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Celso Amorim e Janja | Foto: Montagem Revista Oeste/Ricardo Stuckert
Edição 205

Diplomacia sequestrada

Lula já conseguiu reaproximar o Brasil de ditaduras de esquerda, irritar os Estados Unidos e abrir a maior crise diplomática em séculos ao se meter na guerra de Israel

Silvio Navarro
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Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao poder há quase 14 meses. Nesse curto período, ele foi capaz de mergulhar a diplomacia brasileira num patamar sem precedentes na história: reatou a aliança com as ditaduras de Cuba e Venezuela, tentou interferir na eleição da Argentina, fez sucessivos acenos ao eixo Rússia-China, acabou escanteado até por países africanos, irritou os Estados Unidos e, na semana passada, agrediu Israel sem nenhum pudor. Lula sequestrou a diplomacia com uma agenda ideológica contra os valores do Ocidente.

O episódio mais emblemático, evidentemente, foi a ofensa aos judeus, tema do artigo de capa desta edição. Mas não foi o único. Na mesma semana, o petista foi desprezado por líderes de países africanos num evento organizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) sobre “financiamento climático”. O encontro foi desmarcado na véspera por “ausência de autoridades”, justificada por atrasos em voos ou reuniões emergenciais. Foram canceladas agendas com o Quênia, Nigéria e representantes do Banco Africano de Desenvolvimento.

O recado parece claro, a despeito do silêncio das redações da velha imprensa, empenhada em emplacar a imagem do líder mundial que não é. Tampouco Lula tem a estatura de ícone global que acha que tem. Não ostenta sequer a aura do metalúrgico que chegou ao poder na virada do século, com discurso de combate à fome e fortalecimento do bloco sul-americano — hoje, os presidentes da Argentina e do Uruguai não querem recebê-lo.

Luis Lacalle Pou, presidente do Uruguai | Foto: Shutterstock

Sem clima para andar nas ruas do Brasil, sem dinheiro para inaugurar obras da agenda desenvolvimentista de outrora e sem público nas redes sociais, Lula tenta viajar pelo mundo. A escolha dos destinos é feita pelo assessor internacional, Celso Amorim, e pela primeira-dama, Janja da Silva. O chanceler de fato, Mauro Vieira, só atua como uma espécie de bombeiro para minimizar o estrago das declarações do presidente.

Mas nada parece dar certo. Na África, por exemplo, Lula teve de se contentar com uma conversa a portas fechadas com o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, denunciado por promover o assassinato de centenas de rebeldes opositores no país. Como Ahmed é alvo de críticas dos jornais, a imprensa não foi autorizada a entrar — os jornalistas brasileiros que viajaram atrás do presidente, consequentemente, ficaram na mão. Não houve o tradicional pronunciamento conjunto dos líderes. A assessoria de Lula disse apenas que foram tratadas pautas de cooperação e comércio.

Lula e Janja posaram para fotos praticamente sozinhos. Foi o 25º país visitado desde janeiro do ano passado, em 16 embarques internacionais com comitivas. O casal já passou 65 dias no exterior. Antes de desembarcar na Etiópia, Janja quis conhecer a Esfinge e as Pirâmides de Gizé, no Egito.

Lula e Janja no Egito | Foto: Ricardo Stuckert/Reprodução
Lula durante a cerimônia de oferenda floral em homenagem aos heróis caídos na Batalha de Aduá, no Memorial de Aduá, em Adis Abeba, na Etiópia (16/2/2024) | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Ainda na Etiópia, Lula fez questão de fazer outro aceno ao russo Vladimir Putin, que não pode pisar em alguns países do mundo porque tem um pedido de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, na Holanda. Ele é acusado de crimes de guerra — deportação ilegal de crianças ucranianas. O petista não só convidou Putin a vir ao Brasil quando quiser, como minimizou a morte de um dos seus opositores numa colônia penal neste mês. Disse que, “por questão de bom senso”, não se manifestaria sobre a morte de Alexei Navalny, de 47 anos. “Para que essa pressa de acusar alguém?”, perguntou. “Se a morte está sob suspeita, nós temos de, primeiro, fazer uma investigação.”

É importante lembrar que também nessa guerra, ainda em curso no Leste Europeu, Lula quis se meter antes mesmo de ser eleito presidente. Afirmou que seria mediador do conflito entre Putin e o ucraniano Volodymyr Zelensky numa mesa de bar. Lula estava num palco para estudantes de cursos de humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Essa guerra, por tudo que eu compreendo, leio e escuto, seria resolvida aqui no Brasil numa mesa tomando cerveja, se não na primeira, na segunda; se não, na terceira; se não desse na terceira, até acabar as garrafas para um acordo de paz”, disse.

Alexei Navalny em manifestação na Rússia, no Dia da Unidade Nacional, no distrito de Lublino, em Moscou (4/11/2011) | Foto: Shutterstock

Outra notícia que caiu mal, principalmente para os Estados Unidos, foi a retomada do apoio a Cuba. O governo brasileiro entregou 125 toneladas de leite em pó, arroz e milho para a ilha comunista, a título de “promover a segurança alimentar e nutricional da América Latina”.

Cuba deve US$ 500 milhões ao Brasil pela linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do Porto de Mariel, pela empreiteira Odebrecht. É uma das obras absurdas do Petrolão, que remete aos tempos da Lava Jato. O contrato ainda tem o detalhe de ter o lastro da dívida firmado em charutos, que tampouco foram enviados.

Não é exagero afirmar que a maioria dos diplomatas brasileiros desaprova a atual gestão do Ministério das Relações Exteriores. Isso é facilmente detectado no silêncio do Itamaraty, dos tradicionais jantares em embaixadas e dos sucessivos cancelamentos de agendas

O roteiro não muda muito com a Venezuela, que deve US$ 1,3 bilhão emprestados pelo BNDES para o metrô de Caracas e uma usina. Depois de receber o ditador Nicolás Maduro em Brasília, Lula disse que o dinheiro não chegou por culpa de Jair Bolsonaro. “Vamos ser francos: os países que não pagaram, seja Cuba ou Venezuela, é porque o presidente [Jair Bolsonaro] resolveu cortar relação internacional com esses países. Foi para não cobrar e poder ficar nos acusando — ele deixou de cobrar. Tenho certeza que, no nosso governo, esses países vão pagar”, completou. Até agora, ninguém pagou.

Dilma Rousseff e Raúl Castro, durante inauguração do Porto de Mariel, em Cuba (28/1/2014) | Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência da República

Nesse período, o petista ainda tentou atrapalhar, sem sucesso, a eleição de Javier Milei na Argentina. O libertário derrotou o “kirchnerismo” — ou peronismo à brasileira, aliado de Lula. Mas o brasileiro mandou marqueteiros e auxiliares para tentar impor uma “campanha do medo” caso Milei vencesse, similar à usada pelo PT no passado, com a ameaça de cancelamento de benefícios sociais se o governo trocasse de mãos.

Crise no Itamaraty

Não é exagero afirmar que a maioria dos diplomatas brasileiros desaprova a atual gestão do Ministério das Relações Exteriores. Isso é facilmente detectado no silêncio do Itamaraty, dos tradicionais jantares em embaixadas e dos sucessivos cancelamentos de agendas. O principal motivo é o envolvimento do Brasil na guerra em Israel. Isso passa, inevitavelmente, pela figura do chanceler informal, Celso Amorim, oficialmente no posto de assessor para assuntos internacionais.

Notícia publicada no jornal O Globo (22/2/2024) | Foto: Reprodução/O Globo

Amorim ocupou o cargo de chanceler nos governos petistas anteriores, mas ainda é quem dá as cartas — e quem Lula ouve durante os longos voos internacionais. Ele costuma liderar as chamadas viagens precursoras, uma espécie de expedição prévia ao país a ser visitado pelo presidente. Faz contatos, organiza as agendas e o que será divulgado pela imprensa. Amorim tem predileção pelo Oriente Médio e o conflito de Israel. É entusiasta da causa palestina, mas deixou sua paixão extrapolar pela aproximação com as ideias do grupo terrorista Hamas. Em 2022, prefaciou um livro do pesquisador Daud Abdullah, sobre o “lado diplomático” do Hamas. Na obra Engajando o Mundo: a Construção da Política Externa do Hamas (Editora Memo), ele conseguiu atribuir aos terroristas “um papel central na restauração dos direitos palestinos”. Não há nenhuma menção a bombardeios nem a reféns.

Nesta semana, Lula recebeu o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em Brasília. A imprensa tradicional, que acompanha os discursos protocolares, estava preocupada com as reações do visitante à hostilidade de Lula a Israel, principalmente pelo fato de Blinken ser judeu. A preocupação central, conforme apurou a mídia americana, foi outra: atenuar as críticas ao dólar como moeda corrente internacional, que se tornou padrão desde que despachou Dilma Rousseff para o Banco do Brics, na China.

Em meio à confusão, o presidente deve embarcar para outro destino complicado nos próximos dias — que parece ter sido escolhido a dedo. Lula vai à Guiana para uma cúpula anual do Mercado Comum e Comunidade do Caribe. O Brasil não tem nada a ver com as pautas da América Central. Mas o petista quer se meter na briga entre a Guiana e a Venezuela pelo território de Essequibo, um paraíso petrolífero. Não tem como dar certo.

Leia também “O Brasil do avesso”

16 comentários
  1. Anderson Fernando da Silva
    Anderson Fernando da Silva

    Pra ser da esquerda tem que ser feio assim?

  2. simone silva oliveira
    simone silva oliveira

    Repetindo: NÃO TEM COMO DAR CERTO!!!!

  3. Marcelo Mattar Diniz
    Marcelo Mattar Diniz

    A frase final do artigo “não tem como dar certo” não reflete somente a visita do molusco à Guiana. Reflete é o próprio governo do PT. Repetindo: “não tem como dar certo”.

  4. ODAIR DE ALMEIDA LOPES JÚNIOR
    ODAIR DE ALMEIDA LOPES JÚNIOR

    A posição de Blinken em relação às falas do ladrão-presidente, foi lamentável.

  5. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Quando vejo o Celso Amorim, a primeira coisa que me vem a cabeça é a cena relatada por Augusto Nunes. Que o encontrou em um voo internacional, com ele na primeira classe e de pantufas. Típico comunista caviar que luxa com o dinheiro dos outros.

  6. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Silvio sempre com excelentes artigos, próprios da Revista Oeste, Gazeta do Povo, Brasil Paralelo e outras mídias conservadoras e verdadeiras. Todavia, creio que não atinge grande parte da população brasileira que não observa essa realidade, porque o Consorcio da Imprensa continua insistindo no golpe, ou preparação, ou tentativa, ou bilhetinhos do golpe de 8 de janeiro, que levam até o falsário, outrora super religioso, conservador Alckimin a falar no altar da missa em homenagem a posse do ministro Flavio Dino (mentiroso que sumiu com gravações), que: “quis o destino que Flavio Dino fosse Ministro da Justiça e Segurança na hora certa, e no momento certo para ajudar a salvar a DEMOCRACIA e evitar o GOLPISMO.
    Aos 78 anos e ex tucano admirador dessa figura que entendia conservador, super religioso, liberal e democrata, não entendo como um cristão tenha a coragem de homenagear religiosamente um sujeito que tudo fez para simular um golpe em 8 de janeiro em uma manifestação seguramente infiltrada que as gravações do Palácio da Justiça poderiam nos revelar.
    Silvio, sugiro que esta imprensa honesta convide para entrevistas tucanos que fizeram o “L” e colocaram esse falsário na vice presidência de Lula, como FHC, JEREISSATI, DÓRIA, SERRA, celebridades juristas como Miguel Reale Jr., economistas como Pérsio Arida e outros tucanos para nos informar o que acham da atual democracia brasileira, e para onde caminha nosso pais.

  7. Ana Kazan
    Ana Kazan

    Silvio, muito obrigada pelo texto, raciocínio e classe impecáveis.

  8. Celso Ricardo Kfouri Caetano
    Celso Ricardo Kfouri Caetano

    Ainda bem que temos Revista Oeste, Gazeta do Povo e excelentes jornalistas que mostram a realidade que vivemos……ao contrário da Globo e Band que escondem a verdade. Parabéns Silvio Navarro, brilhante e me fez lembrar que Lula também instalou no Brasil o Fórum SP com a participação de “convidados ilustres” debaixo das barbas de nossa gloriosa FFAA…..que vergonha que Geisel, Castelo Branco e outros devem estar sentindo do generalato brasileiro de hoje.

  9. Oldair Dorigon Bianco
    Oldair Dorigon Bianco

    Pária é paria.

  10. Joao Pita Canettieri
    Joao Pita Canettieri

    Vergonha Nacional – DESGOVERNO

  11. Oswaldo Galvão Carvalho
    Oswaldo Galvão Carvalho

    o sr. lulladrão nos envergonha sempre que abre a sua latrina para proferir impropérios.
    trata-se evidentemente de um boçal requintado, apoiado por pessoas desequilibradas e despreparadas.
    o Brasil necessita rapidamente alterar essa situação, pois o caminho que está sendo trilhado não nos favorecerá num futuro muito próximo.
    essa gente tem a capacidade de nos insultar e nos colocar na lixeira do mundo, sempre.
    não me representa.
    pobre e podre Brasil.

  12. MNJM
    MNJM

    Navarro parabéns, o destino do nosso país com esse desequilibrado cachaceiro é o precipício

  13. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esse Lula tá numa situação de isolamento desesperadora, de tanto roubo e crimes contra a soberania nacional e internacional que pra fazer a remissão dos pecados tem que pegar toda pecuária brasileira para o sacrifício num santuário de 300.000 km/2 num ritual em escala industrial

  14. Maki K
    Maki K

    O read me não está funcionando nesta e em algumas outras matérias desta edição.

  15. Edson Carlos de Almeida
    Edson Carlos de Almeida

    Como citou, o mestre Augusto Nunes na edição anterior de Oeste : ” Estadista de galinheiro”.

  16. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Entre uma viagem e outra, viajamos todos às trevas do “paraíso” defendido pelos quadrilheiros políticos de plantão.

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