma unidade federal de segurança máxima e uma escalada de tensão política promovida pelo Judiciário. Pouco mais de um ano depois da posse de Lula, a sociedade dá sinais claros — agora respaldados em pesquisas de opinião — de insatisfação com o consórcio de poder que se instalou em Brasília.

Leia também “Perseguição implacável”

11 comentários
  1. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Silvio, sugiro entrevistar FHC e toda tucanagem de juristas, economistas, intelectuais, artistas e religiosos tipo Alckimin para sabermos qual interpretação tem dessa desordem inconstitucional do CONSORCIO LULA/STF/TSE/IMPRENSA VELHA CARCOMIDA.

  2. Jorge da Rosa
    Jorge da Rosa

    As análises de Silvio Navarro são extraordinárias. Gratidão pelo seu excepcional trabalho!

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Sou de Maceió e infelizmente não poderei comparecer a São Paulo no dia 25. Estarei acompanhando nas redes e torcendo que a Paulista encha de gente do bem.

  4. EDUARDO SILINGARDI LOPES
    EDUARDO SILINGARDI LOPES

    OAB COVARDE

  5. MNJM
    MNJM

    Parabéns Silvio. O povo acordou está vendo o desastre do governo do descondenado. A ditadura da toga, promovida por Moraes, desmoraliza a Instituição que deveria ter o respeito de todos os cidadãos.

  6. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O Brasil e o mundo sabe que esse Lula e esse STF é uma corja de ladrão, não tem que levar no banho-maria, nem passar pano nem eufemismo, tem é que botar tudinho na cadeia e fuzilar os generais bandidos ladrões comunistas terroristas genocidas

  7. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Brasil, um país à margem da Lei.
    Estamos na desordem política e judicial e isso pode representar o estopim para a desordem social.

  8. Francisco de Assis
    Francisco de Assis

    luladrão não para de viajar para fora do país é porquê ele não tem chão para pisar neste país. Isto é fato!

  9. Marcos Bovolon
    Marcos Bovolon

    Eu não sei o que uma multidão espalhada pela avenida paulista possa significar para esta casta da elite que está encrustada em Brasília? A velha imprensa só pensa nas verbas publicitárias que recebe do governo, o grupo prerrogativas que vive à margem e as custas de processos no supremo provoca ainda mais turbulência no caos que o partido político do STF decidiu para o que é melhor aos cidadãos sem se importar com o que os próprios cidadãos pensam a respeito da democracia que estamos vivendo atualmente.

  10. jorge alves
    jorge alves

    OAB PGR CGU TCU DEPUTADOS SENADORES todos frouxos omissos covardes só vivem de BLÁ BLÁ !!!!!!!!

  11. Joao Pita Canettieri
    Joao Pita Canettieri

    *Revista Oeste – Edição 204* *Parabéns e não abandonem o Brasil* Silvio Navarro hoje adoro você.

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