Amantes do Muro

— Você foi à manifestação?

— Fui.

— Então você é da direita?

— Daonde?

— Da direita.

— Fiquei ali no miolo, não sei dizer exatamente onde.

— Não estou falando de localização na avenida. Estou falando de posição política.

— Ah, tá.

— Então? Você é da direita, certo?

— Eu sou?

— Não é?

— Não sou filiado.

— Não precisa ser de partido.

— Não sou de sindicato também. Nem de movimento. Nem de igreja. Nem de associação. Nem de torcida organizada. Nem de…

— Tá bom! Tá bom! Já entendi. Mas você não tava de verde e amarelo?

— Tava.

— Em geral quem usa verde e amarelo é a direita.

— Depende. O Gerson usava verde e amarelo, não usava?

— Que Gerson?

— O Canhotinha de Ouro.

— Não tem nada a ver. Você tá misturando posição política com disposição tática.

— Não foi minha intenção. Só falei do Gerson porque fui à manifestação com uma camisa da seleção. É uma forma de defender o país.

— Contra a esquerda?

— Contra o autoritarismo.

— Só isso?

— Não. Contra o autoritarismo, a corrupção, a incompetência e a censura.

— Então você apoia as pautas conservadoras.

— Eu apoio a liberdade.

— Na linha dos discursos do deputado e do pastor?

— Não fui ouvir discursos. Fui apoiar a liberdade.

— Mas isso te coloca ao lado dos defensores do liberalismo, certo?

— Não sei o que é liberalismo. Sei o que é liberdade.

— O que é?

— Poder me manifestar por liberdade e não por liberalismo.

— Não adianta tentar se esconder.

— Não mesmo.

— Tem que sair do muro.

— Tem que sair detrás do muro.

— Isso foi uma indireta?

— Não. Direta.

— Direta de direita.

— O Muro caiu há 35 anos mas está intacto na sua cabeça. Sai detrás dele.

— Não consigo.

— Experimenta. Na vida sem muro fica mais difícil arranjarem pretexto para perseguir “o outro lado” em nome da democracia.

— E eu vou viver de quê?

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