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Marco Aurélio Mello, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal | Foto: Nelson Jr/ STF
Edição 206

Marco Aurélio Mello: ‘Anistiar os presos do 8 de janeiro é sadio e civilizado’

O ex-presidente do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral criticou inquéritos na Corte e vê ato pela democracia como demonstração de força

Cristyan Costa
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Marco Aurélio Mello deixou a cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, depois de passar três décadas na Corte. Nesse período, presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) três vezes. É — de longe — um dos nomes mais experientes que já usaram a toga: foi nomeado pelo primo, Fernando Collor de Mello, no começo da década de 1990, e conviveu com todos os presidentes da República desde a redemocratização.

Aos 77 anos, tornou-se também uma rara voz de lucidez em defesa das liberdades constitucionais e contrária ao ativismo crescente do Judiciário. “A Corte tem funções claras definidas pela Constituição, e nada mais”, afirma. Ele diz ser favorável à anistia aos presos pela baderna no 8 de janeiro do ano passado, em Brasília, e não vê motivos para a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Crítico da profusão de inquéritos em curso no Supremo, o ex-ministro relata que soube da abertura do primeiro deles na casa de Luís Roberto Barroso, por meio de Dias Toffoli. “Marco Aurélio, sei que Vossa Excelência não vai concordar”, relembra. “Toffoli nem sequer sorteou o caso, mas, sim, escolheu o seu condutor, o ministro Alexandre de Moraes”, diz.

Marco Aurélio Mello tornou-se uma rara voz de lucidez em defesa das liberdades constitucionais e contrário ao ativismo crescente do Judiciário | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Como o senhor avalia o atual desempenho do Supremo Tribunal Federal?

Sempre sustentei que a competência do Supremo é de direito estrito e não restrito. Ou seja, a Corte tem funções claras definidas pela Constituição, e nada mais. Não compreendo, por exemplo, por que o STF manteve sob sua competência os casos dos envolvidos no lamentável episódio do 8 de janeiro. São cidadãos comuns, sem foro privilegiado, cujos processos deveriam estar com o juiz natural da causa, o de primeira instância. Essas pessoas têm ainda direito à ampla possibilidade de recurso. No entanto, o que temos visto é o STF concluindo ser competente para essas ações penais ao ponto de julgá-las. Entendo ser inconcebível que se tenha no âmbito do Supremo o julgamento de cidadãos comuns.

O que o senhor acha da possibilidade de anistia aos presos pelo 8 de janeiro?

Houve uma manifestação que saiu fora do controle, gerando danos aos prédios públicos. Além disso, o Estado se mostrou ausente quando as forças repressivas deveriam ter evitado a baderna. No entanto, penso que a maioria das pessoas que estiveram na manifestação corresponde a cidadãos de bem que não participaram do quebra-quebra — que todos nós condenamos. A respeito da anistia, entendo que o perdão é sempre bem-vindo. Trata-se de algo sadio e civilizado. Agora, evidentemente, cabe ao Poder Legislativo deliberar nessa questão. Espero também que o Supremo não venha a declarar inconstitucional um diploma que caminhe nesse sentido, após amplo debate no Parlamento.

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Penso que a maioria das pessoas que estiveram na manifestação corresponde a cidadãos de bem que não participaram do quebra-quebra | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
O ex-presidente Jair Bolsonaro é investigado por envolvimento no que é chamado de tentativa de golpe de Estado pelo STF. Como o senhor vê isso?

Aprendi desde cedo a presumir o ordinário, não o extravagante. Por isso, não passa pela minha cabeça que ele pudesse estar envolvido e querendo um golpe. Se o ex-presidente pretendesse isso, teria de contar com as Forças Armadas. O que houve, porém, foi gente acampada na área privativa do Exército, o que, a meu ver, não deveria ter sido permitido. Depois, seguiram para a Esplanada, chegando à Praça dos Três Poderes, ocorrendo a bagunça e a “Babel”. Lembrando que as forças repressivas estiveram ausentes. Não compreendo o fato de que, atuando a polícia repressiva, que é a militar do Distrito Federal, se chegasse a esse ponto.

No domingo 25, mais de 700 mil pessoas foram à Avenida Paulista numa passeata em apoio à democracia e a Jair Bolsonaro. Qual é a análise do senhor sobre o ato? É possível que o ex-presidente seja preso?

A manifestação é algo previsto na Carta Magna, encampada pela liberdade de expressão. Creio que os segmentos políticos e o povo brasileiro devem ter o direito de se manifestar pacificamente. Sobre uma possível prisão, é inconcebível para mim um ex-presidente da República ser preso, como também não passa pela minha cabeça apear do poder um mandatário em exercício. As duas coisas são ruins para a democracia. Evidentemente, temos um inquérito em curso e o desejo de que se chegue ao resultado.

O que a manifestação significou e o que deve ocorrer no futuro?

Sem sombra de dúvidas, o que houve foi uma demonstração de liderança do ex-presidente quanto à direita. Entendo que, nos próximos anos, continuaremos a ter o embate atual entre esquerda e direita. Eu, particularmente, sou contra esse antagonismo. Temos no país três dezenas de siglas, e não apenas o Partido Liberal e o Partido dos Trabalhadores. O leque, portanto, é aberto, e que se pronuncie aquele que detém o poder de fato: o povo brasileiro, que terá o direito de mostrar o que pensa agora, na disputa eleitoral que vai definir prefeitos e vereadores.

A manifestação é algo previsto na Carta Magna, encampada pela liberdade de expressão | Foto: Reuters/Carla Carniel
A oposição acusou a Polícia Federal (PF) de agir como uma polícia política, sobretudo no âmbito de inquéritos no STF. O senhor concorda com isso?

Não, porque a PF atua ante determinação do Poder Judiciário. É uma polícia que merece nosso elogio e que vem cumprindo o seu dever. Volto a repetir: quando ocorrem atos de busca e apreensão ou de prisão, tudo ocorre com mandado expedido pelo Judiciário, ultimamente, pelo STF.

Sobre os inquéritos que existem na Corte, o das fake news, por exemplo, tem cinco anos. Como o senhor analisa isso?

Desde o início, com desassombro, classifiquei o primeiro procedimento como “inquérito do fim do mundo”. Tomei conhecimento de sua instauração, na casa de Luís Roberto Barroso, pelo então presidente do STF, Dias Toffoli: “Determinei, mediante portaria, a instauração de um inquérito e designei o relator. Marco Aurélio, sei que Vossa Excelência não vai concordar”. Perceba que Toffoli nem sequer sorteou o caso, mas, sim, escolheu o seu condutor, o ministro Alexandre de Moraes. A situação é tão delicada que a procuradora-geral da República da época, Raquel Dodge, pediu o arquivamento. O Ministério Público Federal, que deveria ter feito o pedido de abertura da investigação, solicitou o fim do procedimento, porém não foi atendido. Isso, evidentemente, não se coaduna com a organicidade do Direito. As investigações estão ocorrendo há cinco anos, e confesso que não sei com qual finalidade, o que implica ainda um desgaste enorme para o próprio Supremo, por ser a “vítima” que atua como investigador. Vejo como algo ruim para o Estado Democrático de Direito.

O senhor vê um fim para esses inquéritos?

Para falar a verdade, não sei aonde se chegará com isso. Parece-me que cabe tudo dentro do inquérito das fake news. Depois dele, testemunhamos o surgimento de outros inquéritos e sempre direcionados ao ministro Alexandre de Moraes.

Como o senhor vê a reação do Parlamento de limitar decisões monocráticas do STF?

Não podemos ter outra lei para inglês ver. Não concebo essa interferência. A regência da matéria é do regimento interno do STF. Essa tentativa de interferência é indevida. Os Poderes são independentes e harmônicos, e cada qual sob pena de se lançar um bumerangue que virá na própria testa. Precisa-se agir como determina a Constituição.

“Penso que nós devemos guardar, acima de tudo, o respeito à Constituição que a todos indistintamente submete, inclusive o próprio guardião dela, que é o STF”

O senhor presidiu o TSE. Qual deve ser o papel da Corte neste ano?

O de mera coordenação da disputa eleitoral. Espero que o TSE perceba que deve apenas organizar o pleito nos tribunais regionais. Para o futuro, espero ver uma legislação importante que entendo que poderia estar sendo discutida: uma que estabeleça as eleições agrupadas, portanto, municipais, estaduais e federais, juntas. As eleições custam caro ao brasileiro e, com esse agrupamento, teríamos uma economia substancial de recursos gastos a cada dois anos.

Discute-se no TSE a regulamentação da inteligência artificial. O que o senhor pensa a respeito?

Não vejo como se possa chegar a uma regulamentação sem haver retrocessos em termos de democracia e Estado Democrático de Direito. Não há como manietar previamente a vontade dos cidadãos, principalmente na internet, onde a veiculação de ideias é disseminada com velocidade.

Quais são as perspectivas para o Judiciário depois da eleição municipal?

Nós temos o Judiciário atuando. Claro que, como todo Poder, tem lados positivos e negativos, mas buscando sempre o melhor. Penso que nós devemos guardar, acima de tudo, o respeito à Constituição que a todos indistintamente submete, inclusive o próprio guardião dela, que é o STF.

TSE Folha
“Espero que o TSE perceba que deve apenas organizar o pleito nos tribunais regionais”, diz Marco Aurélio Mello | Foto: Luiz Roberto/Secom/TSE

Leia também “Deputado Marcos Pereira: ‘Há uma politização do Judiciário e uma judicialização da política'”

6 comentários
  1. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Depois que saiu do STF, ainda cheio de superficialidade e opiniões filigranadas. Estamos numa ditadura do judiciário com um ladrão analfabeto como presidente fraudado às eleições e isso não é pra inglês ver é pra o mundo ver

  2. Gustavo de Carvalho Barcelos
    Gustavo de Carvalho Barcelos

    Não concordo com anistia. Eu pessoalmente não conseguiria viver em paz como um “anistiado” acusado de um “golpe de estado” oriundo da cabeça dos internados no STF.
    Esse processo absurdo do 8/1 tem que ser cancelado no STF e encaminhado para a instância inicial.
    Obviamente essa tese de golpe é narrativa esquerdista para os absurdos que estamos vendo, e deve ser eliminada. Não há qualquer motivo razoável para aquelas pessoas terem o “privilégio” de serem julgadas diretamente no STF.
    O que houve foi uma manifestação constitucional que descambou para vandalismo. Como eventualmente pode ocorrer com qualquer uma.
    Seguramente houve infiltrados, mas talvez pessoas de bem já no limite do inconformismo tenham se excedido, lamentavelmente.
    Apenas o devido processo legal, conforme o rito Constitucional, os eventuais condenados por vandalismo e crimes similares/relacionados devem, sim, cumprir suas penas, e os danos reparados.
    Portanto, todos os relacionados ao 8/1 deveriam ser imediatamente liberados pela Justiça, por anulação do processo no STF.

  3. Otavio Lazario de Queiroz
    Otavio Lazario de Queiroz

    1o Obrigado ministro pela sua manifestação sobre essas distorções do Supremo
    2o Os vitalícios da toga já disseram que anistia não vai valer pra condencoes por golpe.

  4. Marcelo idamil Correa
    Marcelo idamil Correa

    Esse velho só fez merda quando lá estava,agora pra que serve a entrevista de um inútil energúmeno como esse

  5. Cícero Ruggiero
    Cícero Ruggiero

    Entrevista com o cara que libertou André do Rap? Portanto vou desconsiderar e tentar desler. Pois os lapsos de lucidez que ele apresenta nessa entrevista são falsos, hipócritas. Se ele ainda estivesse no STF, bem capaz de condenar os inocentes do 8/1 a 17 anos de prisão.

  6. Francisco Nascimento Garcia
    Francisco Nascimento Garcia

    “Não tenhais medo de Alexandre de Moraes!” Ele é um ser pequeno, que se esconde sobre o manto negro do totalitarismo. Alexandre de Moraes é infinitamente menor que o cargo que ocupa!
    A própria instituição “supremo tribunal federal ” se encarregará de expurga-lo, pois consideram que ele já cumpriu o papel sujo a qual ele foi designado!

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