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Foto: Montagem Revista Oeste/Midjourney
Edição 204

O jogo do poder na CBF

Com um largo histórico de polêmicas e acusações de corrupção, entidade agora conta com a ajuda de Gilmar Mendes

eugenio goussinsky
Eugenio Goussinsky
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A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem como missão liderar e promover a prática do futebol no Brasil. Isso em um país no qual 82% da população aprecia esse esporte, segundo a consultoria EY. Mesmo com autonomia e sem recursos públicos, o apelo do produto que administra levou a CBF a ser uma instituição privada que vive do interesse público. E que há décadas acumula uma série de escândalos de corrupção.

A última confusão envolveu o atual presidente da entidade, Ednaldo Rodrigues. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) contestou a eleição de Ednaldo em 2022, e ele deixou o cargo em 7 de dezembro de 2023. Pouco mais de um mês depois, contudo, ele retornou à presidência da CBF graças a uma liminar concedida em caráter monocrático pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A iniciativa de Mendes mostra quanto as esferas pública e privada estão misturadas. O juiz é sócio do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), que em agosto assinou parceria com a CBF, por meio da CBF Academy. Mesmo assim, Mendes não se declarou impedido de atuar no caso.

Ele aceitou o argumento de que esse imbróglio afeta o interesse público. Poderia deixar o Brasil de fora de importantes competições, já que a Fifa proíbe o ingresso de seus filiados na Justiça Comum. A decisão do ministro ainda deverá ser referendada pelo plenário do STF. Até lá, o mandato de Ednaldo continua valendo até 2026, como previsto quando foi eleito.

“O escândalo do dia é Gilmar Mendes aceitar a Ação Direta de Inconstitucionalidade do presidente da CBF que, há quatro meses, assinou parceria com o instituto do qual é sócio”, escreveu o jornalista Paulo Vinícius Coelho. “O correto seria Gilmar Mendes declarar-se impedido. O conflito de interesses é evidente.”

“Esse acordo [entre IDP e CBF] foi firmado pela pessoa que o ministro reconduziu ao cargo”, afirma a advogada Tamara Segal, especialista em Direito civil e penal. “Esse ato pode ser enquadrado como caso de impedimento, podendo ser arguido a qualquer tempo.”

Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF | Foto: Reprodução/Redes Sociais
Falta de transparência

A CBF foi criada em 1979, por determinação da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa), para fomentar e gerir o futebol brasileiro. Naquele ano, a CBF se desmembrou da então Confederação Brasileira de Desportos (CBD), ligada ao poder público. 

De instituição endividada, a CBF se tornou rentável por meio da utilização de sua maior marca: a seleção brasileira de futebol. Grandes contratos de patrocínio passaram a encher os cofres da entidade. Enriqueceram também muitos dirigentes, que, além do dinheiro, viam no futebol uma maneira de concentração de poder. Consequências: uma série de escândalos financeiros e instabilidades políticas — como a que envolveu o atual presidente.

“Os casos de desvio de finalidade ou gestão temerária de entidades estão quase sempre ligados à falta de transparência”, ressalta o advogado Tullo Cavallazzi Filho, especialista em Direito esportivo. “Historicamente, muitos clubes de futebol e entidades desportivas, pelo ambiente amador em que foram criados, foram geridos sem ferramentas de controle e transparência dos atos de seus gestores.”

A CPI da Nike

No balanço de 2023, a CBF obteve receita recorde de mais de R$ 1 bilhão. O crescimento das cifras teve início na gestão de Giulite Coutinho, de 1980 a 1986, quando a CBF passou a ter no patrocínio uma fonte determinante de receita. Patrocinada pela estatal Instituto Brasileiro do Café, a seleção do Brasil jogava com o símbolo de um ramo de café no distintivo. 

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Três anos depois, quando Ricardo Teixeira assumiu a presidência, a comercialização da marca se intensificou. Em 1995, depois da conquista do tetracampeonato, Teixeira assinou um dos mais longos patrocínios da história do futebol, com a empresa Nike. O contrato dura até hoje. 

A derrota na final da Copa de 1998, depois da convulsão de Ronaldo, motivou as primeiras turbulências na gestão, por desconfianças quanto ao vínculo com a Nike. 

Foi criada, na Câmara dos Deputados, a Comissão Parlamentar de Inquérito que ficou conhecida como CPI da Nike. A marca de artigos esportivos, que sempre garantiu seguir todos os trâmites legais, estava sendo criticada pelo que muitos deputados consideravam interferência em escalações e definições de amistosos.

Os trabalhos não produziram um relatório final, mas Teixeira ficou acuado. Acusado de lavagem de dinheiro, apropriação indébita, sonegação e evasão de divisas, passou anos sendo pressionado. Renunciou em 2012 e foi banido pela Fifa em 2019. 

Teixeira também foi acusado de receber subornos para votar no Catar como sede da Copa do Mundo de 2022, segundo a Justiça norte-americana. Outra acusação, nesse caso da Justiça espanhola, foi de participação em esquema de desvio de dinheiro de amistosos da seleção brasileira. Ricardo Teixeira nega as acusações e, em 2021, tentou em vão reverter o banimento.

Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, banido pela Fifa em 2019 | Foto: Marcello Casal JR/ABr
Marin e o ‘Fifagate

Os escândalos prosseguiram com seus sucessores. José Maria Marin, ex-governador de São Paulo (1982-1983) e ex-presidente da Federação Paulista de Futebol (1982-1988), assumiu a CBF em 2012. Era ele o presidente na derrota da seleção brasileira por 7 a 1, contra a Alemanha, em 2014. Na gestão dele, a sede da entidade foi transferida de um prédio comercial na Rua da Alfândega, no centro do Rio de Janeiro, para um edifício exclusivo na Barra da Tijuca.

Marin foi preso em 2015, na Suíça, junto com seis executivos da Fifa, em investigação liderada pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), dos Estados Unidos. Foi incluído no chamado “Fifagate“, que levou à queda, entre outros, do presidente da Fifa, Joseph Blatter. 

Uma das acusações era a de participar de esquemas com propinas pagas por empresas de marketing esportivo em troca dos direitos de transmissão e de promoção de campeonatos.

“A CBF, embora seja uma entidade privada, tem estrutura politizada, o que a impede de ter um presidente de alto nível, com reputação e conexão com o mercado”

Marin ficou detido por seis meses em Zurique, depois foi transferido para os Estados Unidos, onde foi condenado a quatro anos de prisão. No julgamento, lamentou que seus atos tenham prejudicado pessoas ou entidades. Ele retornou ao Brasil em 2020, por causa da pandemia de covid-19 e da idade avançada.

Marco Polo Del Nero, que era vice de Marin, assumiu a presidência. Acabou banido do futebol em 2018 pela Fifa, depois de denúncias de propinas em troca de contratos comerciais. Não pode deixar o Brasil, sob risco de ser preso. Elegeu seu sucessor, Rogério Caboclo, que deixou o cargo em 2021, por denúncia de assédio sexual e moral. Del Nero e Caboclo negam as acusações.

Para o advogado Tullo Cavallazzi Filho, a repercussão negativa de casos como esses evidencia que o potencial comercial da CBF está ligado ao interesse público, numa situação peculiar.

“O futebol não tira o caráter privado da CBF, mas lhe impõe muitas obrigações de caráter público”, ressalta o advogado. “O futebol é a paixão nacional e, como esporte, por força da Constituição, tem função social indissociável do interesse público. Nesse caso, o que o Estado procura fazer é editar normas que garantam o máximo de transparência, governança e responsabilização das entidades e dirigentes. A Lei Pelé [1998], o Estatuto do Torcedor [2003], a Lei Geral do Esporte [2022] e o próprio Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro [Profut, de 2015] são bons exemplos.”

José Maria Marin, ex-presidente da CBF, envolvido no “Fifagate” e preso na Suíça em 2015 | Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
O caso Ednaldo Rodrigues

O drama atual começou em 2021. Ednaldo Rodrigues, que era um dos vices, assumiu para completar o mandato de Caboclo. Por ter sido presidente da Federação Baiana de Futebol (2001-2018), já era calejado nos meandros políticos. No início da gestão na CBF, ele tentou anular uma ação de 2015 em que os clubes das Séries A e B pediam na Justiça o direito a voto para a presidência. Entrou em acordo com o Ministério Público (MP), dentro de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

O termo, de 2022, propunha novas mudanças e, por sugestão de Ednaldo, acatada pelos clubes, a eleição foi antecipada. Ele foi eleito em 2022, com mandato até 2026. Alguns dos vices eleitos para o período de 2017 a 2023 deixaram os cargos. E contestaram o TAC que possibilitou a eleição de Ednaldo.

No dia 7 de dezembro, o TJ-RJ acatou a queixa dos vices e determinou a anulação daquele pleito. Considerou que o TAC era uma interferência indevida da Justiça. 

Ednaldo deixou o cargo, mas voltou com a liminar de Mendes, em concordância com a ação de inconstitucionalidade, ajuizada pelo PCdoB. Contatados por Oeste, Mendes e Ednaldo não retornaram.

Disputa pelo cargo

“O problema político da CBF sempre foi assim, com dificuldades, denúncias, gente querendo poder.” O diagnóstico é de Marco Aurélio Cunha, que trabalhou na Confederação entre 2015 e 2020, como coordenador de seleções femininas. “Lá existe uma competição muito grande de fora para dentro para ocupar aquele cargo de presidente da CBF. Que, para mim, é maior do que o de um prefeito de uma cidade. É muito almejado.”

Marco Aurélio lembra que a CBF, porém, também se modernizou. Tem boa estrutura e paga bons salários. Criou cursos, como os da CBF Academy, que ligam o futebol a áreas como a jurídica e a financeira, e se dividiu em vários departamentos. Os patrocínios são a maior fonte de receita. Outras fontes são os direitos de transmissão, bilheterias de jogos das seleções e taxas de inscrição e transferências.

Segundo o jornal Lance, os contratos de patrocínio representam 53% do faturamento. A entidade recebeu, em 2022, mais de R$ 550 milhões com acordos comerciais. Das 16 empresas parceiras da CBF, 12 são denominadas patrocinadoras; e quatro, apoiadoras. 

A consultoria EY, em 2020, informou que o futebol movimenta, de forma direta, quase R$ 53 bilhões na economia brasileira, o que equivale a 0,72% do Produto Interno Bruto (PIB).

Marco Aurélio Cunha, que trabalhou na CBF entre 2015 e 2020, como coordenador de seleções femininas | Foto: Reprodução/Redes Sociais
‘Mensagem muito ruim’

A CBF, no entanto, poderia ser uma potência econômica muito mais eficiente, de acordo com Paulo Beltrão, especialista em marketing e CEO da Network Media: “Quando se fala em equipes pelo mundo, a seleção brasileira ainda é o maior ativo do futebol mundial. A CBF, embora seja uma entidade privada, tem estrutura politizada, o que a impede de ter um presidente de alto nível, com reputação e conexão com o mercado”.

Para Beltrão, a evolução que ocorreu nos clubes, com a criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), a profissionalização e as negociações por uma liga independente, não foi suficiente para acompanhar o nível de gestão de outros centros.

Há anos o futebol brasileiro não é mais protagonista. Existem outras razões, mas pesa o fato de a entidade não valorizar da melhor maneira o seu produto. A situação instável de Ednaldo, segundo Beltrão, é mais um capítulo nessa tumultuada trajetória. “O ponto negativo é que esse entra e sai do presidente afeta o compliance [‘transparência’]”, ressalta. “Esse enredo passa uma mensagem muito ruim para potenciais e futuros patrocinadores, além de desvalorizar a marca pelo mundo.”

Leia também “O drama no cativeiro do Hamas”

8 comentários
  1. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Lastimável

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Não sabia dessa relação promíscua do Gilmar Mendes com a CBF. Obrigado a Revista Oeste por sempre abrir os olhos da sociedade brasileira.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Fecha esse covil chamado STF e bota Bolsonaro e Cleitin cada um com um Fuzil na mão, “aqui só entra ministro honesto “

  4. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Não se tem comprovação de que Charles Degaulle tenha falado que o Brasil não é um país sério.
    Eu tenho certeza que não é.
    Ano passado o STF, na pessoa do advogado togado Dias Toffoli “confirmou” que o Sport Recife é o único campeão brasileiro de 1987.
    Essa sentença certamente mudou os rumos e a vida (sic) de milhões de brasileiros.
    Eugenio Goussinsky afirma em seu artigo que o esporte é apreciado por 82% da população.
    Eu faço parte dos 18% que sequer sabe o nome do goleiro da “seleção” de futebol.
    A corrupção no esporte é tão acentuada e sempre lembrada pela grande atleta e hoje jornalista Ana Paula Henkel que o Congresso Nacional deve ser o único parlamento no mundo que possui uma bancada da “bola”.

    1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
      Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

      Gostei do termo “advogado togado”.

  5. CARLOS ALBERTO DE MORAES
    CARLOS ALBERTO DE MORAES

    STF impõe sua ditadura até no futebol… logo estarão interferindo nos resultados dos jogos.

  6. Emilio Sani
    Emilio Sani

    mas agora que estão ‘devidamente desacovardados’ nenhum deles tem nem vergonha de fazer tudo às claras mesmo, afinal, em ditadura obedece quem tem juizo…

  7. Joao Pita Canettieri
    Joao Pita Canettieri

    *Revista Oeste – Edição 204* *Parabéns e não abandonem o Brasil*

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